Crítica do filme Regras da Atração | Filme universitário sem sertanejo

Com a célebre frase “I am Peter, the freshman”, esse impostor (cujo nome verdadeiro é Sean Bateman) é interpretado por James Van deer Beek, que nos brinda com sua entrada no filme “Regras da Atração” (The Rules of Attraction - 2002). Há mais de vinte anos, vocês se lembram dele na série Dawson’s creek, de 1998? Lá, James Van deer Beek era Dawson, um adolescente inspirador, aspirante a diretor de cinema.

Já em “Regras da Atração”, o rapaz dócil da série adolescente transforma-se em Sean Bateman, ou como se autodenomina: um “emotional vampire”, um vampiro sociopata que vive das emoções alheias e, nas horas vagas, um traficante de drogas com tendências suicidas.

Na Candem College, ele conhece Lauren, interpretada por Shannyn Sossamon (estrela de “A Entidade 2”, lançado em setembro de 2015 no Brasil), uma jovem universitária que passava por uma separação complicada. No curso de suas vidas, eles se chocam com a história de Paul, interpretado por Ian Somerhalder (o Damon, de “The Vampire Diaries”).

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No filme, aparecem outros atores e atrizes “feios”, como Jessica Biel, Kip Pardue, Kate Bosworth, Colin Bain; e bota pessoal bonito no filme! Assim, o triângulo amoroso está composto: Paul gosta de Sean, que gosta de Lauren, que mantém uma queda pelo ex-namorado Victor, que não está nem aí para Lauren.

Sem clichês universitários e com humor ácido

O filme é baseado no livro homônimo (The Rules of Attraction) de Bret Easton Ellis, de 1987. Esse escritor também ficaria famoso pelo seu romance de 1991, “Psicopata Americano”, cuja adaptação fílmica (American Psycho, 2000) rendeu a interpretação mais inesquecível de Christian Bale.

O mais interessante é que “Regras da Atração” compartilha o mesmo universo das duas obras de Bret Easton Ellis, pois Sean Bateman, o suposto calouro vampiro de emoções, é o irmão mais novo de Patrick Bateman, o psicopata americano. Diferentemente de uma aventura clichê universitária da Sessão da tarde, “The Rules of Attraction” é ousado tanto na montagem (seu plano de expressão) quanto na temática abordada (seu plano de conteúdo).

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A expressão, na montagem, combina regras de flashback e de planos-sequência bem estruturados, que nos brindam com montagem contando histórias em paralelo, naquele esquema de “Cidade de Deus” (2002) e “Pulp Fiction” (1994), com a telinha dividida ao meio.

A respeito do plano de conteúdo, os percursos temáticos de cada personagem nos brindam com temas recorrentes nas narrativas de adolescentes universitários inconsequentes: tráfico de drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo. Inovador na narrativa nos parece a ironia presente na falta de atração dos personagens entre si e pelas outras pessoas, o que vai na contramão do título “Regras da Atração”, pois, há nessa autodestruição dos comportamentos a tematização da rejeição social e do “fit in” (encaixe social) de “American Psycho”.

Apesar da acidez, um verdadeiro drama universitário

Apesar de se encaixar no gênero drama, o filme caminha pela comédia, pelo humor negro e pelo sadismo de certas situações. Por exemplo, enquanto uma aluna bêbada é estuprada no campus, outro rapaz a filma. Ao final da cena, ela recebe um jato de vômito do estuprador e ela pouco se importa com o fato.

Em suma, as histórias frustradas de cada personagem mostram como funciona a mente adolescente universitária (tirando alguns excessos propositais aqui e acolá) e, sobretudo, como podem nascer certos distúrbios psicopáticos a partir de ilusões amorosas e das temáticas acima apresentadas (drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo).

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Regras da Atração” tem nota 6,7 no IMDB e foi ganhador de alguns prêmios, o que é mais raro observar em narrativas sobre a vida ilógica de universitários sedentos por comportamentos autodestrutivos. Já os números do site Rotten Tomatoes diferem muito: 43% de aprovação dos críticos contra uma nota alta do público que mostra 71% de notas positivas.

É um filme realista na temática, com montagem interessante para quem se interesse por fotografia, e elenco com uma boa química, cuja atuação de Van der Beek é interessante, sobretudo, para quem o viu em Dawson’s Creek, agora na pele de um vilão sugador de emoções alheias.

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Critica do filme 2020 Nunca Mais | O ano terrível

Nem mesmo o “apocalíptico e integrado” Charlie Brooker — aquele que nos deprime e atormenta a cada episódio de Black Mirror — foi capaz de conjurar uma história tão desastrosa quanto à totalidade do ano de 2020. Depois de tantas desgraças que assolaram o pálido ponto azul do sistema solar, finalmente chegamos ao final do ano... e o que você fez?

Em 2020 Nunca Mais, Brooker e uma seleta de estrelas entregam uma desnecessária retrospectiva do “ano terrível”. Mesmo com a costumeira sátira sagaz da proverbial “pós-modernidade contemporânea” e seus componentes transumanos, o comentarista britânico parece não se esforçar muito entregando apenas uma versão menos entediante de uma retrospectiva jornalística.

Com nomes de peso como Samuel L. Jackson, Tracey Ullman, Hugh Grant, Lisa Kudrow, Kumail Nanjiani e Leslie Jones, entre outros, pseudodocumentário se limita a relatar os eventos com um toque de humor absurdo (quase que imperceptível dada a natureza surreal do ano em si). Enfim, se você é um daqueles poucos que consegue rir da desgraça, ou que quer sublimar um pouco da dor por meio do riso, 2020 Nunca Mais ainda é melhor do que o um “Globo Reporter”.

Isso não é muito Black Mirror

Como um narrador onisciente, Laurence Fishburne relata os principais eventos deste ano — que gostaríamos de esquecer — começando com os incêndios florestais australianos e o julgamento de impeachment de Trump, seguindo então para o começo da pandemia, o assassinato de George Floyd, o Brexit, as (in)decisões da eleição presidencial estadunidense chegando até a chegada do lançamento das primeiras vacinas para a COVID-19. Uma sorte de “especialistas” entrevistados entregam opiniões sobre os acontecimentos conforme as divisas entre absurdo se tornam cada vez mais etéreas.

Dash Brakcet (Samuel L. Jackson) é um repórter sério; Tennyson Foss (Hugh Grant) é um historiador cuja senilidade predileção por negronis parece fazê-lo confundir os eventos da realidade com Game Of Thrones; Tracey Ullman encarna uma irritada Rainha Elizabeth II, que não gostou nem um pouco da saída de Harry e Meghan da família real.

Painel diverso analiza adversidades

Jeanetta Grace Susan (Lisa Kudrow) basicamente nega qualquer coisa parecida com a verdade. Kumail Nanjiani é Bark Multiverse, a epítome do CEO de tecnologia, um sociopata egoísta que construiu um abrigo em montanha para si mesmo prevendo a iminente dissolução da sociedade, e de quebra fica absurdamente mais rico durante a pandemia. Enquanto isso, o cientista Pyrex Flask (Samson Kayo) vê suas tentativas de entregar fatos serem reduzidas a breves comentários ilustrados por cenas ridículas de arquivo.

Por fim temos a Dra. Maggie Gravel (Leslie Jones) que chega a inevitável conclusão de que quase todo mundo que não seja ela é um imbecil. Teoria confirmada reintegradas vezes por pessoas como Duke Goolies (Joe Keery), um “produtor de conteúdo” que de alguma forma ganha rios de dinheiro fazendo vídeos no qual apenas reage às notícias. E para deixar claro que o mundo realmente está cada vez mais imbecil, temos Gemma Nerrick (Diane Morgan) — literalmente uma das cinco pessoas mais comuns do planeta — e Kathy Flowers (Cristin Milioti), a personificação da “Karen” estadunidense cuja fonte de dogmas é o feed do Facebook e as correntes de WhatsApp.

