Alien: O Nono Passageiro

Mas não seriam oito?

por
Levi Merenciano

28 de Novembro de 2020
Fonte da imagem: Divulgação/20th Century Studios
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Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 11 min

Meu nome é Levi, sou linguista, semioticista e aficionado em cinema e games. E, agora, também colunista aqui no Café com Filme. Alien (1979) sob direção de Ridley Scott e design do gênio Hans Rudolph Giger (para os íntimos H.R Giger), sem dúvida, é o melhor filme do gênero terror Sci-Fi. Porém fica uma dúvida: o subtítulo em português menciona “o oitavo passageiro”, mas não seriam nove? Ao assistir a essa produção com atenção, isso poderá ser confirmado.

O consagrado "Alien, O Oitavo Passageiro" dispensa apresentações. Ele influenciou o plot de todo tipo de produção que viria em seguida (uma tripulação no meio do nada, sem assistência rápida, com recursos limitados, frente a um ser que não tem remorso em perseguir até o último tripulante; ao final sobra um herói, que tenta escapar da nave, acionando o sistema de autodestruição).

O aspecto narrativo do último sobrevivente é muito relevante em Alien, no entanto, ao observarmos com atenção, a Tenente Ripley (Sigourney Weaver) não está sozinha em sua fuga. Sem dúvida, há um personagem quase esquecido no primeiro Alien que pareceu não incomodar tanto a crítica ou as análises: o gatinho Jones ou, como é chamado carinhosamente, Jonesy. Assim que escrevi este texto, percebi haver muitas publicações sobre Jonesy. À uma hora e cinquenta e seis minutos, nos créditos, na versão do diretor do filme Alien, há referência ao Jones (´Jones’ trained by Animals Unlimited).

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No IMDb, há algumas notícias a respeito do gato nos bastidores, mas a marca de sua importância no elenco é sempre lembrada pelos escritos e fãs do filme. Dentre as publicações encontradas sobre o gatinho Jonesy, está o momento em que ele encara a primeira aparição do Alien. Nos bastidores, o fizeram assustar por meio de uma tela que foi suspendida repentinamente revelando um cão pastor alemão atrás, o que fez Jonesy ficar feroz, enfim, o fez sibilar (em inglês: hissing).

Ao ver este filme pela enésima vez, o nível de direção de Ridley Scott é de cair o queixo, pois até mesmo um gatinho assustado parece atuar por meio da lente da câmera. Para garantir se o animal foi protegido, fui averiguar. Nas cenas em que Ripley corre por entre os apertados corredores com o gatinho chacoalhando na gaiola, percebemos que ele não está lá, sobretudo nesta cena do fechamento dos compartimentos, na qual ela já tinha pego o caixinha de transporte na tomada anterior.

Afinal, por que Alien, o nono passageiro?

A resposta é simples. Além dos sete tripulantes (cinco homens, duas mulheres) e o oitavo passageiro alienígena, o gatinho deve ser contado como passageiro. Aliás, qual o critério para desconsiderar Jonesy no subtítulo brasileiro? Seria porque é um pet ou porque é algo diferente de um ser humano? Mas o alien também não se enquadra nessas características? Vocês também poderiam pensar: é porque o gato não faz nada, somente aparece em algumas cenas ao fundo. Sim e não. Jonesy é o signo (um elemento narrativo de representação) que remete à “familiaridade” ou a algo próximo do planeta de origem, a Terra.

Ao mesmo tempo em que é mostrado ao fundo, como habitante da nave (e mesmo que ainda não desempenhe função narrativa no início), ele terá, de fato, participação nos momentos em que a nave Nostromo, após testemunhar o nascimento do Alien, terá sua primeira vítima. O gato, a partir daquele momento, passa a ser não somente o signo que remete ao lar Terra, mas também ao instinto e coragem frente ao Alien.

