Crítica do filme Albatroz
O sonho de um clique perfeito
O brasileiro é o tal do cão vira-lata mesmo — com todo respeito aos dogs sem pedigree, que nada têm a ver com essa história —, que sempre gosta de se menosprezar e de falar mal de tudo que tem origem em nosso país. Isso já acontece em debates das mais variadas esferas, mas a história vai de mal a pior quando falamos em filmes.
No caso da indústria cinematográfica, só Hollywood é incrível, perfeita e insuperável. Ok, é válido admitir nossas limitações, porém é bom constatar que nem tudo na vida é uma competição, sendo que há produtoras de todas as partes do mundo que fazem esforços constantes para fazer diferente da indústria americana. E mudar a forma de abordagem e produção não significa ser pior.
Eis o xis da questão, muitos roteiristas, diretores e produtores não querem e nem tentam competir para serem “melhores” do que os grandes estúdios, até porque não existe razão para isso. Todavia, qualquer ponto fora da curva já dá a impressão para muitos espectadores que o nível está aquém do esperado, já que a base é sempre os efeitos mirabolantes de Hollywood.
Assim, no meio de tantas produções, de vez em quando temos um filme inusitado e surpreendente como é o caso de “Albatroz”. Não se trata de uma cópia, tampouco de uma adaptação, mas sim de um filme que se inspira no que há de mais notório em vários filmes de qualidade para criar algo único, que é nosso e que surpreende em inúmeros aspectos.
Começo minha crítica com essa abordagem justamente para você seguir o seguinte conselho: quebre a barreira do preconceito, dando uma chance para este filme que tem muito a mostrar do nosso potencial. Dito isso, vamos a um breve resumo:
Simão (Alexandre Nero) ficou famoso após fotografar um atentado terrorista em Jerusalém. Devido às polêmicas, ele desiste da carreira, mas quer achar uma forma de fotografar sonhos. Paralelamente, ele vê seu casamento com Catarina (Maria Flor) em ruínas por conta de um caso com Renée (Camila Morgado), mas tudo piora quando uma ex-namorada (Andrea Beltrão) entra na jogada e o coloca numa armadilha.
Como você pode ver, nem mesmo a sinopse e o trailer conseguem dar uma noção exata do filme. Temos diversos momentos da vida de Simão, muitos personagens e uma série de coisas acontecendo em paralelo. E, para piorar, tem essa história do sonho que fica confusa. Contudo, acho válido lembrar que “A Origem” trabalha com esses conceitos e consegue se explicar, então muita calma nessa hora.
Sem precisar entrar muito em detalhes, eu considero a história de “Albatroz” única, mas não espere um roteiro esmiuçado, pois a intensão aqui é — como diria Tom Zé — te confundir pra te esclarecer. O script segue de forma não linear, num vaivém bem louco dos fatos e tudo guiado por uma história paralela sobre uma escritora e uma investigação de um assassinato.
Sim, você leu corretamente, além de toda a bagunça da sinopse, o fio condutor do filme não é um narrador confiável, mas uma série de pistas embaralhadas que são conectadas aos poucos. No fim das contas, tudo faz certo sentido, mas o filme deixa margem para interpretação, o que é excelente para fugir do lugar comum. Contudo, esteja avisado, que temos aqui um título conceitual.
De forma muito sagaz, o roteiro que se apoia bastante na profissão de Simão usa de cenas que abusam dos flashes — talvez até demais, sendo que é importante deixar o alerta para pessoas fotossensíveis —, dos cliques repetitivos e dos ajustes de foco. Tudo isso que vem a calhar para causar certo desconforto no público, bem como garante uma metalinguagem coerente com as sessões fotográficas do filme.
Entra em ação também uma edição caprichada, que alterna rapidamente entre momentos de lucidez, takes fotográficos e viagens por várias realidades, o que colabora para compor a narrativa e deixar a gente vidrado na trama. E por edição eu falo tanto da parte visual quanto sonora, já que o filme trabalha muito com cenas de ação e momentos em que o personagem se guia puramente pela audição.
Ainda que não adentre nos códigos de programação, é interessante perceber como a história nos sugere algo nos moldes de “Matrix” (sem comparar efeitos ou história, apenas no sentido mais amplo da ideia), que flerta com as concepções de “A Origem” e também que deixa a gente paranoico, como se estivéssemos acompanhando uma viagem derivada de “Pi” (filme preto e branco, lá de 1998).
Vale pontuar dois outros aspectos geniais do filme: a direção magistral, que precisa alternar constantemente seus conceitos para acompanhar o ritmo louco da história (e temos então um filme que ousa em vários sentidos) e também a cromologia (estudo de cores) ímpar que se destaca para nos fazer ficar atentos às diferentes dimensões dessa viagem. Uma investida very crazy dos idealizadores!
Acho válido comentar ainda sobre as ótimas performances do elenco, com Nero sendo um verdadeiro mago dos sonhos. O cara entra nesse mundo de loucura de cabeça e se mostra disposto a delirar junto a trama, de modo que ele nos guia muito pelo universo de loucura e logo não sabemos distinguir realidade e paranoia.
Obviamente, Andrea Beltrão, Camila Morgado e Maria Flor também contribuem de forma essencial para criar esse clima de confusão, sendo que elas dividem o tempo de tela de forma quase igualitária - e é interessante ver um protagonismo meio dinâmico. Temos também Andréia Horta como colaboradora em momentos-chave, sendo que o elenco feminino de alta competência é algo que nos convence a embarcar na viagem de Simão.
No fim do dia, a experiência de “Albatroz” é pra lá de inusitada e vem para mostrar as grandes ideias que temos por aqui. Talvez, a confusão excessiva e as lacunas podem dar margem para que parte do público fique meio perdida na história, mas eu particularmente vejo isso como uma oportunidade para gente refletir e para nosso cinema evoluir. Enfim, embarque nessa jornada e aproveite a sessão fotográfica.