Melhor deixar 2020 no passado

O grande problema de 2020 Nunca Mais é justamente o fato de ser uma obra de Charlie Brooker. O que passaria despercebido como uma produção ligeiramente engraçada fica ainda mais insossa se pensarmos no potencial que o olhar de Brooker traz, lembrando estamos falando o homem por trás da perspicaz série de antologia Black Mirror.

Condensando estereótipos em “testemunhas” que narram os eventos caóticos do ano, o roteirista não força a critica o suficiente, entregando apenas um amontoado “piadinhas” datadas diretamente relacionadas aos amalgamas em questão, sem aquele misto de acidez e desespero existencial que marca outras obras do roteirista. Além disso, o elenco — mesmo que recheado de nomes fortes de Hollywood —, parece entediado e assume que a mera contextualização de seus personagens será suficiente para empurrar a atuação.

Retrospectiva 2020, sério? Pra que?

Uma pena, especialmente no caso de Tracey Ullman e Hugh Grant que assumem a pele da Rainha Eizabeth II e de um historiador alcoólatra de tendências ligeiramente racistas, respectivamente. Sem qualquer interesse a dupla parece caricaturas exageradas saídas diretamente de esquetes da Praça é Nossa, Zorra Total ou Saturday Night Live (não se iluda amiguinho, é tudo a mesma coisa com níveis de qualidade variáveis). Dito isso, é preciso celebrar as atuações de Cristin Milioti e Lisa Kudrow.

As duas atrizes extraem o máximo de seus personagens e sem dúvida são o ponto alto de 2020 Nunca Mais. Cristin Milioti encarna com muita propriedade uma “Karen” — a típica radical negacionista suburbana estadunidense — que, graças ao desenrolar absurdo de 2020, finalmente pode por para fora seus preconceitos com o aval da Casa Branca que reverbera o mesmo preconceito e radicalismo. Por coincidência, ou não, Lisa Kudrow assume o papel de uma não-represente não-oficial da Casa Branca, que tenta desesperadamente defender os desmandos e desordem do governo a cada nova imbecilidade oriunda do gabinete presidencial.

"Retrospectiva 2020! Por que vocês querem fazer isso? Sério. Por quê?”

No final das contas, 2020 Nunca Mais é um título mais do que apropriado para um ano horrível, e um filme nada marcante. Se você procura um evento catártico que realmente expurgue o ano da pandemia é melhor buscar em outro lugar. Todavia, se não queremos repetir os mesmos despautério no futuro, é melhor manter o passado vivo na memória, e se temos que relembrar a história de 2020, melhor que seja com um mínimo de humor.

Critica do filme O Mistério de Silver Lake | O mistério faz tudo valer a pena?

Depois do interessante, Corrente do Mal, David Robert Mitchell segue intrigando audiências com sua nova produção e mostra que tem tudo para se tornar um dos diretores “fetiche” daquele seu amigo “cinéfilo cult”. Com aspirações “Lynchnianas”, o diretor e roteirista cria um bom neo-noir em “O Mistério de Silver Lake”, que prende a atenção mesmo que deslizando em exageros surreais e a ausência de uma edição coerente.

Sem pedir desculpas pelo seu estilo, Mitchell pode até se perder dentro da própria teia conspiratória que guia a —  desnecessariamente longa — trama da película, mas ainda consegue entregar um filme envolvente que entrará no catálogo de “pérolas cult” da próxima geração de hipsters. Por sinal, a própria percepção desta afirmação como crítica ou elogio ao trabalho do diretor é justamente parte do seu apelo, e um ótimo indicador de seu estilo singular, que não pretende agradar a todos.

Enquanto Michell tenta coordenar a sua orgia metalinguística surreal, Andrew Garfield entrega uma das melhores atuações da carreira, em um movimento que desconstrói a sua imagem de gala, e se transforma em uma grande sátira a quintessencia hollywoodiana que o define, tanto como ator e personagem.

Em “O Mistério de Silver Lake”, David Robert Mitchell acerta mais do que erra, no entanto, seus defeitos prejudicam muito o desenvolvimento do filme, com um roteiro deliberadamente confuso, que mistura elegantemente elementos da cinematografia dos irmãos Coen e David Lynch, e uma edição pouco inspirada, além da longa duração, deixam o filme lento e pouco acessível, mas uma boa escolha para fãs do gênero e/ou de cinema autoral.

Qual é o mistério, velhinho?

Sam é o arquétipo hollywoodiano falido, um cara que aparentemente não trabalha, mas tenta manter a aparência com um carro estiloso, um apartamento repleto de memorabilia vintage, e um círculo de amizades povoado por pessoas com mais aporte financeiro que ele. Um dia, entre baseados, sexo casual e pequenas doses de voyeurismo, um breve flerte com a sua vizinha Sarah (Riley Keogh) acaba rendendo muito mais do que a ilusão de um romance cinematográfico. Antes mesmo que poder celebrar a conquista, Sam descobre que Sarah desapareceu durante a noite, sem qualquer indício de como ou porque.

Em meio a suas desilusões existenciais, ou como forma de reprimi-las, Sam embarca em uma missão de encontrar a “garota dos sonhos”, adentrando na proverbial toca do coelho que se esconde sob Silver Lake e a própria indústria cultural popular. Conspirações, cultos, figuras estranhas, mensagens escondidas e um assassino de animais de estimação aparecem como nós em um longo "Fio de Ariadne" que não leva até a saída do labirinto.

Sam é a epitome de uma juventude depressiva, incapaz de se identificar com qualquer coisa, que simplesmente se entrega ao destino na esperança de que o universo se alinha e que eles finalmente possam fazer parte de algo maior, mesmo que seja uma conspiração ou um culto. O Mistério de Silver Lake reúne pistas, detalhes, referências que indicam a reposta para o maior segredo do universo, ou não; como a própria vida do protagonista, nada realmente importa ou tem um significado maior.

Meus sentidos de aranha estão tilintando!

A arte do escapismo

Sem a mesma inspiração ou talento de obras como o delirante Barton Fink, o intoxicante Vício Inerente ou o onírico Cidade dos Sonhos, a viagem criativa de David Robert Mitchell celebra a liberdade narrativa apresentada pelos mestres que obviamente inspiram a sua criação, mesmo que não alcance — nem de longe — o mesmo patamar de competência. Ao juntar todas as “peças” do seu quebra-cabeças, Mitchell parece não ser capaz de encaixar elas adequadamente.

David Robert Mitchell mistura cinema de autor e de gênero em um filme inter interseccional

Somando mais acertos do que erros, “O Mistério de Silver Lake” é um filme incompleto. Mesmo que o diretor mostre bons elementos ao longo do seu desenvolvimento, ainda há muito que melhorar. Talvez pela ambição artística, ou pela simples falta de maturidade, Mitchell não demonstra a mesma habilidade que Lynch ou os irmãos Coen para lidar com um roteiro e uma história que necessariamente não leva a "lugar algum".

É fácil vislumbrar um futuro em que David Robert Mitchell e “O Mistério de Silver Lake” se transformem em itens "cult" altamente "fetichizados" por suas reflexões masturbatórias sobre o processo artístico, influencia cultural do entretenimento e o escapismo pelo extraordinário. Todavia, por enquanto, parece que as suas coisas ainda não estão maduras o suficiente.

Crítica do filme O Orfanato | Atmosfera de terror ou terror de atmosfera?

El Orfanato” (The Orphanage, 2007) é um dos poucos filmes que nos faz lembrar o momento plot twist do clássico “O Sexto Sentido”. Veja como a ótima parceria do diretor J. A. Bayona com a coprodução de Guillermo del Toro é capaz de concretizar em termos de suspense, quando se trata de terror de atmosfera, com pitadas Hithcockianas e captação de som envolvente.

