Crítica do filme A Cabana
Mistérios divinos sem rodeios
Se você é um ser humano, há chances enormes de, inúmeras vezes ao longo de sua vida, você ter se perguntado sobre o sentido da vida, as razões pelas quais determinadas coisas acontecem no mundo e outras questões existenciais sem respostas.
As religiões têm algumas respostas para muitas dessas perguntas. Aí depende apenas da sua fé para aceitar ou rejeitar as argumentações. E basta uma situação escabrosa para percebermos que, apesar de acharmos que somos os donos do mundo e da verdade, nem tudo é tão simples.
A verdade é que a vida é cercada de mistérios. Ao longo dessa jornada, levamos inúmeros tombos. Às vezes, aprendemos a nos levantar e aprendemos com os erros. Noutros casos, insistimos no erro e levamos uma eternidade para encontrar uma solução ou ao menos uma forma de contornar uma situação problemática.
Ok, tudo isso que eu escrevi é lindo, mas fica a questão: o que isso tem a ver com a história de “A Cabana”? Bom, basicamente tem tudo a ver. No filme, acompanhamos uma fase de dificuldades na vida de Mack Philips (Sam Worthington). Depois que sua filha é assassinada durante uma viagem em família, ele entra em depressão e começa a questionar suas crenças.
Aí que no meio dessa etapa conturbada, Mack recebe uma carta misteriosa, uma espécie de convite para ele voltar à cabana onde ele teve as últimas pistas de sua filha. Receoso, mas também curioso, o rapaz segue rumo à mata com a esperança de encontrar respotas. Ao chegar lá, ele encontra três pessoas enigmáticas. O restante você já pode imaginar…
Um detalhe bastante pertinente sobre o filme é a forma como ele constrói essa história sobre fé. Não há uma pegada exagerada sobre religiosidade. Muito pelo contrário, é uma obra que fala sobre amor, perdão, alegria e muitos antagonismos. Talvez, o único problema mesmo seja o desenrolar da trama, que se dá com tamanha paciência, que chega a ser um tanto cansativo.
Apesar de funcionar bem na telona, enredos baseados em fé tendem a ter mais credibilidade se o público compartilhar daquela crença. É muito melhor se os espectadores comprarem as ideias, uma vez que, supostamente, tudo que é apresentado não se trata de uma obra de ficção, mas de algo que, segundo os envolvidos, aconteceu de verdade.
É justamente por conta disso que o próprio narrador d’A Cabana começa o filme com argumentos sobre o teor fantástico da história. A narrativa em off é o fio condutor da história, que segue de forma não-linear em muitos momentos, mas que ainda funciona bem, graças aos fatos devidamente amarrados. Então o narrador consegue convencer de que tudo ali é verdade? Em partes, já que acreditar depende mais do espectador do que dos argumentos do roteiro.
A verdade é que, a cada passo em direção à Cabana, o filme fica mais inacreditável. Todavia, o próprio personagem se faz descrente frente a tudo que acontece, o que garante a sintonia com o público que não é convencido facilmente. Também, depois de tamanha desgraça, Mack não consegue entender o mundo, tampouco acreditar na existência de algo superior.
Com perguntas bastante comuns, o personagem tenta entender qual o propósito da vida, o porquê de algumas coisas acontecerem e quais são os planos para o futuro. Do outro lado, temos um roteiro devidamente preparado para dar argumentos bastante consistentes que ajudam a sustentar a fé e os conceitos básicos da religião cristã.
As trilhas do roteiro sempre levam para alegorias, que visam ilustrar alguns conceitos. O filme praticamente pega a plateia pela mão e dá uma aula sobre amor, paz, consciência, amizade e, claro, cristianismo. Felizmente, diferente de outros tantos filmes que pedem para que o público acredite em milagres, esta obra parte para essas lições mais simples e óbvias.
Não é preciso ser um gênio para sacar o filme antes mesmo de entrar na sala de cinema. A sinopse e o trailer são bem esclarecedores e dão pistas do rumo que o filme vai seguir. Então, não é nenhum spoiler você saber que “A Cabana”, citada no título, tem um sentido especial e talvez não tão literal nesta obra. Muitas vezes, uma cabana não é necessariamente uma cabana.
É com uma pegada misteriosa, que deixa o espectador em dúvida sobre o que está acontecendo, que o filme é conduzido. Ora com tons pastéis que pintam belíssimas aquarelas, ora com tons acinzentados em cenários com excesso de brilho, a composição visual de “A Cabana” remete realmente a cenários quase celestiais.
A trilha sonora bastante emotiva também corrobora para um sentimentalismo profundo. Ponto também para a equipe da sonoplastia que fez um ótimo trabalho na seleção das canções e não teve nenhum pudor em usar canções “mundanas”, que servem de alicerce para cenas emocionantes — e isso não estraga em nada o aspecto religioso da obra.
Agora, se tudo funciona bem, grande parte do mérito se deve à encenação de Sam Worthington. Com um semblante reprimido em muitos momentos, o ator encarna o ser humano tomado de razão, que dificilmente dá o braço a torcer e não quer ver o outro lado da moeda. No entanto, num contraponto muito impressionante, o ator também se revela muito expressivo em cenas tocantes.
Interessante notar que apesar do teor dramático em sua maior parte, o longa consegue arrancar leves sorrisos da plateia. Com personagens diversificados em suas essências, o roteiro nos leva a conhecer diferentes lados de Deus. Essa pegada alternativa é o ponto forte do filme, que não fica só no mistério, mas consegue desenvolver a fé de formas compreensíveis. É de se pensar "e se Deus fosse um de nós"? E se ele fosse a Octavia Spencer? Se fosse, seria bem legal, hein!?
Independentemente de você ser cristão ou não, os mistérios de “A Cabana” são esclarecedores quanto aos caminhos que devem ser trilhados em determinadas situações da vida. Muito do que é mostrado pode ser óbvio, mas pregações sobre amor, perdão, compreensão e paciência são sempre bem-vindas, ainda mais num mundo em que tantos se esforçam em direções contrárias.
Um bonito filme, com uma mensagem de extrema valia. Recomendado para uma reflexão!