Crítica do filme 12 Anos de Escravidão
2 horas de chibatadas para refletir
O Oscar 2014 está acirradíssimo e, de certa forma, bem diversificado. Há muitas boas histórias, diretores altamente qualificados e atores talentosos, mas, se eu fosse um dos votantes da premiação, eu não hesitaria em dar a estatueta para “12 Anos de Escravidão”.
Além de tratar de uma questão histórica como poucos tiveram coragem, o longa dirigido por Steve McQueen (o mesmo responsável por Shame) coloca o espectador em uma posição muito difícil. Até quem tem coração de pedra acaba se sensibilizando com a história de Solomon Northup.
O roteiro do filme é baseado no livro homônimo escrito pelo próprio Northup. Livre da escravatura e já tendo uma família constituída, o protagonista desta triste história jamais imaginou que acabaria voltando aos dias de sofrimento. Ocorre que, ao embarcar em uma oportunidade de ouro, ele acabou caindo na armadilha do homem branco.
Desesperado, Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor) acorda acorrentado em um cárcere. Ele não faz ideia do que aconteceu, mas logo percebe que não adianta revidar. Acompanhado por outros negros indefesos e reféns do medo, o protagonista desta triste história percebe que somente a obediência poderá ajudá-lo a passar pelas adversidades.
Durante a história, Northup passa pelas mãos de vários capatazes. Alguns são terríveis e até tentam amenizar o sofrimento, outros são impossíveis e tratam os escravos como simples objetos pelos quais eles pagaram. O filme passa perfeitamente essa noção errada e doentia que existia naquela época e que, infelizmente, ainda é parte de algumas pessoas.
Há algumas cenas muito doídas. Executadas com maestria e verossimilhança, as imagens de tortura, punição e humilhação são difíceis de visualizar. O espectador não tem nada a ver com tamanha brutalidade, mas assistir a essas terríveis tomadas é importante para refletir sobre a maldade do ser humano – que hoje ainda é uma dura realidade.
Não há nem como tentar imaginar o quanto Solomon sofreu, mas as imagens dão uma mínima noção. Se pensarmos, duas horas assistindo a tais brutalidades nem se comparam aos 12 anos (que são mais de 105 mil horas) que ele sentiu na pele toda a raiva de um povo que se achava superior e que ainda acreditava que estava fazendo a vontade de Deus.
A única coisa que salva a rotina do protagonista é a possibilidade de tocar violino. Aliás, algumas das músicas do filme são executadas pelo elenco. Alguns sons como “Roll Jordan Roll” servem para mostrar as poucas alegrias da época – e do filme. A trilha sonora original é maravilhosa (não preciso dizer que é Hans Zimmer fazendo o que sabe fazer melhor, né?), mas as semelhanças com o tema de “A Origem” mostram que faltou um pouco de originalidade.
Chiwetel Ejiofor se doa completamente ao projeto e consegue ser muito convincente. Ele abraça o papel e passa toda a dramaticidade, a angústia, o desespero e a injustiça que os escravos sofreram durante longos e árduos anos.
Todavia, não é apenas Ejiofor que encarna o papel e dá o seu melhor. Lupita Nyong'o também merece muitos elogios por sua excelente performance como a escrava Patsie. Ela tem um papel secundário, mas ela faz uma das partes mais dramáticas do filme. Trabalhadora como nenhum outro, Patsie sofre abusos sexuais e ainda é punida terrivelmente.
Outros coadjuvantes como Benedict Cumberbatch (protagonista da série Sherlock) e Brad Pitt cumprem seus deveres e contracenam muito bem, apesar de que eles aparecem rapidamente. Agora, se há alguém que merece aplausos, esse alguém é Michael Fassbender, que interpreta Edwin Epps, um terrível amo que realmente judia dos escravos. Ele é brutal, sério, imponente e convincente. Certamente, uma magnífica atuação.
É impossível deixar a sala de cinema sem refletir um bocado sobre tudo que é mostrado. Pense que o caso do filme é apenas um de milhões. O filme mostra a realidade do passado, mas não há como não ligar os fatos e imaginar o tanto que essas atrocidades do passado não impactaram diretamente no futuro (e presente) dos afrodescendentes.
De fato, “12 Anos de Escravidão” é uma verdadeira lição. Uma lição para que a humanidade aprenda a respeitar e amar o próximo e impedir que tais ideias ridículas sejam perpetuadas novamente. Sinceramente, todo mundo deve ver este filme, ainda mais quem é racista e quer se achar o prejudicado da história, para levar um tapa e acordar para a realidade.