Sabe aquele frio na espinha que temos ao assistir o clássico “O Sexto Sentido”? Pois é, com “O Orfanato” (título em português), acredito que temos um efeito tão ou mais surpreendente nos segmentos finais (sim, apesar de o andamento assustador nos prender, vocês podem criar expectativa para o final, pois, a mim, agradou muito quando me dei conta sobre a descoberta de Laura, a protagonista do filme).

Com produção executiva de Guillermo del Toro (que havia recentemente dirigido “O Labirinto do Fauno”, Pan’s labyrinth, 2006), e com direção de J. A. Bayona, a produção consegue misturar muito bem uma atmosfera de thriller (com muita tensão a todo momento, o que é difícil de se manter em filmes do gênero), trabalhar com jump scares bem pontuados, que acontecem em momentos certos e, para fechar, um som ambiente que nos faz pensar estarmos em um mundo de sonhos (pois tem uma reverberação estranha, em eco, imersiva).

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Em geral, o filme produz uma atmosfera que passa pelo crivo da protagonista e dessas mesmas impressões se vale para produzir um misto de signos complexos, como realidade e ilusão, loucura e paranormalidade, junto a traumas e a uma gratidão que a protagonista vai respeitar, mas a respeito da qual não saberemos se chegará a seus desígnios.

Loucura sob um viés ambíguo

A temática da gratidão, de cara, nos faz simpatizar com a protagonista. Laura foi criada em um orfanato para crianças deficientes. Ao crescer e se casar, ela e seu marido, o médico Carlos, resolvem adotar uma criança soropositiva, Simón. Para completar o desejo de Laura, compram uma mansão, que foi o mesmo casarão em que Laura fora educada.

Lá, fazem uma festa especial para Simón, convidam a vizinhança para que conheçam o lar de Laura, com vagas para crianças especiais (lembrem-se que o sonho de Laura envolvia a gratidão pelo local), e, a partir da festa, coisas estranhas acontecem, sobretudo o sumiço de Simón nos segmentos iniciais (não é spoiler, é bem no começo), que fará ligação com fatos passados acontecidos no orfanato.

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Com poucos personagens (além dos três citados, há mais três personagens paranormais e uma psicóloga - aliás, fato curioso: entre eles está Edgar Vivar, o Seu Barriga do Chaves), a trama alterna entre a localidade da casa e uma praia próxima, com foco em uma caverna sinistra, próxima à enseada, lugar que dá início ao mistério da trama.

A partir disso, o terror de “O Orfanato” será elaborado a começar pelo passado dessa casa, que se constrói de momentos os quais Laura lembra aos pedaços, em que aos poucos vai remendando um quebra-cabeça mental. A sua aparente confusão mental é revelada à medida que se revela a sua infância no local, pois ela sempre teve que tomar psicotrópicos (no filme, percebemos aos poucos que ela teve problemas mentais, e essa ambiguidade entre estar sã ou revivendo algo do passado reflete-se na maneira com que lida com o marido e com o sumiço do filho.

Um terror normal, paranormal ou além do normal?

Enfim, os dois locais onde se passa a maioria da história (na casa e nas cavernas à beira-mar) constroem também a temática da paranormalidade, tendo em vista que o thriller nos faz ficar divididos entre a realidade, a aparição de seres estranhos e a loucura, até os momentos finais.

Embora a paranormalidade seja parte da temática principal, a ambiguidade que separa a sanidade da loucura perpassa o plot desse filme, uma vez que não sabemos se vivemos a loucura de um personagem, se a insanidade apossou-se de todos ou se há uma maldição no local (em um dos momentos, até a ciência psicológica e a crença paranormal entram em conflito para averiguar o que se passa de fato naquela casa, um antigo orfanato misterioso para crianças especiais).

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O Rotten Tomatoes concede 87% em média tanto pela crítica quanto pelo público (concordo com o Rotten, pois eu concederia entre 8 e 8,5). O site IMDB, sempre mais exigente, concede 7,4, também uma ótima nota a esse tipo de filme, que mistura terror, atmosfera e um excelente drama sobre a compreensão da loucura e de si próprio.

O mérito desse filme está na construção da atmosfera de tensão, semelhante aos primeiros filmes de M. Night Shyamalan, sobretudo “O Sexto Sentido”, pois os sustos são dosados e a construção da tensão mantém-se em todos os segmentos. Que bela contribuição fez Guillermo del Toro na coprodução executiva desse filme, aliás, pouco visto a quem pergunto, por isso, sempre gosto de indicá-lo, pois é um filme além do normal, que faz bela contribuição ao cinema do subgênero terror de atmosfera.

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Alien: O Nono Passageiro | Mas não seriam oito?

Meu nome é Levi, sou linguista, semioticista e aficionado em cinema e games. E, agora, também colunista aqui no Café com Filme. Alien (1979) sob direção de Ridley Scott e design do gênio Hans Rudolph Giger (para os íntimos H.R Giger), sem dúvida, é o melhor filme do gênero terror Sci-Fi. Porém fica uma dúvida: o subtítulo em português menciona “o oitavo passageiro”, mas não seriam nove? Ao assistir a essa produção com atenção, isso poderá ser confirmado.

O consagrado "Alien, O Oitavo Passageiro" dispensa apresentações. Ele influenciou o plot de todo tipo de produção que viria em seguida (uma tripulação no meio do nada, sem assistência rápida, com recursos limitados, frente a um ser que não tem remorso em perseguir até o último tripulante; ao final sobra um herói, que tenta escapar da nave, acionando o sistema de autodestruição).

O aspecto narrativo do último sobrevivente é muito relevante em Alien, no entanto, ao observarmos com atenção, a Tenente Ripley (Sigourney Weaver) não está sozinha em sua fuga. Sem dúvida, há um personagem quase esquecido no primeiro Alien que pareceu não incomodar tanto a crítica ou as análises: o gatinho Jones ou, como é chamado carinhosamente, Jonesy. Assim que escrevi este texto, percebi haver muitas publicações sobre Jonesy. À uma hora e cinquenta e seis minutos, nos créditos, na versão do diretor do filme Alien, há referência ao Jones (´Jones’ trained by Animals Unlimited).

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No IMDb, há algumas notícias a respeito do gato nos bastidores, mas a marca de sua importância no elenco é sempre lembrada pelos escritos e fãs do filme. Dentre as publicações encontradas sobre o gatinho Jonesy, está o momento em que ele encara a primeira aparição do Alien. Nos bastidores, o fizeram assustar por meio de uma tela que foi suspendida repentinamente revelando um cão pastor alemão atrás, o que fez Jonesy ficar feroz, enfim, o fez sibilar (em inglês: hissing).

Ao ver este filme pela enésima vez, o nível de direção de Ridley Scott é de cair o queixo, pois até mesmo um gatinho assustado parece atuar por meio da lente da câmera. Para garantir se o animal foi protegido, fui averiguar. Nas cenas em que Ripley corre por entre os apertados corredores com o gatinho chacoalhando na gaiola, percebemos que ele não está lá, sobretudo nesta cena do fechamento dos compartimentos, na qual ela já tinha pego o caixinha de transporte na tomada anterior.

Afinal, por que Alien, o nono passageiro?

A resposta é simples. Além dos sete tripulantes (cinco homens, duas mulheres) e o oitavo passageiro alienígena, o gatinho deve ser contado como passageiro. Aliás, qual o critério para desconsiderar Jonesy no subtítulo brasileiro? Seria porque é um pet ou porque é algo diferente de um ser humano? Mas o alien também não se enquadra nessas características? Vocês também poderiam pensar: é porque o gato não faz nada, somente aparece em algumas cenas ao fundo. Sim e não. Jonesy é o signo (um elemento narrativo de representação) que remete à “familiaridade” ou a algo próximo do planeta de origem, a Terra.