Pelo seu porte pequeno, Jonesy se esconde a aparece em momentos-chave, ora atrapalhando o sensor de movimento (aquele sensor nos causa arrepios!), ora encarando o alien de dentro de sua caixinha de transporte fofa, ora sendo salvo pela Ripley e lhe fazendo companhia após a cena da ejeção do alien.

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Depois de todas essas participações, não menosprezemos a importância e, sobretudo, o contrabalanceamento que o signo “Jonesy” carrega na sua construção de sentidos: rememora o lar Terra, é algo familiar, tem instinto suficiente para se proteger do monstro, confunde-se com o alien no sensor, sabe ser pet ao estar à mesa com os tripulantes (mesmo não percebendo em função do clima de horror da atmosfera do filme, a importância do gato é percebido quando revemos os filmes nos detalhes).

Além dessas funções narrativas, o horror de atmosfera de Ridley Scott nos faz submergir no terror e ao mesmo tempo podermos respirar em momentos mais leves, sim, são somente dois alívios: o primeiro momento do lanchinho da tripulação (no segundo lanchinho já temos “chest burst” de Kane) e quando a Ripley oferece colo ao Jones, antes de entrar na câmara de hibernação.

Em uma direção técnica (sem dúvida, uma aula de cinema), há também muito pouco espaço para diálogos, pois o uso dos enquadramentos rege o filme (não há tantos planos sequência longos, apenas planos mais pacientes com algum movimento e somente uma ocasião de câmera na mão). Todo o filme, em resumo, é feito por enquadramentos de campo e contracampo, plongé, zoom in, zoom out, superclose, planos detalhe e grandes planos gerais.

Uma obra de outro mundo

Há um cuidado quase cirúrgico em tratar com parcimônia cada elemento da narrativa, não dando muita atenção à biografia de cada personagem, seus dilemas, sua origem, pois tudo é muito subentendido. Como as ordens provêm do Tenente Dallas, percebe-se que Ripley é o soldado que provavelmente assumirá o comando. Os dois reclamões Brett e Parker, são os rapazes do trabalho pesado, que ficam na parte de baixo e corrigem os danos elétricos e de solda. Há os dois pilotos da nave, Dallas e Lambert e um médico, Ash, o qual, no seu rosto frio, será revelada sua origem androide.

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Há também um décimo personagem (sim, o filme tem somente dez personagens), que é a mãe, espécie de computador central que é o coração da nave, cuja importância narrativa será revelada ao final, nas decisões críticas da tripulação. O décimo primeiro personagem está implícito por meio da corporação Weyland, mencionada indiretamente pelo contrato assinado por todos e pela logomarca nos uniformes. O papel da corporação é relevante, pois representa o poder contratual do sujeito que manda pessoas para o espaço para concluir o seu desígnio, ou seja, além de trazer 20.000.000 de toneladas de minério para a Terra, secretamente Weyland mantém o interesse, acima das vidas humanas, de encontrar vida inteligente no espaço sideral.

Todos esses elementos narrativos, a semiótica os considera signos, pois são elementos de representação, que produzem sentidos no âmbito de uma narrativa futurista, dentro da suficiência do que o diretor quer mostrar. Ou seja, para dar espaço ao horror de atmosfera, que nos assusta até hoje (41 anos após seu lançamento), foi necessário deixar vários implícitos, a fim de que o público ficasse atento a todos os elementos: o horror de atmosfera como carro-chefe, momentos raríssimos de alívio social, dramas contidas nos olhares dos personagens ou na sua inação frente ao facehugger no rosto do Kane (que pouco falam ou que pouco sabem o que fazer ao ser infectados ou atacados), além de estarem cativos na própria nave-mãe Nostromo quanto no planetoide, no qual se deparam com o drama inicial alienígena.

Que obra, que direção e que design de Hans Rudolph Giger! Artista plástico e figurinista suíço, Giger se baseia no surrealismo de suas obras estranhíssimas para nos premiar com a ambiguidade que a fera alien nos é apresentada.

