Crítica do filme A Possessão de Mary
Bons marujos afogados num mar de clichês
Às vezes, eu fico me perguntando como alguns produtores, diretores e roteiristas têm emprego, porque é simplesmente incompreensível ver certos projetos chegando aos cinemas. Todavia, o mais difícil de compreender é como atores gabaritados que até já ganharam o Oscar (como é o caso de Gary Oldman) topam embarcar em ideias furadas como as que temos no filme “A Possessão de Mary”.
E sim, eu já prefiro começar esse texto expondo os furos no bote, porque é complicado a gente ir ao cinema pensando que vai velejar rumo ao medo (até porque, como sempre, o trailer é enganoso) e ao sair da sala ter a impressão de ter sido engolido por um tsunami de cenas aleatórias e ondas de clichês – isso sem falar no tempo e dinheiro que perdemos nessas aventuras.
O ponto é que, conforme já comentei em tantas outras críticas do gênero, as mentes por trás dos projetos de horror e suspense parecem estar cada vez mais presas aos óbvio, o que resulta em roteiros rasos e cenas de terror que já não conseguem mais nos impressionar. Eu até achei a temática de “A Possessão de Mary” poderia ter algumas novidades nas amplas águas do gênero, mas tudo não passou de uma cilada.
O filme nos conta a história de David (Gary Oldman), um pescador já cansado de sua rotina que vê na compra de um barco uma oportunidade para virar capitão – dos sete mares e também de sua própria vida. Após a aquisição da embarcação, ele e família decidem fazer uma viagem de inauguração, mas parece que o navio guarda segredos tenebrosos, que serão revelados em alto mar.
Nada mal, né? Se tem filmes de carro assassino, pneu demoníaco, geladeira possuída e outros objetos inanimados que são dominados pelo capeta, a história de um navio sinistro não é ruim. Só que muitas vezes não adianta ter uma ideia boa e não saber dar continuidade, daí o fracasso profundo de “A Possessão de Mary”. Se você não quer ir adiante, a dica é: poupe seu tempo, pois este filme não vale o ingresso.
O interessante é que você não precisa mais do que o resumo acima para entender o rumo da história, pois o roteiro não tem nada de ousado. Basicamente, o roteiro de Anthony Jaswinski (que você talvez conheça de “Águas Rasas” – que ironia esse título citado aqui) tem apenas dois elementos: o ponto de partida (a sinopse) e um monte de cenas aleatórias de susto pra mostrar os segredos tenebrosos da embarcação.
Para ser justo, o roteirista até tenta uma abordagem diferente na hora de montar a trama, mas é tudo feito tão sem qualquer vontade que não conseguimos engajar com a protagonista da história. O resultado é que temos uma história já óbvia contada nos primeiros minutos de filme (sério, os personagens já ditam tudo que vai acontecer) e aí só temos que aguardar pacientemente para ver a desgraça acontecer.
O mais bizarro é ver que ao tentar se esforçar para criar uma conexão histórica para a embarcação, o roteiro só se complica por não conseguir levar a gente ao passado e por se atolar num loop de falas repetidas. O mais engraçado são as conexões forçadas que são feitas fora de tempo, de modo que vemos claramente que o filme não tenta sequer convencer o público de que esta poderia ser uma história real.
Por fim e o pior de tudo: as cenas de terror. Sem saber se o mal está na embarcação ou nas pessoas, o filme brinca com ondas de susto de todos os tipos e intercala as famosas cenas de jump scare em momentos inoportunos, o que só cria barulhos e takes que não se conectam ao roteiro. Dá até a impressão de que alguns desses truques foram adicionados posteriormente.
E como eu disse no começo do texto, é muito mais difícil de conseguir compreender como Gary Oldman, Emily Mortimer e Owen Teague toparam participar dessa aventura marítima. Os atores são muito esforçados, mas os diálogos são tão secos e as situações já estão tão submersas nas ondas de clichês que não há qualquer chance de eles conseguirem prender a atenção dos espectadores.
O ponto alto são as raras cenas em que alguns personagens são possuídos, mas até mesmo atores menos gabaritados poderiam dar conta desse tipo de ocasião. O resultado é que todo o elenco só conseguiu se afogar junto com o filme, porque eles não conseguem sair desse atoleiro.
E para ser justo, acho válido comentar que a direção do filme não é ruim. Muito pelo contrário, temos aqui uma boa execução das cenas em alto mar, ainda mais considerando o espaço limitado da embarcação e algumas situações que esbanjam água – e que são bem complicadas de capturar.
Todavia, não importa o quanto o diretor faça um bom trabalho e o elenco esteja pronto, pois com um roteiro à deriva, o público só acaba presenciando um grande naufrágio de um filme de terror. Eu acho que ele só não perde mesmo para os filmes russos de terror. É uma pena que a barca tenha seguido nessa rota, mas sem querer ser maldoso, mas verdade seja dita: pra ficar ruim, “A Possessão de Mary” ainda tem que melhorar.
O mal está sob a superfície