Ao mesmo tempo em que é mostrado ao fundo, como habitante da nave (e mesmo que ainda não desempenhe função narrativa no início), ele terá, de fato, participação nos momentos em que a nave Nostromo, após testemunhar o nascimento do Alien, terá sua primeira vítima. O gato, a partir daquele momento, passa a ser não somente o signo que remete ao lar Terra, mas também ao instinto e coragem frente ao Alien.

Pelo seu porte pequeno, Jonesy se esconde a aparece em momentos-chave, ora atrapalhando o sensor de movimento (aquele sensor nos causa arrepios!), ora encarando o alien de dentro de sua caixinha de transporte fofa, ora sendo salvo pela Ripley e lhe fazendo companhia após a cena da ejeção do alien.

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Depois de todas essas participações, não menosprezemos a importância e, sobretudo, o contrabalanceamento que o signo “Jonesy” carrega na sua construção de sentidos: rememora o lar Terra, é algo familiar, tem instinto suficiente para se proteger do monstro, confunde-se com o alien no sensor, sabe ser pet ao estar à mesa com os tripulantes (mesmo não percebendo em função do clima de horror da atmosfera do filme, a importância do gato é percebido quando revemos os filmes nos detalhes).

Além dessas funções narrativas, o horror de atmosfera de Ridley Scott nos faz submergir no terror e ao mesmo tempo podermos respirar em momentos mais leves, sim, são somente dois alívios: o primeiro momento do lanchinho da tripulação (no segundo lanchinho já temos “chest burst” de Kane) e quando a Ripley oferece colo ao Jones, antes de entrar na câmara de hibernação.

Em uma direção técnica (sem dúvida, uma aula de cinema), há também muito pouco espaço para diálogos, pois o uso dos enquadramentos rege o filme (não há tantos planos sequência longos, apenas planos mais pacientes com algum movimento e somente uma ocasião de câmera na mão). Todo o filme, em resumo, é feito por enquadramentos de campo e contracampo, plongé, zoom in, zoom out, superclose, planos detalhe e grandes planos gerais.

Uma obra de outro mundo

Há um cuidado quase cirúrgico em tratar com parcimônia cada elemento da narrativa, não dando muita atenção à biografia de cada personagem, seus dilemas, sua origem, pois tudo é muito subentendido. Como as ordens provêm do Tenente Dallas, percebe-se que Ripley é o soldado que provavelmente assumirá o comando. Os dois reclamões Brett e Parker, são os rapazes do trabalho pesado, que ficam na parte de baixo e corrigem os danos elétricos e de solda. Há os dois pilotos da nave, Dallas e Lambert e um médico, Ash, o qual, no seu rosto frio, será revelada sua origem androide.

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Há também um décimo personagem (sim, o filme tem somente dez personagens), que é a mãe, espécie de computador central que é o coração da nave, cuja importância narrativa será revelada ao final, nas decisões críticas da tripulação. O décimo primeiro personagem está implícito por meio da corporação Weyland, mencionada indiretamente pelo contrato assinado por todos e pela logomarca nos uniformes. O papel da corporação é relevante, pois representa o poder contratual do sujeito que manda pessoas para o espaço para concluir o seu desígnio, ou seja, além de trazer 20.000.000 de toneladas de minério para a Terra, secretamente Weyland mantém o interesse, acima das vidas humanas, de encontrar vida inteligente no espaço sideral.

Todos esses elementos narrativos, a semiótica os considera signos, pois são elementos de representação, que produzem sentidos no âmbito de uma narrativa futurista, dentro da suficiência do que o diretor quer mostrar. Ou seja, para dar espaço ao horror de atmosfera, que nos assusta até hoje (41 anos após seu lançamento), foi necessário deixar vários implícitos, a fim de que o público ficasse atento a todos os elementos: o horror de atmosfera como carro-chefe, momentos raríssimos de alívio social, dramas contidas nos olhares dos personagens ou na sua inação frente ao facehugger no rosto do Kane (que pouco falam ou que pouco sabem o que fazer ao ser infectados ou atacados), além de estarem cativos na própria nave-mãe Nostromo quanto no planetoide, no qual se deparam com o drama inicial alienígena.

Que obra, que direção e que design de Hans Rudolph Giger! Artista plástico e figurinista suíço, Giger se baseia no surrealismo de suas obras estranhíssimas para nos premiar com a ambiguidade que a fera alien nos é apresentada.

O monstro não é somente uma mistura de signos orgânicos e artificiais/mecânicos (é ora metal, ora ácido, ora babas, ora dentes, patas e cauda penetrante), mas também uma armadura biomecânica mortal (que se camufla nas ferragens) e ao mesmo tempo sexual, a qual despertou admiração do androide da tripulação pela sua capacidade de sobreviver em qualquer tipo de atmosfera.

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Em suma, de alien se espera sempre alguma extremidade horrorosa a perfurar crânios e tórax, de forma que os planos-detalhe fazem lento o momento das penetrações mortais de suas caldas e dedos gigantes. Essa é a ambiguidade genial que faz a fera de Giger ter a função semiótica narrativa perfeita para os desígnios do filme de Scott. Nunca uma atmosfera de horror poderia combinar tanto com um ser biomecânico completamente adaptado a qualquer atmosfera, felizmente, ele não suporta somente um elemento, o fogo.

O elemento simbólico da desolação é composto, vai sendo descrito tranquilamente, sem pressa. O que parece lentidão narrativa, à primeira vista, é usado como recurso o filme todo. A composição da solidão no espaço na técnica dos enquadramentos é clara e proposital. Logo nas primeiras cenas, há uma parcimônia em revelar signos que funcionam como parte de um todo. São denominados signos indiciais (signos metonímicos, que nos guiam da parte para o todo).

Os planos gerais da nave Nostromo vão aos poucos compondo o ambiente da história sem precisar dizer uma palavra. De grandes planos gerais do espaço sideral, revela-se uma decomposição de signos, por meio de planos das cabines da espaçonave, mudando para corredores, sala de máquinas e os capacetes solitários, representando as vidas que serão narradas na nave. Os capacetes constroem a metonímia das partes das pessoas que serão apresentadas.

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Os ambientes internos e estofados claros das câmaras de junção e de hibernação contrastam com o escuro dos corredores de canos e fios apertados. Enfim, todos os contrastes e oposições são significativos, partindo do Alien completamente “unfamiliar” e biomecânico ao gatinho Jonesy, fofinho, esperto e pet.

Enfim, "Alien, O Oitavo Passageiro" é uma daquelas pérolas que fazem ter orgulho do cinema setentista e oitentista de horror que flerta até mesmo pela parcimônia técnica com elementos do cinema clássico. Além disso, conta com um orçamento na casa dos 11 milhões de dólares.

A sua aprovação no IMDB passa dos 80% e no Rotten Tomatoes chega na casa dos 94 a 98%, simplesmente insana. Portanto, Ridley Scott, em sintonia com o designer do alien, H. R. Giger, nos dão uma lição de cinema inesquecível, a partir do qual, com marisco, ostra e fígado (sim, isso mesmo, reparem na foto acima do facehugger) fazem os efeitos práticos do alienígena algo realista, em um cena em que ainda não era possível inserir elementos digitais.

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Referências

  • ALIEN: o oitavo passageiro. Dir. Ridley Scott. Director’s cut. Estados Unidos: Twentieth Century Fox Studios, 1979.
  • CINESSEMIÓTICA. Canal do Youtube. Adaptado do conteúdo de Cinessemiótica, prod. Levi Henrique Merenciano. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=edCINtUdDsI . Acesso em: 27 nov. 2020.

Crítica do filme Tenet | Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos

Aviso: se você está aqui em busca de uma conclusão simplificada para "Tenet", é provável que você saia da página do mesmo jeito que entrou. Esta não é apenas uma crítica sobre a nova obra de Christopher Nolan, mas uma análise do que entendemos como cinema e o porquê da dificuldade na aceitação de obras que fogem do padrão de Hollywood.

