Crítica do filme A Pele que Habito
Quão sombrios podemos ser?
No futuro, quando formos listar os clássicos do cinema nos anos 2000, não há dúvidas de que o nome do diretor espanhol Pedro Almodóvar vai figurar como um dos grandes dessa época. Grande parte desse reconhecimento se deve ao longa "A Pele que Habito", obra prima que consagrou internacionalmente o cineasta, embora ele já tivesse despontado com produções como "Carne Trêmula", "Tudo sobre Minha Mãe" e "Volver". No entanto, foi com este filme lançado em 2011 que Almodóvar escancarou toda a sua genialidade e talento, conquistando o público do mundo todo.
O longa-metragem, roteirizado pelo próprio Almodóvar, em parceria com seu irmão Augustín, apresenta a história do cirurgião plástico Roberto Ledgard, vivido por ninguém menos que Antonio Banderas. Roberto trabalha para desenvolver uma pele sintética mais resistente do que a pele humana, enquanto seu trabalho e seus métodos são considerados eticamente questionáveis pela comunidade científica.
As motivações do médico são ainda mais suspeitas – e conforme a história vai se desenrolando, podemos perceber o quanto seus métodos profissionais estão imbricados com sua trajetória e suas tragédias pessoais envolvendo a esposa e a filha Norma.
Histórias repletas de reviravoltas e surpresas são a marca registrada de Almodóvar – e podemos dizer que, em A Pele que Habito, o diretor realmente se supera neste aspecto. O espanhol se utiliza de uma narrativa descontínua, fundamentada em lembranças e memórias, para contar a trajetória de Roberto.
O longa é roteirizado quase que de trás para frente, em uma teia complexa de acontecimentos, feita com uma maestria admirável. E tão bem construídos quanto o filme são os personagens. Mesmo os menos relevantes para a história são apresentados com uma sensibilidade característica. As atuações ajudam bastante neste sentido. Com boas atuações e personagens bem construídos, o resultado não poderia ser outro que não um filme instigante que prende a atenção do público durante cada minuto da trama.
Outra característica marcante da obra de Almodóvar é que o diretor brinca com o corpo humano como poucos conseguem fazer. Com tomadas em close e plano detalhe, nos leva por um passeio por cada centímetro de pele, pelos e poros.
Os enquadramentos fazem transparecer um olhar atencioso para as perfeições e imperfeições humanas, e isso ultrapassa apenas o físico e o estético. A Pele que Habito brinca com as cores e os contrastes: tons quentes e frios, o claro e o escuro, a sombra e a luz, a paz e a violência, a gentileza e a agressão, o silêncio e o grito.
O resultado é um filme belíssimo, com uma fotografia bastante respeitável – é fácil arrasar na fotografia quando se filma em cenários estupendos, mas fazer um trabalho tão bonito quando as tomadas são majoritariamente internas já é outra história.
“A pele que habito” é a prova de que um filme não necessariamente precisa ser escuro para ser sombrio. Com cores vivas, Almodóvar nos leva pelos lugares mais assustadores que a alma humana pode visitar e nos mostra quão doentios e bizarros podemos ser. Está longe de ser um filme feliz, mas é um tempo super bem investido, especialmente para quem aprecia narrativas complexas e inteligentes, cheias de surpresas e reviravoltas. Recomendamos!
Muito além da epiderme...