Crítica do filme A Chegada

Sem ruídos de comunicação

por
Carlos Augusto Ferraro

13 de Dezembro de 2016
Fonte da imagem: Divulgação/Sony Pictures
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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"A Chegada" é a confirmação de Denis Villeneuve (Incêndios) como um dos grandes nomes dessa geração. O diretor franco-canadense usa seu toque particular para transformar o que poderia ser um mero filme de ficção em um drama intimista com aspirações filosóficas.

O diretor se esquiva, com muita elegância, da maioria dos clichês da “invasão alienígena hollywoodiana” e entrega uma produção que funciona em diferentes níveis e gêneros.

Ao mesmo tempo em que pode ser consumido como entretenimento rápido, o filme também levanta questões que farão você continuar a “ver o filme” mesmo depois de sair da sala de cinema.

Amy Adams está excelente no papel de Louise Banks, uma mulher melancólica que se vê inserida em uma "missão diplomática intergalática" quando doze naves alienígenas aparecem espalhadas pelo globo. O filme também conta com outros nomes de peso, na frente e atrás das câmeras.

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Jeremy Renner e Forest Whitaker dão força ao elenco principal, enquanto o cinematografista Bradford Young (Selma) entrega takes longos e fluidos, à la Terrence Malick, e o compositor Jóhann Jóhannsson (A Teoria de Tudo) apresenta uma trilha esparsa, mas impactante.

Tradução juramentada

Inspirado no conto “A História da sua Vida”, de Ted Chiang, "A Chegada" acompanha Louise Banks (Amy Adams), uma lingüista renomada que é recrutada pelo governo quando 12 óvnis surgem na Terra. Ao lado dos militares e de um cientista chamado Ian (Jeremy Renner), Louise corre contra o tempo para desenvolver uma linha de comunicação com os alienígenas e responder a uma simples pergunta: qual o propósito deles na Terra?

Aparentemente, os visitantes não pegaram a sua cópia do Guia do Mochileiro das Galáxias e, por isso, estão sem o seu Peixe Babel (a criaturinha tradutora universão). Sem uma saudação harmônica de cinco tons como em Contatos Imediatos do Terceiro Grau, os Heptapods (como são apelidadas os visitantes) possuem uma língua abstrata, com vocalizações reminiscentes a sons de cetáceos apaixonados e um vernáculo que parece uma mistura de ideograma oriental e teste projetivo de Rorschach (aquele dos borrões de tinta).

Como toda boa ficção científica, A Chegada tem algo muito pertinente a dizer sobre a sociedade contemporânea.

O processo é lento, e na sociedade imediatista contemporânea à espera serve apenas para gestar o medo e elevar as tensões, visto que as intenções dos Heptapods seguem um mistério. No meio disso está Louise, cuja imersão na língua dos alienígenas é pontuada por frequentes visões da sua vida e de momentos com sua filha. O processo de aprendizado muda completamente a percepção de Louise, permitindo uma compreensão muito mais profunda não apenas das criaturas, mas do universo e dela própria.

Obviamente, um dos temas centrais do filme é a comunicação, ou a falta dela. Quando observamos um momento de ascensão das extremas direitas nacionalistas pelo mundo afora, a necessidade de diálogo se torna imperativa, independente das diferenças culturais. 

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A Chegada é um filme prismático e pode ser assistido por meio de diferentes lentes, alterando o foco, e conseqüentemente, seu espectro final. Não ousaria me enveredar aqui por meandros psicanalíticos, mas é natural fazer a conexão com aforismos lacanianos, considerando o inconsciente estruturado como linguagem. Outros pontos interessantes seguem a análise semiótica de Saussure. Como disse, "A Chegada" é um filme diverso, que carrega inúmeras traduções possíveis. Isso sem entrar nos méritos das discuções de gênero, haja vista que a grande protagonista do filme é uma mulher.

A história da sua vida 

Jeremy Renner (Ian Donnelly) e Forest Whitaker (Cel. Weber) estão excelentes, mas é Amy Adams (Louise Banks) quem domina a película. Não apenas por ser a protagonista ou por contar com um roteiro que lhe dá espaço de sobra para exercitar sua arte, mas por entregar uma atuação visualmente mais memorável do que qualquer criatura ou nave renderizada pelos computadores.

Louise possui um lado sombrio, uma dor, que Adams transparece em todos os momentos que está em cena. A atriz faz com que o espectador permaneça ancorado na sua jornada, nos trazendo de volta para ela, mesmo quando a trama ganha uma escala global.

Não estou falando de uma atuação explosiva. Adams, inteligentemente, constrói uma Louise cuja sutileza exterior abriga, ou melhor, represa uma gama enorme de emoções. Essa exploração das sutilezas da personagem traz grandes recompensas narrativas no terceiro ato.

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Por falar em terceiro ato, Villeneuve parece ter entendido muito bem o paradigma narrativo. Em todas as suas obras o diretor guia o filme com muita fluidez, e consegue entregar um terceiro ato sólido e surpreendente.

Além disso, diferentemente do que acontece com as “viradas surpresas” de vários filmes, em nenhum momento o espectador se sente traído. Os fatos são mostrados pouco a pouco, sem nenhuma omissão negligente e as revelações finais surpreendentes emergem “naturalmente” dentro da narrativa.

"A Chegada" é sem sombra de dúvida um dos grandes destaques de 2016. Trata-se de um filme que agradará tanto aos fãs de ficção científica como aqueles que buscam um bom drama pessoal, mas os pontos altos ficam por conta da atuação de Amy Adams e do refinamento de Denis Villeneuve.

Fonte das imagens: Divulgação/Sony Pictures

A Chegada

Por que os ETs estão aqui?

Diretor: Denis Villeneuve
Duração: 116 min
Estreia: 24 / nov / 2016