Eu já escrevi centenas de críticas. Muitas são produzidas mentalmente antes mesmo de eu sair do cinema. Outras levam um período de tempo razoável para serem finalizadas. Algumas são publicadas e, mesmo devidamente polidas, não conseguem abranger toda a minha interpretação de uma obra.

Minhas análises das produções de Christopher Nolan certamente se encaixam nesta última categoria. Não que o conteúdo fique inacabado, sabe? Contudo, abordar temas complexos que nem foram decifrados pela ciência ou que tentam simular grandes paradigmas é algo de tamanho complexidade que pode resultar em textos presos em loops temporais.

O ponto é: como sintetizar tantas ideias elaboradas de uma trama tão complexa, a qual não pode ser definida  numa sinopse? E mais: como criticar um emaranhado de conceitos sem chegar ao ápice da epopeia? Impossível. Tanto que eu nem sequer vou tentar entrar nos desdobramentos da trama. Definitivamente não.

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A verdade é que após tantos filmes aclamados e com uma reputação marcada apenas por infindáveis elogios, Christopher Nolan parece ter chegado num ponto de sua carreira sem volta. Para o cineasta, não basta mais levar medalha de ouro. Ele quer seu lugar no Olimpo hollywoodiano. E isso é o que o público espera dele: genialidade sem precedentes.

Uma carreira agora orientada pela perseguição dos temas mais inusitados e jamais concebidos por qualquer outra mente. Isso exige do cineasta uma revolução em roteiro e em direção. Ele definitivamente entrega algo de um nível surpreendente em "Tenet", talvez para agradar os cinéfilos mais exigentes, mas até que ponto vale a viagem pelo inexplorado mundo de ideias?

Será que os infinitos desdobramentos de "mindblowing" (que eu traduzo livremente aqui como doideira) levam a alguma posição privilegiada? Afinal, seria o cinema uma forma de entretenimento ou de exploração do inimaginável? Vale a pena divagar tanto a ponto de cansar o espectador pelos diálogos intrincados e os conceitos mais difíceis de sumarizar?

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Eu acho que não há respostas definitivas para nenhuma dessas perguntas. E se tem alguém que não precisa se preocupar com nada disso é Christopher Nolan. Todavia, é inegável que seus filmes cada vez mais viajados devem ter duas consequências inevitáveis: mais fãs pedindo criações que demandam muito mais do intelecto, mais críticas - sejam especializadas ou do público em geral - argumentando a complexidade desnecessária que acaba dificultando o entretenimento.

Sator Arepo Tenet Opera Rotas

Quando pensamos em filmes enquanto obras de arte, podemos encontrar diferentes propósitos, inclusive é claro retratos de ideias abstratas que podem ter como única finalidade a reflexão sobre o que concebemos como uma realidade. Em casos extremos como o de "Tenet", o roteiro pode se concretizar como genial, mas talvez a duras penas, uma vez que ele priva o espectador do entretenimento clássico em detrimento de uma abordagem aprofundada.

A verdade é que quando há um questionamento de temas impossíveis de serem decifrados, sejam eles sonhos, viagens através de buracos negros ou a exploração de uma inversão no tempo, não há limites para conjecturações. Todavia, scripts desse garbo inevitavelmente soam de forma mais restritiva do que inclusiva.

Às vezes, fazer o espectador pensar pode ser genial, já que o cinema tem esse poder de questionamento e reflexão, mas isso pode ser uma faca de dois gumes. "Tenet" é o tipo de obra que não permite à plateia divagar ou tecer comentários, pois uma frase perdida resulta na perda da linha de raciocínio e aí é frustração na certa.

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Importante frisar que o novo filme de Christopher Nolan marca a volta de grandes estreias aos cinemas do mundo afora. Como todas as obras do cineasta, seu mais recente projeto também foi feito para apreciação na telona, onde há uma imersão completa neste mundo de situações impossíveis, em que a ação e a viagem temporal são mais impactantes.

Eu já ouvi muitas pessoas falarem como os filmes prévios do Nolan exigiram mais do que uma sessão para absorsão total dos conceitos. Assim, não tenha dúvidas de que "Tenet" pode requisitar uma segunda ida ao cinema ou a espera do lançamento nos streamings para uma segunda interpretação, mais cautelosa e já pautada nas teorias introduzidas na primeira experiência.

Nolan, o Maestro do Palíndromo

Na trama, acompanhamos a viagem do protagonista (interpretado por John David Washington - e já respondendo sua questão: não, o protagonista não tem nome) por um mundo obscuro de espionagem internacional, armado com apenas uma palavra – Tenet — e lutando pela sobrevivência de todo o mundo em uma missão que se desdobra em algo além do tempo real. Nas palavras oficiais da sinopse: Não é viagem no tempo. Inversão.

Essa frase em destaque marca uma distinção importante a ser notada antes de ver o filme, pois há diferenças entre viagem no tempo e inversão. A meu ver, a viagem no tempo implica no deslocamento de um sujeito através da linha do tempo, seja para o passado ou futuro. Já a inversão consiste na dúvida: e se fosse possível rebobinar a linha do tempo, como um deslocamento no sentido contrário, e não só de pessoas, mas de objetos e situações?

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Uma passada rápida no trailer impressiona e, se você é do tipo que fica imaginando os tipos de técnicas empregadas para as cenas, é fácil cogitar o uso de meros truques com cenas em modo reverso, brincadeiras simples que qualquer um pode fazer em poucos cliques num software de edição. Obviamente, não há nada de simples em "Tenet", afinal se há alguém empenhado em fazer diferente e impressionar visualmente, esse alguém é Christopher Nolan.

É algo de dar nó a forma como Nolan pensou a direção e também a composição na pós-produção. Mesmo que algumas cenas possam ser coreografadas em reverso, isso exige um grande talento por parte dos atores. No entanto, há momentos que definitivamente exigem muito mais do que embromações. E aí é que entra a genialidade da parada. Mesmo que a história não te convença, ou que você fique perdido, o simples fato de ver esses efeitos já vale cada segundo de projeção.

Aliás, observação pertinente: assim como em outros projetos, Christopher Nolan parece ter alguns desafios próprios em seus filmes, truques de grandezas inusitadas, como tombar um caminhão numa rotação quase impossível (como ele fez em "Batman - O Cavaleiro das Trevas"), explodir um avião no ar ou coisas do tipo. Então, se você gosta de ver coisas absurdamente impossíveis, certamente "Tenet" tem muito a oferecer em termos de cenas impressionantes.

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Em questão de elenco, Nolan ainda resiste em figuras carimbadas como Michael Caine (sem reclamações, apenas um apontamento mesmo), mas o que vale são os novos protagonistas, principalmente com John David Washington no comando do personagem principal. Washington é simplesmente magistral em sua performance, de uma pompa que chega quase a ser um James Bond nas maluquices temporais. Ótimo de diálogos, coreografias e feições. Certamente, o ponto alto do filme!

Essa renovação do protagonista existe em muitos filmes do cineasta e não tenha dúvidas que sua equipe acertou em cheio ao escalar a estrela de "Infiltrado na Klan" junto com Robert Pattinson, que amadureceu muito em sua carreira e entrega uma atuação poderosa. Outros nomes como Aaron Taylor Johnson, Kenneth Branaghm, Elizabeth Debicki e Clémence Poésy também contribuem de forma generosa para o bom andamento dos diálogos, parte fundamental para entender as nuances da história.

Outro aspecto de suma importância como em todos os filmes de Nolan é a trilha sonora muito bem orquestrada. E não digo por ser conduzida por uma orquestra, mas por ser um ponto de apoio para o andamento da trama mesmo. Os sons impactantes, com muitas freadas e aceleradas, com variações abruptas, distorções, sintetizadores de profundidade e uma pegada muito eletrônica destoam muito do que já vimos nas trilhas de Hans Zimmer, isso porque esse é um dos raros projetos em que não temos Zimmer como compositor.

