Crítica do filme Adoráveis Mulheres
Um alento em meio ao caos
No dia em que fomos ao cinema assistir "Adoráveis Mulheres", uma amiga contou que estava lendo Mulherzinhas, da autora Louisa May Alcott, o livro cuja história foi adaptada para o cinema por Greta Gerwig. Ela me adiantou que era até estranho ler algo tão leve em pleno 2020.
À medida em que fui avançando nas cenas do filme e fui me deliciando com cada minuto dessa história, entendi completamente o que minha amiga quis dizer com "leve".
A película, que abocanhou uma indicação ao Oscar de Melhor Filme, além de outras cinco categorias, tem também direção da própria Greta, e reúne um time impressionante de atrizes jovens e talentosas para dar vida à família March neste drama de época.
Com o pai ausente lutando na Guerra, as mulheres da família travam suas próprias batalhas vivendo sozinhas numa casa simples, mas não miserável. Laura Dern interpreta a Mrs. March, a matriarca da família, uma mulher de família rica que abriu mão da herança para se casar com um homem simples, mas a quem amava.
A irmã mais velha é Meg (Emma Watson), a mais maternal das quatro, que muito cedo quer constituir família e fincar raízes, apesar do talento que tem como atriz. Josephine (Saoirse Ronan), a segunda mais velha, não aceita as exigências patriarcais da sociedade. Não é feminina, não suporta a ideia de um dia ter que se casar com alguém e não muda de ideia nem quando seu vizinho, o queridíssimo Theodore Lawrence (Timothée Chalamet), insistentemente se apaixona por ela.
Se Jo tem um dom reconhecido por toda a família para a escrita e vive cercada de livro, a seguinte na “linha de sucessão”, Beth (Eliza Scanlen), é a mais discreta, apaixonante e amada de todas – uma apreciação que só aumenta com seu talento para a música. Na lista de super-poderes das irmãs March, resta à caçula, a mais princesinha de todas, Amy (Florence Pugh), o dom das artes plásticas. Seu sonho é poder estudar e ganhar autonomia financeira graças à pintura.
Adicionalmente, a família ainda tem a tia March, uma senhora que vive sozinha e que eventualmente conta com a companhia das meninas para realizar alguma tarefa cotidiana, interpretada por ninguém menos que Meryl Streep – e que eu queria muito ter visto interpretada por Maggie Smith.
Vivemos em uma época em que tudo precisa ser intenso. Toda história, seja ela escrita, narrada ou filmada, demanda um super clímax, um plot twist, uma grande cena que sacode a vida dos personagens. Até quando? “Adoráveis Mulheres” é uma película encantadora. Tem uma bela dose de drama, outra de romance, mas traz também a calmaria em grande quantidade.
Que delícia é acompanhar o dia a dia das mulheres da família March enquanto exercitam a solidariedade, a simplicidade das brincadeiras diárias e a prática dos talentos que têm. Isso não significa que nada aconteça na história, muito pelo contrário.
O que muda é que o roteiro não é pesado, o que demonstra não apenas que é possível, ainda, contar uma bela história com tranquilidade, saboreando cada frame, mas também ressalta o talento de Greta Gerwig como roteirista e diretora, que fez um trabalho primiroso - um que ajuda a resgatar um pouco a reputação dela nessa função, depois de Lady Bird, que não necessariamente agradou a gregos e troianos.
Transformar uma obra literária publicada em 1868, que versa sobre o cotidiano de cinco mulheres na metade do século 19, em um filme de sucesso em 2020 não é exatamente uma tarefa fácil, e ela realiza com maestria.
A adaptação é belíssima, fiel à história do livro na maior parte do tempo, mas fazendo algumas transformações de narrativa muito bem sucedida, inserindo uma linha temporal não contínua, diferente do livro.
Temperada com as atuações impecáveis de todo o elenco, a obra da diretora também é coroada pelo figurino muito bem produzido e pelas maquiagens que ajudam a dar o tom de cada momento da história.
Se está no seu checklist de filmes para ver antes da cerimônia do Oscar, aproveite para ver “Adoráveis Mulheres” enquanto está nos cinemas, mas veja não apenas por isso. Não vá pela qualidade técnica. Não vá pela beleza das atrizes. Vá para ver um retrato de um contexto histórico, que permite olhar com calma e docilidade para mulheres que romperam paradigmas sem necessariamente promoverem grandes transformações sociais. Mulherzinhas que transformaram o mundo a partir das suas próprias realidades, com o que tinham nas mãos.
"A sua vida era uma série de altos e baixos, de coisas cômicas e fatos patéticos"