O monstro não é somente uma mistura de signos orgânicos e artificiais/mecânicos (é ora metal, ora ácido, ora babas, ora dentes, patas e cauda penetrante), mas também uma armadura biomecânica mortal (que se camufla nas ferragens) e ao mesmo tempo sexual, a qual despertou admiração do androide da tripulação pela sua capacidade de sobreviver em qualquer tipo de atmosfera.

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Em suma, de alien se espera sempre alguma extremidade horrorosa a perfurar crânios e tórax, de forma que os planos-detalhe fazem lento o momento das penetrações mortais de suas caldas e dedos gigantes. Essa é a ambiguidade genial que faz a fera de Giger ter a função semiótica narrativa perfeita para os desígnios do filme de Scott. Nunca uma atmosfera de horror poderia combinar tanto com um ser biomecânico completamente adaptado a qualquer atmosfera, felizmente, ele não suporta somente um elemento, o fogo.

O elemento simbólico da desolação é composto, vai sendo descrito tranquilamente, sem pressa. O que parece lentidão narrativa, à primeira vista, é usado como recurso o filme todo. A composição da solidão no espaço na técnica dos enquadramentos é clara e proposital. Logo nas primeiras cenas, há uma parcimônia em revelar signos que funcionam como parte de um todo. São denominados signos indiciais (signos metonímicos, que nos guiam da parte para o todo).

Os planos gerais da nave Nostromo vão aos poucos compondo o ambiente da história sem precisar dizer uma palavra. De grandes planos gerais do espaço sideral, revela-se uma decomposição de signos, por meio de planos das cabines da espaçonave, mudando para corredores, sala de máquinas e os capacetes solitários, representando as vidas que serão narradas na nave. Os capacetes constroem a metonímia das partes das pessoas que serão apresentadas.

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Os ambientes internos e estofados claros das câmaras de junção e de hibernação contrastam com o escuro dos corredores de canos e fios apertados. Enfim, todos os contrastes e oposições são significativos, partindo do Alien completamente “unfamiliar” e biomecânico ao gatinho Jonesy, fofinho, esperto e pet.

Enfim, "Alien, O Oitavo Passageiro" é uma daquelas pérolas que fazem ter orgulho do cinema setentista e oitentista de horror que flerta até mesmo pela parcimônia técnica com elementos do cinema clássico. Além disso, conta com um orçamento na casa dos 11 milhões de dólares.

A sua aprovação no IMDB passa dos 80% e no Rotten Tomatoes chega na casa dos 94 a 98%, simplesmente insana. Portanto, Ridley Scott, em sintonia com o designer do alien, H. R. Giger, nos dão uma lição de cinema inesquecível, a partir do qual, com marisco, ostra e fígado (sim, isso mesmo, reparem na foto acima do facehugger) fazem os efeitos práticos do alienígena algo realista, em um cena em que ainda não era possível inserir elementos digitais.

Confira também este conteúdo em vídeo:

Referências

  • ALIEN: o oitavo passageiro. Dir. Ridley Scott. Director’s cut. Estados Unidos: Twentieth Century Fox Studios, 1979.
  • CINESSEMIÓTICA. Canal do Youtube. Adaptado do conteúdo de Cinessemiótica, prod. Levi Henrique Merenciano. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=edCINtUdDsI . Acesso em: 27 nov. 2020.

Fonte das imagens: Divulgação/20th Century Studios

Alien, o Oitavo Passageiro

No espaço, ninguém pode ouvir você gritar

Diretor: Ridley Scott
Duração: 117 min
Estreia: 13 / Aug / 1979
Levi Merenciano

Se eu fosse 10% do Ryan Gosling, tava bom! Levi Henrique Merenciano é linguista e semioticista, aficionado por cinema e games. É dono do canal Cinessemiótica, página especializada em indicação de filmes cults, documentários e lançamentos.