O nome por trás da brilhante trilha sonora de "Tenet" é Ludwig Goransson, artista que já emplacou outros grandes projetos como a musicalidade de "Pantera Negra" e "Creed 2". Aqui, ele foge totalmente do lugar comum e realmente faz um trabalho que impressiona pela ousadia. Toda música tem uma tonalidade que dá a impressão de que o tempo vai acabar. Um casamento perfeito entre imagem e som. Para quem gosta de ouvir trilhas sonoras, vale conferir o álbum no Spotify. 

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A pergunta que ninguém fez, mas não quer calar: é o melhor filme do Nolan? Como toda pergunta desse tipo, a resposta reside somente na opinião de quem está responendo e, particularmente, eu não acho que "Tenet" seja o projeto mais completo do cineasta. Talvez, ele seja o mais ambicioso, mas as dificuldades que o filme tem em vender seus conceitos acabam atrapalhando seu sucesso. Um ótimo filme no todo, mas talvez um pouco exagerado no conceito da doideira e até previsível!

Crítica do filme Verão de 84 | Pode acontecer na sua vizinhança

É curioso como desde o lançamento de “Stranger Things”, todo filme ambientado na década de 1980 com personagens adolescentes faz as pessoas comentarem coisas do tipo: “Nossa, esse filme é muito Stranger Things, né?”.

É claro que já existiam muitos filmes ambientados nesta década, protagonizados por adolescentes e com músicas de suspense, mas algumas características específicas, usadas em conjunto, fizeram a série virar um referencial.

O filme “Verão de 84” é mais um filme que lembra muito a série “Stranger Things”, mas de comum ela só tem essa atmosfera dos anos 80 e a trilha sonora Synthwave que lembra bastante as composições de Jean-Michel Jarre, Vangelis e Giorgio Moroder.

Aliás, é interessante perceber a dificuldade para os cineastas inovarem ou, ao menos, para não dar a impressão de que eles copiaram outras obras, como o próprio “IT – Uma Obra do Medo”, que traz uma “turminha do barulho” de investigadores.

Mas a trama de “Verão de 1984” vai por um caminho completamente diferente, então não espere nada sobre mundo invertido, crianças com superpoderes, aliens do filme “Super 8” ou palhaços assustadores retirados da mente de Stephen King.

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Muito mais pé no chão e com questionamentos interessantes, o roteiro aborda o grupo de adolescentes que desconfia que o vizinho policial é, na verdade, um serial killer. A partir disso, eles decidem passar o verão investigando e juntando provas, mas conforme eles se aproximam de descobrir a verdade as coisas ficam perigosas.

Já adiantando que, se você veio aqui para descobrir se o filme é bom, eu posso dar a resposta rápida: sim, “Verão de 1984” é um filme que diverte na medida e entrega uma boa trama. O desenvolvimento do filme é um tanto lento e mesmo com a trama um tanto óbvia, o final consegue surpreender e vale muito a pena.

Suspense constante

Filmes que entregam o ouro já no trailer acabam não tendo muito para contar, eis talvez o fator mais limitador de “Verão de 84”. Quer dizer, mesmo que haja uma reviravolta surpreendente, você ter um norte específico, impede que o roteiro voe para ideias inusitadas.

Assim, ao dar play no filme, a gente já sabe exatamente o que esperar: uma turminha do barulho tramando planos para investigar seu alvo. Assim, toda a trama do filme é ver os garotos divagando sobre as suspeitas que têm do vizinho e como eles podem provar que ele tem culpa no cartório.

Veja que isso não é um problema, existe muitas opções de investigação e o andar da carruagem depende somente da criatividade do roteiro. Infelizmente, o script não tem uma criatividade de outro mundo, mas, por outro lado, é de se questionar se todo filme precisa ser um Stranger Things com situações de cair o queixo.

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O ponto é que a trama mais se aproxima de “Detetives do Prédio Azul” do que de “Sherlock Holmes”. Totalmente normal para uma turminha que só tem lanternas e walkie-talkies como ferramentas. Contudo, o filme não prende tanto nossa atenção pelos desenrolar dos fatos e tenta compensar de outras formas.

Um dos apoios mais evidentes para o suspense é a trilha. No entanto, a produção exagera no uso das músicas como alavanca de mistério e só parece algo deslocado. Em alguns casos, a trilha com sintetizadores de graves reforçados em loop é inserida em cenas simples, como uma espiada pela janela ou numa simples reunião do grupinho.

Assim, com quase uma hora e cinquenta minutos de duração, o filme dá muitas voltas para chegar à conclusão. Não que seja um problema, pois temos atuações excelentes, boas piadas, ótimos figurinos, excelente ambientação e a trilha sonora competente. Tudo se encaixa, só parece que poderia ser mais curto para chegar ao mesmo ponto.

Pra deixar a gente pensando

Apesar da enrolação evidente no roteiro, o filme “Verão de 84” entrega uma conclusão muito surpreendente, que não só encerra o período das investigações, como foge do clichê e deixa o público pensativo. Aliás, é interessante que eu falei em como o filme “dá voltas” e, talvez, isso seja até proposital.

Uma indagação proposta no início da trama deixa a gente com a pulga atrás da orelha: “você já pensou que até mesmo assassinos em série têm vizinhos”? Encerrar o filme com questões similares mostra que esse é o tipo de coisa que nunca é respondida, pois temos muitos vizinhos e não conhecemos as pessoas de verdade.

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Todavia, o melhor de “Verão de 84” é justamente a fuga do clichê. Mesmo o filme apostando em vários argumentos e técnicas comuns no desenrolar do script, ele faz uma reviravolta muito potente na reta final. Primeiro, com uma redenção importante, depois com um desfecho impagável.

É raro ver títulos que apostam em finais tão ousados, pois a gente realmente espera os finais clássicos: o bem vence o mal ou vice-versa. Todavia, há mais opções fora do lugar comum. Uma ótima pedida de nostalgia, com acompanhamento de boa música e piadinhas. Quem já assistiu sabe que a conclusão é impagável. Agora, se você ainda não viu, vale gastar os R$ 4,90* pra alugar na Apple TV, pois é um bom entretenimento!

*Valor pode variar conforme período promocional na loja da Apple TV. 

Crítica do filme O Poço | Angustiante, visceral e incômodamente atual

O novo filme da Netflix tem dado o que falar, principalmente pela sua temática e seu final em aberto. “O Poço” é um filme de terror que assusta por ser uma fábula aplicável a vida real. O confinamento obrigatório por conta da pandemia que está nos assolando a algum tempo nos força a buscar distrações, mas quando elas falham passamos a olhar para nós mesmos e como a estrutura social vigente é falha.

“O Poço” foi pensado originalmente para o teatro, mas ao passar para a película ganhou um peso ainda mais sombrio e visceral que dificilmente seria possível em uma peça teatral.

A Netflix acertou no momento de disponibilizar esse título, já que o distanciamento social e a falha estrutura socioeconômica  pode nos mostrar o pior do ser humano, é assustador o quanto o longa é análogo a nossa realidade.

“Existem três tipos de pessoas. As de cima, as de baixo e as que caem”

O longa se passa inteiramente em um “Centro Vertical de Autogestão”, uma torre que serve de prisão, conhecida como O Poço. Somos apresentados a Goreng (Ivan Massagué) que ao contrário do que se espera decidiu por conta própria ir para lá, pois queria ler “Dom Quixote” e ainda ganharia um certificado no final de sua estadia de 6 meses.

Lá, ele conhece Trimagasi (Zorion Eguileor), um idoso que será seu companheiro de cela naquele mês. Há meses nessa prisão, ele didaticamente explica como funciona a estrutura do local. Não há luz solar e o alimento é enviado para cada andar através de uma plataforma que se move entre os andares todos os dias.

