Crítica do filme Culpa
Um suspense que mexe com a mente
Com tantas adaptações que relatam as rotinas de inúmeras profissões, eu sempre questionei o porquê de não ter muitas obras que retratem o cotidiano de telefonistas. A resposta pode ser um tanto óbvia, uma vez que profissionais desse ramo geralmente ficam enclausurados numa sala, o que dificulta o desenvolvimento de uma trama que consiga fisgar o público.
Todavia, há títulos como “Chamada de Emergência” que já mostraram de forma bem-sucedida a complexidade dessa profissão, mais especificamente de policiais que trabalham no sistema de emergências. Nesse sentido, o filme dinamarquês “Culpa” não traz ineditismo, uma vez que ele tem o mesmo tipo de cenário e personagem, mas sua abordagem ímpar certamente merece atenção.
O protagonista aqui é o policial Asger Holm (Jakob Cedergren), que, devido a um conflito ético no trabalho, é confinado à mesa de emergências. A rotina normalmente é permeada por uma série de casos banais, mas logo ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, que tenta comunicar seu rapto sem chamar a atenção do sequestrador.
A partir dessa ligação, o filme se desdobra em situações tensas que nos fazem experimentar um pouco desse caso desesperador. Com informações escassas e sem muitas ações possíveis através do teclado numérico do telefone, acompanhamos todo o caso pela perspectiva do policial, sem ter uma única imagem do que está acontecendo com a vítima. E acredite: é uma experiência genial!
É interessante perceber que “Culpa” não é um filme que pretende esbanjar em conceito visual, tanto é que não temos nenhum policial correndo nas ruas para resolver um sequestro. Em vez disso, o filme opta por usar a imaginação do público como recurso narrativo, o que é, de certa forma, algo genial, já que cada pessoa tem uma concepção do ocorrido.
Conforme a ligação se desenvolve, o espectador obtém detalhes mínimos e vai compondo a cena em sua própria mente. Isso garante a atenção do público, já que nada está “mastigado”, e também uma experiência bem interessante. Como não há informações claras sobre cenários, personagens e situações, somos levados a imaginar cada situação e aí cada pessoa tem uma concepção diferente.
Eu acho muito legal que “Culpa” não é só uma degustação de algo pronto, mas ele consegue passar uma sensação similar ao que temos quando lemos um livro, em que a nossa imaginação dita o rumo das coisas. Aí que uma pessoa pode imaginar o vilão de uma determinada forma, com um tipo especifico de veículo e dirigindo numa determinada rodovia, enquanto outra pessoa pode ter uma impressão totalmente distinta.
Inclusive, é interessante perceber como o roteiro do filme é bem estruturado nesse sentido, já que ele deve ter uma construção pausada para dar tempo de a gente raciocinar o que está acontecendo. Todavia, ao mesmo tempo, o script tem um timing tão pontual, que parece que estamos acompanhando o caso em tempo real. E é curioso que parece que estamos realmente na sala de chamadas, participando da chamada de emergência.
Outro ponto que merece atenção é a ausência de trilha sonora, uma vez que temos de prestar atenção até mesmo aos mínimos sons provenientes da ligação, então o barulho do limpador de para-brisas é fundamental para construção do cenário em nossa cabeça. Além disso, a voz que vem através do telefone precisa ser o fio condutor da história, pois é no nervosismo dessa pessoa que o filme vai nos manter apreensivos.
Fecha com chave de ouro a atuação excepcional de Jakob Cedergren, que por ser praticamente o único personagem em tela em tempo integral consegue desempenhar o papel de policial com maestria. Quase todo o peso do filme está nas feições dele, então um olhar, uma respiração ou até mesmo uma hesitação reflete no rumo do longa-metragem.
No fim, é o tipo do filme que já ganha pelo trailer, mas que se mostra ainda mais inteligente e surpreendente no andar da carruagem. Se você procura um filme de suspense inusitado e que sirva como uma experiência diferenciada, pode apostar suas fichas em “Culpa” que a satisfação é garantida. Um ótimo título dinamarquês que merece sua atenção!
"O homem superior atribui a culpa a si próprio"