Crítica do filme A Sindicalista

Enfrentando o machismo estrutural

por
Fábio Jordan

29 de Junho de 2023
Fonte da imagem: Divulgação/Synapse
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 7 min

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O mundo está repleto de histórias que não conhecemos e a obra “A Sindicalista” conta mais uma que muito possivelmente você não teve conhecimento. Trata-se de um episódio bem recente ocorrido na França, que teve seus primeiros desdobramentos lá em 2012, com uma repercussão grande em rede nacional, mas com desfecho parcial apenas em 2020.

Baseado em fatos, o filme estrelado por Isabelle Huppert relata um fragmento intenso da vida de Maureen Kearney (Huppert), que não apenas atuou como uma importante representante sindical na França, como foi responsável por denunciar acordos secretos que abalaram a indústria nuclear francesa.

Apesar do viés trabalhista no início, a trama de “A Sindicalista” se intensifica no conflito individual, na tentativa de desvendar os responsáveis por um ataque violento contra a vida de Kearney. Assim, acompanhamos a protagonista numa luta para tentar provar que este não foi um ataque ao acaso, mas uma armação de um complô nuclear com agentes poderosos.

asindicalista01 b6228Fonte: Divulgação/Synapse

Dessa forma, “A Sindicalista” é um drama intenso, porém permeado por muito suspense que deixa o espectador curioso para saber o resultado desse conflito desproporcional. Contudo, além do entretenimento, temos aqui material para refletir sobre a revitimização: situações em que, mesmo diante da violência sexual, a palavra de uma mulher está em xeque!

A Sindicalista vale a pena?

A Sindicalista” pode parecer uma ficção, mas nada mais é do que um retrato realista de uma sociedade machista e covarde, que repetidamente reduz o papel da mulher e escancara uma articulação inerente capaz de transformar a vítima em suspeita. Destaque mais do que especial para Isabelle Huppert que leva o filme nas costas! Um ótimo filme para debate, mas também pode servir como entretenimento para os menos calorosos.

🤩 Pontos fortes

  • Suspense envolvente
  • Drama intenso e revoltante
  • Atuação vigorosa de Isabelle Huppert
  • Trilha sonora impactante

😕 Pontos fracos

  • Direção pouco expressiva

Muito além da ficção

Após denunciar o ocorrido à polícia, uma investigação é instaurada para buscar provas que levem até os criminosos ou ao menos a uma resolução, já que o caso ganhou projeção. Por uma suposta falta de provas (que não vou detalhar para evitar spoilers) os detetives sugerem que as opções foram esgotadas e, assim, colocam o depoimento de Kearney em questão.

Numa tática recorrente do machismo estrutural, eles tentam culpabilizar a vítima, sugerindo que o caso foi inventado ou que a vítima é de fato culpada por tais atos. Dessa forma, os agentes apelam para repetições do depoimento, violência verbal e até para argumentações quanto à vestimenta da protagonista, de modo que a vítima confesse ter inventado tudo.

Já pensou que terrível passar por uma situação de violência e duvidarem de sua palavra? Isto é bem comum no Brasil e no mundo, então não é só um filme. Acontece que essa culpabilização, a reconstrução da cena na cabeça, os depoimentos repetitivos e outros fatores levam a vítima a sofrer ainda mais ao revisitar tudo gerando um trauma ainda maior.

asindicalista02 b87edFonte: Divulgação/Synapse

No Brasil, desde novembro de 2021, em teoria, as mulheres estão amparadas pela Lei 14.245, ou Lei Mariana Ferrer, que visa evitar a revitimização de mulheres no atendimento por agentes públicos. Traduzindo: mulheres em situações vulneráveis de violência não podem ter sua palavra questionada, evitando procedimentos desnecessários que podem causar mais traumas.

A história de Kearney, contudo, não se passa no Brasil e já tem mais de década, logo era outra realidade. De qualquer forma, o ponto é perceber que a trama é apenas um caso que ganhou notoriedade, porém há uma infinidade de mulheres que passam por isso: sofrem a violência, precisam vencer o medo para denunciar e ainda podem se tornar suspeitas.

Filme realista com atuação poderosa

Bom, já falamos da história e do debate central do filme, resta então comentar sobre a execução. Não é de hoje que o cinema francês difere muito do hollywoodiano. No geral, a abordagem francesa é muito mais séria e menos sensacionalista. Assim, é comum ver filmes da França e estranhar a falta de dinamismo, o que é notável também neste caso.

O diretor Jean-Paul Salomé tem uma carreira de longa data, mas com obras intercaladas por longos hiatos. Nota-se que ele é bastante conservador no estilo, com enquadramentos que pouco inventivos, sendo que há uma clara diferença entre a edição ousada do trailer e o resultado do filme.

É claro que em determinadas situações, a direção está intimamente ligada ao roteiro, então a história também não permite muita inventividade. Soma-se a isso o fato de que o script é um bocado alongado, o que acaba prejudicando o ritmo em alguns trechos. São muitos personagens, diálogos longos e uma construção de trama que demanda certo tempo.

asindicalista03 a57aaFonte: Divulgação/Synapse

Felizmente, há Isabelle Huppert como contraponto, sendo que a atriz domina todas as cenas com olhares marcantes e uma presença imponente. Olhando a intensidade e as cenas repletas de close, fica evidente que somente uma atriz com tamanha expertise poderia encarar esse papel. Sim, o elenco como um todo é bom, mas o foco está realmente na protagonista.

Por se tratar de um roteiro muito centrado na protagonista, é impossível ter um filme impactante sem uma pessoa sútil e ousada em medidas similares. Os desafios eram muitos, mas Ruppert entrega uma atuação irreparável, com diálogos convincentes, interlocuções enérgicas e muito jogo de cintura para equilibrar a personagem entre o drama e a coragem.

Destaques também para a maquiagem, que deixou a atriz muito parecida com Maureen Kearney; o que não faz diferença para quem não conhece a pessoa, mas é ótimo ver uma história real o mais fiel possível. Por fim, menção especial para a trilha sonora, que propicia bons momentos de tensão. No todo, “A Sindicalista” é um filme sólido e altamente recomendado!

Fonte das imagens: Divulgação/Synapse

A Sindicalista

De vítima à suspeita

Diretor: Jean-Paul Salomé
Duração: 121 min
Estreia: 29 / jun / 2023