Goreng e Trimagasi estão no nível 48, então precisam esperar os 47 níveis acima se alimentarem até que os restos cheguem ao seu andar. Não demora para ficar claro que os meses ali serão como um pesadelo e que simbolizam a própria condição humana: o medo, a solidão e o desespero que mostra o pior lado de cada um.

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O luxuoso banquete é preparado no nível zero com as comidas favoritas de cada um dos prisioneiros, mas a plataforma permanece por apenas dois minutos em cada nível. Não é permitido estocar a comida, sob a pena de sofrer com calor ou frio extremos até a morte.

Mais tarde, é explicado que o banquete é pensado de forma a alimentar todos os níveis, mas fica claro que a estrutura é falha pois os níveis superiores costumam comer muito mais do que deveriam, sem se importar com quem está abaixo. A cada 30 dias, os presos são remanejados para outros andares, podendo subir ou descer de forma aleatória, o que reforça ainda mais a estrutura falha da prisão, forçando que todos passem por situações extremas até atingir os limites da fome e da sanidade humana.

Em sua estreia como diretor, o espanhol Galder Gaztelu-Urrutia acerta na narrativa com muitos elementos de gore e suspense, explicando muito alguns aspectos da trama para permitir deixar em aberto outras. Fica clara a influência de Platão e de obras neo-platônicas como Dom Quixote, que permeiam o filme para elucidar alguns pensamentos a respeito do Poço, cada detalhe é pensado para levar a uma interpretação maior da obra, principalmente a semelhança entre o protagonista e o “cavaleiro das causas perdidas”.

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“O Poço” escancara e critica a ideia de que as estruturas sociais por si só não são capazes de educar os seres humanos para a verdadeira incorporação da justiça. O modelo socialista e a luta pela justiça social é criticado constantemente ao longo do filme, que levanta um debate importante para a educação da personalidade dos indivíduos através da conquista das virtudes.

Apenas o medo pode educar, ou a própria educação?

Goreng percebe que ninguém é beneficiado na prisão, tentar fazer os níveis acima mudarem ou até mesmo serem ouvidos é uma tarefa impossível. Cada um é incentivado a comer o máximo que puder enquanto puder, sem pensar muito nas consequências.

Em certo nível o protagonista compartilha a cela com Imoguiri (Antonia San Juan), que acredita que “somente uma solidariedade espontânea pode trazer mudanças”. Ao alimentar-se apenas com o que é necessário, haveria comida para todos. Mas como fazer essa mensagem ser notada quando quem tem abundância quer mais, enquanto os níveis inferiores são obrigados a morrer de fome, enlouquecer ou tornar-se canibais?

Tanto a educação quanto o uso da violência não são suficientes para convencer todos os prisioneiros a agirem de forma justa, por isso o livro de Dom Quixote se faz tão importante para compreender o filme. Dom Quixote não simboliza apenas o conhecimento teórico, ele é o personagem literário que encarnou nos seus comportamentos os próprios valores.

Mas e o final?

“O Poço” é um filme de terror com muito mais do que alguns sustos e cenas gore. É bastante agonizante e o tempo parece parar em alguns pontos, como se você estivesse preso ali também, aguardando a narrativa chegar ao fim ou aproveitando os momentos mais tranquilos antes que tudo piore de vez. É exatamente sobre o final que eu gostaria de falar. Muitos vão assistir e se decepcionar, mas o final em aberto é o que torna o filme ainda mais relevante.

Ao tentar levar os alimentos até os andares inferiores, Goreng e Baharat (Emilio Buale) finalmente encontram a filha perdida de Miharu (Alexandra Masangkay), escondida no último andar da prisão. Ao invés de enviar a panacota intacta à Administração, como uma mensagem de solidariedade espontânea, Goreng entrega à criança faminta.

Ao compreender que a jovem poderia ser uma mensagem mais eficaz, ele se sacrifica para salvá-la. A prisão representa o que há de mais egoísta dentro do seu humano e ao salvar a filha de Miharu, ele entende que uma vida que está em risco pode ser salva se fizermos uma ação de solidariedade.

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“Nenhuma mudança é espontânea”, diz o protagonista, ou seja, é necessário passar por todos os níveis para criar compaixão para com os mais necessitados. Salvando a criança, Goreng cria uma ponta de esperança para que essa mudança ocorra. Essa é uma visão positiva e ideal, de que há recursos para todos mas os “de cima” precisam abrir mão dos excessos.

Ao chegar no fundo do Poço, ele reencontra Trimagasi, que mesmo depois de morto continua assombrando o protagonista, óbvio. Eles saem caminhando como bons amigos em direção a escuridão enquanto o velho diz que a missão foi cumprida. Diversas interpretações são possíveis.

O personagem pode ter morrido no processo e a última cena mostra o encontro com o amigo no outro mundo ou talvez mesmo salvando a menina O Poço corrompeu tanto Goreng que sair de lá já não era possível. Ou tudo não passou de um delírio após toda a fome e dificuldades enfrentadas enquanto descia, incluindo ferimentos. Talvez Goreng só precisasse esperar no último nível até o fim do mês e o confinamento finalmente acabasse. 

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Pessoalmente, não gosto dessas interpretações. Eu acredito que a chave para interpretar o final está na panacota. A menina que Goreng e Baharat encontram não passa de um delírio, já que não são admitidas crianças na prisão e ela estava saudável e limpa, mesmo estando no último nível da prisão. Ela representaria a esperança, e o fato dela comer a panacota seria a mensagem chegando ao destino. Porém, o que voltou ao nível 0 foi justamente a sobremesa.

Há uma cena anterior que mostra a indignação do chef ao notar a panacota intacta mas com um cabelo em cima. Então a mensagem que chegou foi a de que os prisioneiros não comeram a sobremesa por conta desse descuido. Todo o sacrifício foi em vão, quem está acima não vai entender seus esforços e tudo continua da mesma forma.

De qualquer forma, assim como “O Poço”, o filme possui diversas camadas de interpretação, cabe a cada um decidir até que nível é suportável chegar. É um filme recomendassímo, considerando o quanto é difícil encontrar um título interessante nas plataformas de streaming, vale a pena para quem tem estômago.

Crítica do filme Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica | Pouca magia em uma roadtrip

Difícil encontrar uma animação da Pixar que não emocione adultos e crianças, o estúdio já está tão consagrado que qualquer produção será muito bem recebida pelo público. O título da vez ganhou um título bem descritivo no Brasil, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” (no original, Onward, algo como “adiante” ou “em frente”.)

Ao abordar temas complexos de uma forma simples e sincera, aliadas as animações incríveis e um estilo único, o estúdio acaba superando seus próprios limites a cada produção. Em “Dois Irmãos”, tudo isso se aplica novamente. O diretor Dan Scanlon, que já havia dirigido outro título da Pixar, “Universidade Monstro”, explora temas como luto, a ausência de uma figura paterna e as jornadas que levam as crianças a serem adultos.

Isso posto, talvez “Dois Irmãos” seja um filme simples demais para uma animação da Pixar, sem grandes surpresas na história, apesar de uma construção de mundo interessante, mas por incrível que parece o que falta é encanto e magia. 

O lúdico pelo mundano

Tudo começa com a apresentação de um mundo encantado com elfos, fadas, centauros, dragões e magos poderosos. Existem feitiços para os mais variados propósitos, muito semelhante ao universo de Harry Potter, e assim como no mundo bruxo a magia é complexa e difícil de ser dominada.

Por essa razão, com o progresso da civilização e os avanços tecnológicos sendo desenvolvidos, as criaturas deixam de lado a magia e passam a contar apenas com as comodidades da modernidade. Afinal de contas, é mais fácil apertar um botão e ter luz instantaneamente do que precisar contar com um feitiço complexo para atingir o mesmo propósito.

