Crítica do filme Êxodo: Deuses e Reis
Transformando um profeta em general
O diretor britânico Ridley Scott é conhecido por suas grandes obras de ficção científica (“Blade Runner” e “Alien”, por exemplo) e também por seus épicos de ação (como “O Gladiador” e “Robin Hood”). Desta vez, o cineasta volta à baila com o segundo gênero, transformando a passagem bíblica da libertação do povo hebreu no Egito em um grande conto de guerra e fé.
Em “Êxodo: Deuses e Reis”, sai aquela imagem tradicional que se tem de Moisés como um senhor com barba e cabelos brancos e entra a de um homem jovem e guerreiro, que foi do ceticismo à fé quase cega no Deus de Abraão, levando para a tela do cinema algumas dos feitos bíblicos mais conhecidos de todos, como as pragas do Egito e a travessia do Mar Vermelho.
Mas o embricamento entre fé e guerra não funciona tão bem nesta obra, que parece ter ficado um tanto quanto perdida sobre qual caminho seguir. Apesar de um bom uso da computação gráfica para recriar o mundo do Egito de quase 3,5 mil anos atrás e de longas sequências de ação no melhor estilo Ridley Scott, o resultado geral é de um filme mediano e nada mais do que isso.
Esse lema, título de uma música muito conhecida de Milton Nascimento, descreve bem a saga de Moisés em “Êxodo: Deuses e Reis” depois que ele toma conta de quem ele é de fato. No filme, após visitar uma pedreira onde escravos ensaiavam uma rebelião, Moisés (Christian Bale) tem uma conversa reveladora com um intelectual hebreu (Ben Kingsley) e descobre que é hebreu.
Ao sair da reunião, o incrédulo Moisés é interpelado por dois guardas e os ataca, tirando a vida de ambos. Tanto a morte dos guardas quanto a possibilidade de Moisés ser hebreu chega aos ouvidos do agora faraó Ramsés (Joel Edgerton), que assumiu o posto depois que seu pai, Seti (John Torturro), morreu. O líder egípcio então resolve exilar aquele que foi criado ao seu lado, como um irmão, e Moisés parte errante pela região até conhecer Zéfora (Maria Valverde) e se casar com ela.
Se na Bíblia tudo isso leva 80 anos para acontecer, na cronologia do filme leva pouco mais de nove anos. Agora, um pastor de ovelhas, Moisés têm a revelação dos desígnios de Deus em sua vida ao ficar soterrado em pedra e lama após uma tempestade.
Aqui está um das surpresas bastante válidas de Ridley Scott para este filme: o deus hebreu é representado como uma criança, que aparece e some repetidas vezes para Moisés, dando a tudo um ar meio Mestre dos Magos. A partir daí, Moisés retorna à pedreira do início do filme, reencontra o intelectual judeu e resolve treinar um exército para a batalha contra os egípcios, resultando, de modo geral, em uma das grandes falhas do roteiro.
Coescrito por Adam Cooper, Bill Collage e Steven Zaillian, o argumento do filme não consegue explorar a ligação afetiva de Moisés e Zéfora, algo que passaria incólume se não houvesse a tentativa de dar um toque de amor romântico no final da obra. Além disso, a ligação de Moisés com o povo hebreu também parece superficial demais, mesmo com a inclusão de um irmão e de um sobrinho biológicos na história, que simplesmente somem do mapa depois de serem apresentados ao messias hebreu.
As adaptações feitas na trama para trazer algumas das 10 Pragas do Egito à cena também deixam a trama um tanto mais bizarra — nesse ponto, destaca-se a fonte da maré que deixou vermelha a bacia do rio Nilo e as suas consequências imediatas, também pragas bíblicas, como a presença de moscas, rãs e sarnas. A trama tenta dar um ar mais “científico” a isso tudo, porém, isso foi desnecessário diante da natureza do filme e não foi capaz de eliminar a bizarrice dos acontecimentos.
Apesar da carga espiritual óbvia de Moisés no filme, um dos pontos em que os roteiristas acertam em cheio é em deixar mais claro o papel de líder político em detrimento ao de líder religioso. No filme, o messias é um general, logo seu apelo para guerra é evidente, apesar de não ter havido nenhum grande confronto entre eles e tudo acabar se resolvendo mais na fé e no cruel senso de “justiça” do deus hebraico.
A conversa de Moisés com um de seus aliados ao final da história o coloca como politica e socialmente consciente da bomba que tem em mãos, quando ele questiona as possibilidades para o futuro. O líder lembra que, ao chegar em Canaã, os judeus serão vistos como invasores, visto que deverão tomar à força a terra de seus ocupantes. Além disso, ele reconhece a dificuldade de manter a comunhão os objetivos de todos, abrindo brecha para a necessidade de leis “divinas”. Pode-se dizer que a fé do povo hebreu em Deus e em Moisés como seu representante é explorada nesse ponto.
Fazendo um balanço geral, o pior de tudo, entretanto, é a cena em que o Mar Vermelho se fecha com Moisés e Ramsés sobrevivendo quase que intactos a um verdadeiro tsunami — coisas de Hollywood. A mais nova obra de Ridley Scott não consegue funcionar bem como saga espiritual nem como nem como um conto de feitos épicos de um homem para libertar seu povo.
Confira o trailer deste filme dirigido por Ridley Scott