Crítica A Lenda de Tarzan
A selva não é nenhum conto de fadas
“Eles estão cantando sobre a lenda de Tarzan”
Em 1999 foi o ano que tive a oportunidade de pisar pela primeira vez em uma sala de cinema, e o filme que inaugurou minha cinefilia nas telonas foi justamente Tarzan, o longa de animação produzido pela Disney. O desenho, como a maioria das obras feitas pela casa, é puro e emocionante, ainda mais contando com aquela tocante trilha sonora de Ed Motta cantando a versão em português de You'll Be in My Heart, de Phil Collins no original.
Mas, não estamos aqui para falar de nenhum conto de fadas para as crianças. Assim como nós crescemos, as histórias que conhecíamos quando pequenos também envelhecem, e muitas vezes assumem caráteres tenebrosos, nebulosos e soturnos.
Esses são alguns adjetivos que definem visualmente A Lenda de Tarzan, aventura que traz de volta o clássico personagem criado pelo norte-americano Edgar Rice Burroughs no começo do séc. XX. O longa-metragem da Warner Bros. é uma releitura do pequeno garoto órfão que é criado na selva, e que mais tarde tenta se adaptar à vida entre os humanos.
A película tem a direção do prata da casa, David Yates, o qual você deve conhecer pelos últimos capítulos da saga Harry Potter, e conta com um elenco de valor. Alexander Skarsgård faz o protagonista do título, Djimon Hounsou e Christoph Waltz são vilões, e a louca, deusa e feiticeira Margot Robbie faz Jane, a parceira de Tarzan. Ah, também temos a presença coadjuvante e meio deslocada de Samuel L. Jackson (o cara está em todas).
No filme, que se passa nos anos 30, Tarzan está “aposentado”. Há muito deixou sua vida na África para assumir o papel de Lorde Greystoke, herdeiro de uma rica família inglesa. John Clayton III – seu verdadeiro nome – vive uma vida cinza e sem poucas emoções longe da floresta. Nesse contexto, a fotografia sobria e negra influência diretamente as emoções da personagem, refletindo a negação do mesmo para com sua verdadeira natureza. A forma desajeitada ou presunçosa como Tarzan toma sua xícara de chá na frente dos aristocratas expõem seu desinteresse para retornar a sua verdadeira casa, ao mesmo tempo que força uma vida que não é sua.
Porém, com simples mas objetivas reviravoltas de roteiro, Sir John Clayton III decide retornar ao Congo, com sua esposa Jane, para investigar junto com George Washington Williams (papel de Samuel L. Jackson) supostos casos de escravismos com os nativos do país.
O retorno para a selva é visto como uma benção. O homem branco que cresceu entre os gorilas tem uma grande reputação na África. Amado e/ou temido pelas tribos locais e respeitado pelos animais, Tarzan é uma lenda viva. Os contos sobre como o homem consegue pular árvores e se embalar em cipós como macacos estão todos presentes. Graças ao poder da tecnologia de efeitos especiais, Alexander Skarsgård se transforma em um verdadeiro super-herói das matas. É notável a intenção do filme para a criação de um futura franquia, embalada pelo sucesso atual dos longas do gênero heróico.
Várias menções ao clássico personagem estão presentes, como o famoso grito de Tarzan, que ecoa a virilidade e poder, e até mesmo sua relação com as feras locais. Toda essa construção é muito bem regida, mas de forma indireta. Os feitos do herói nunca são totalmente mostrados, a não ser por flashbacks pontuais que guiam a trama atual. Nesse âmbito, o filme ganha com objetividade e segue um bom ritmo.
Um ponto do qual podemos nos distanciar das antigas obras de Tarzan é a presença de uma Jane Porter mais forte, que procura quebrar os estigmas de donzela em perigo. Margot Robbie contrasta lado a lado com seu parceiro, mostrando um lado mais equilibrado entre os dois protagonistas. Em determinado momento, o vilão personificado (de novo) por Christoph Waltz fala: “Grite, chame o seu marido!” e Jane retribui: “Se você acha que vou gritar como uma donzela, está enganado”, e termina a passagem com um belo cuspe na cara do antagonista.
Além de completar a película com sua formidável beleza (sério, essa mulher é bonita demais), Margot soma a nova versão trazendo uma Jane mais independente e que participa de desisões importante na trama. Essa é uma linha na qual várias obras da atualidade vem seguindo, o que muito se deve muito à luta feminista e discurso de igualdade de gêneros. O próprio reboot de Caça-Fantasmas faz isso, e foca no potêncial das moças para o recomeço da franquia (confira a crítica sobre As Caça-Fantasmas aqui).
Ponto negativo porém para Christoph Waltz, que novamente faz o papel de vilão caricato que já chegou ao seu máximo. O excesso de vilaneza do ator, que se consagrou justamente pelo antagonista de Bastardos Inglórios, chega ao seu limite roteirístico e visual, entregando um inimigo genérico e pouco marcante. Assim como a recente crescente das películas super-heróicas, é fato a falta de vilões mais simbólicos para o gênero em si.
Se você espera de A Lenda de Tarzan um grande sururu na selva, com produção de ponta e ótimos efeitos especiais, é justamente isso que irá encontrar. O roteiro simples foca no visual e deixa de lado o potencial e química entre os atores de grande porte. Até agora estou refletindo sobre a necessidade de Samuel L. Jackson na história, se não um modo de colocar o posicionamento norte-americano contra a escravatura e governos imperialistas na África. Tsc.
O que marca é a bela fotografia africana e a construção da lenda do protagonista. Na conjuntura, cenas que servem de apoio ou os próprios flashbacks são bem mais certeiros. Quando a tribo começa a cantar sobre a lenda de Tarzan em sua língua local, você consegue entender a importância daquele momento e a relevância da volta do herói para os cinemas. Quando a música acaba e o filme segue seu fluxo, a lenda vai dando lugar a uma correira desenfreada pelas árvores e termina com um terceiro ato desimportante em relação ao produto no total. Afinal, quem conta um conto, aumenta um ponto.
A selva consome tudo!