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É nesse contexto que vive Ian Lightfoot (Tom Holland), um jovem elfo tímido prestes a completar 16 anos, que sente a ausência do pai que nunca conheceu. Barley (Chris Pratt), seu irmão mais velho, compartilha o mesmo sentimento, mas se recusa a desanimar e deixar seu irmão sentir-se triste ou sozinho. Ele é fascinado pela magia do passado e os monumentos históricos, e é a partir de um presente deixado pelo pai que Ian e Barley embarcam numa viagem mágica.

Para complementar a jornada há ainda uma intimidante Mantícora (Octavia Spencer), que havia esquecido sua bravura para adaptar-se aos tempos modernos e a mãe dos jovens elfos  (Julia Louis-Dreyfus), que apesar de ser uma mãe solo bem comum, sabe que é muito forte, no sentido mais amplo da palavra.

Já jogou RPG?

O filme conta com um conhecimento prévio do público a cerca de criaturas místicas e fantasia medieval, sem perder tempo em apresentar as raças ou aprofundar-se em detalhes, mas nada que atrapalhe o entendimento da trama. Preocupa-se sim, e muito, em apresentar características que serão exploradas durante o desenrolar da narrativa, como por exemplo Ian com medo de dirigir em rodovias movimentadas.

As piadas são todas pautadas no conflito entre o mundano e o fantástico, como unicórnios agindo como guaxinins revirando o lixo e fadas em gangues de moto bastante agressivas. Fica claro que os roteiristas Jason Headley e Keith Bunin juntamente com Dan Scanlon se divertiram reimaginando os mitos para um mundo tecnológico.

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Houve ainda um cuidado em inserir despretensiosamente uma personagem LGBTQ+ em uma cena, tudo de forma bastante natural exatamente como deveria ser. Porém, o peso dos temas mais sérios acaba se sobressaindo ao humor, deixando a impressão que é tudo muito simples. Há um momento em que um dos personagens enfatiza que o melhor caminho nem sempre é o mais óbvio, o que é irônico considerando que o filme segue por uma linha extremamente segura, sem desvios ou surpresas. Faltou aquelas cenas que marcam a memória e encantam que os outros filmes Pixar sempre fizeram questão de carimbar.

Enfim, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” promete entreter todas as idades, mas que talvez apenas confunda os mais novinhos que provavelmente vão preferir animações mais focadas na comédia. De qualquer forma, é inegável que a qualidade Pixar está registrada no longa, mas fica a esperança de que o estúdio encontre novamente o caminho da magia nas futuras produções.

Crítica do filme Bloodshot | Ação nanorobótica

Parece quase indispensável encontrar distrações nessa época tão sombria que estamos vivendo, seja por conta do distanciamento social ou seres completamente ineptos no poder. Com a impossibilidade do povo ir ao cinemas, as distribuidoras encontram estratégias alternativas para não perder totalmente o lucro das produções.

Por essa razão a Sony Pictures (entre diversas outras empresas) resolveu adiantar o lançamento digital de alguns filmes, e no caso de "Bloodshot", disponibilizou no canal oficial os 8 primeiros minutos do longa, para instigar todo mundo a assistir.

Parece quase indispensável encontrar distrações nessa época tão sombria que estamos vivendo, seja por conta do distanciamento social ou seres completamente ineptos no poder. Com a impossibilidade do povo ir ao cinemas, as distribuidoras encontram estratégias alternativas para não perder totalmente o lucro das produções.

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Para quem gosta de filmes de ação e do astro Vin Diesel, “Bloodshot” promete agradar. Porém, ninguém mais aguenta histórias de origem de super heróis, ainda mais um tão obscuro quanto esse. Por isso o diretor David S. F. Wilson teve a complicada tarefa de entregar um filme com potencial para iniciar uma franquia longe das enormes Marvel e DC Comics.

“Bloodshot” quase consegue renovar o gênero com muita ação e uma pitada de diversão, mas falha por conta do ator principal ser excelente com lutas e carros e péssimo quando a atuação exige mais do que três palavras.

Uma nova franquia de heróis?

Raymond Garrison, codinome Bloodshot, é um personagem criado em 1992 por Kevin VanHook, Bob Layton e Don Perlin. Foi publicado pelo selo Valiant Comics, que contava com diversos heróis alternativos, mas foi apenas em 2012, depois de contratar diversos membros da Marvel Comics, que a editora Valiant relançou seu universo de super heróis, dando um reboot total da história e atualizando todos os personagens. O resultado foi excelente, revitalizando os personagens para um público novo sem desagradar o público antigo e hoje em dia a Valiant possui o terceiro maior universo compartilhado dos quadrinhos.

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A adaptação para as telonas precisou “achatar” bastante a história para caber no formato proposto, mas o essencial está todo ali. Ray Garrison é um militar dedicado e excelente em seu trabalho, mas sua vida sofre uma reviravolta quando ele e sua esposa são sequestrados e mortos. Ray consegue ser ressuscitado pelo Dr. Emil Harting (Guy Pearce), que conseguiu essa façanha substituindo todo o sangue por nanitas, que são nanorobôs que agem em uma células sanguínea, só que nesse caso de uma forma muito criativa e exagerada.

Muito semelhante ao Wolverine, Ray não consegue se lembrar de nada do seu passado e  adquire a capacidade de se regenerar por completo, não importando o quando ele fique ferido, além de ter suas capacidades físicas ampliadas. Ele também ganha acesso a redes de computador, incluindo a internet, sem precisar de nenhum dispositivo além de seu cérebro,
o tipo de herói que todo adolescente quer ser.

Há ainda um grupo de super soldados: KT (Eiza González), Jimmy Dalton (Sam Heughan) e Tibbs (Alex Hernandez), cada um com uma história trágica e um membro robótico, que estão ali apenas para desempenhar um papel genérico e não se desenvolvem na trama. Tudo muito legal, até Ray lembrar-se que foi assassinado e viu sua esposa ser morta friamente. Ele decide vingar-se a qualquer custo, mas nem tudo é o que aparenta.

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Potencialmente tudo isso seria perfeito para um filme de ação desenfreada e muita computação gráfica, que são entregues até certo ponto. Pessoalmente, eu parei de considerar Bloodshot como um filme e comecei a ver como se fosse um videogame, pois a proposta seria perfeita para um jogo, se não fossem todos os aspectos genéricos da trama que qualquer pessoa que já assistiu filmes de ação ou de super-heróis reconhece sem esforço. Isso não é necessariamente ruim, o longa é até divertido, mas o que decepciona é o potencial desperdiçado.

Sem entrar em detalhes para não estragar a trama, o filme é repleto de clichês e uma mistura de diversas outras obras, o que não seria um problema se fosse bem utilizado. São poucas cenas de ação que se destacam, não existe desenvolvimento do personagem e a inexpressividade do astro Vin Diesel não ajuda a criar empatia com o personagem. Existe ainda uma tentativa de subtexto sobre liberdade e sobre cada um ter a escolha de quem quer ser, mas é preciso um esforço enorme para enxergar algo além dos nanitas espalhando-se e voltando em câmera lenta, que é o charme do filme (fica aqui meu parabéns à nanotecnologia). 

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A história coescrita por Jeff Wadlow e Eric Heisserer busca uma fórmula desnecessária. É quase como se eles soubessem que a franquia não tem futuro e só entregassem o básico, com medo de errar. Quando o longa encosta timidamente na comédia, subitamente volta a ser “séria”, por medo de ser mal interpretada. Nesse sentido, o grande destaque fica por conta de uma adição surpreendente de Wilfred Wigans (Lamorne Morris), que com pouquíssimo tempo  de tela, é um personagem lunático e genial, com falas malucas que fazem rir sem esforço.

Enfim, “Bloodshot” é um filme mediano quando poderia ser excelente. O final é totalmente anti climático e é até ironizado por um dos personagens, com pouca expectativa para o futuro. Se o universo Valiant continuar nos cinemas, será preciso um esforço bem maior (e talvez um ator no papel principal que seja mais expressivo) para decolar.