Critica do filme Batman (2022)
O melhor de todos os tempos da última semana
Com um elenco afiado a nova aventura do Morcegão nos cinemas tira o retrogosto deixado pelo Snyderverso, ao mesmo tempo em que ainda dá acenos amistosos para as viúvas de Christopher Nolan e sua versão do Cavaleiro das Trevas. Matt Reeves aposta, inteligentemente, no clima noir para apresentar um herói e um vilão cujas concepções de justiça e vingança se confundem como diferentes lados de uma mesma moeda, enquanto ambos buscam a redenção de uma cidade atolada em um pântano de corrupção.
As quase três horas de duração são justificadas, mesmo que por momentos façam o filme parece mais lento do que necessário. Tudo tem um motivo de ser, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento dos personagens, mas obviamente, 176 minutos acabam exigindo um pouco do expectador. Se você espera apenas um filme pipoca, melhor se preparar, porque Batman (2022) é uma experiencia cinematográfica mais elaborada, com performances elevadas e uma narrativa esforçada.
Sem grandes reviravoltas, o novo Batman é um filme policial que calha de ter um “super heroi” como protagonista. Misturando estilos como muita habilidade, Reeves empresta elementos de David Fincher, Scorsese, Nolan e afins para criar uma espécie de "thriller noir" com muito suspense e cenas de ação impactantes. Infelizmente todo esse afã tecnico não consegue explorar todas as facetas do homem morcego, entregando no fim um título que funciona muito bem, mas não atinge todo seu potencial.
O esmero técnico de Matt Reeves é perceptível em cada tomada, mas o roteiro não tem a mesma criatividade da direção. Assinado em parceria com Peter Craig, o texto apresenta vários elementos interessante, mas não alcança tudo o que almeja. Ao salpicar referencias de histórias famosas como O Longo Dia das Bruxas e Silêncio, entre outras, a dupla agrada aos fãs sem se comprometer como uma adaptação direta, desenvolvendo uma nova leitura do Cavaleiro das Trevas, ao mesmo tempo em que traz influências obvias de outras versões do personagem, sejam dos quadrinhos, animações, filmes ou seriados.
A fotografia expressiva de Greig Fraser e o olhar perspicaz de Reeves atrás da câmera se aliam perfeitamente a trilha maliciosa de Michael Giacchino. A união dos elementos técnicos consegue criar cenas ousadas que, na maior parte do tempo, sobrepujam as oscilações do roteiro; que quebra o ritmo e não consegue estabelecer um clima consistente ao longo de todo o filme.
Na realidade, ao focar quase que exclusivamente no "Batman", deixando "Bruce Wayne" de lado, o filme não consegue consolidar as forças que de fato constituem o personagem. Não há Bruce Wayne sem Batman, e não há Batman sem Bruce Wayne. A dualidade é um tema recorrente no mundo dos super herois e aqui não poderia ser diferente. Consiliar duas vidas, duas personalidades dentro de um mesmo ser é um desafio filosófico que certamente tornaria o filme muito mais denso e interessante.
Como o próprio Charada infere, não há identidade secreta por trás do capuz do Batman, ele é verdadeira identidade do vigilante. É sob o capuz que o cavaleiro das trevas está confortável e sem amarras. Apesar da revelia do herói, é evidente que há uma troca real entre o justiceiro e o psicopata. Justiça e vingança não prestam o mesmo serviço, é essa caminhada sob a tenue divisa moral que encontramos toda a luta de Batman, um herói a um passo de se tornar um vilão; e é aqui que sentimos a falta de Bruce Wayne, a contra parte humana.
Como já estamos em 2022 e já não é mais “cool” falar mal de Crepúsculo, ouvir pessoas reclamando da escalação de Robert Pattinson para o papel de Bruce Wayne soa ridículo por mais de uma razão, notadamente seu desempenho em obras como Bom Comportamento (2017), O Farol (2019), e Cosmópolis (2012). Mostrando seu valor além do rosto bonito que encantou uma geração de adolescentes na pele do vampiro melancólico da Saga Crepúsculo, Pattinson já deixou claro que seu talento vai muito além da fantasia púbere que o lançou ao estrelato.
Como Bruce Wayne e seu alter ego mascarado, o ator britânico entrega uma atuação consistente, mesmo que em momentos sobrepujada pelo seus coadjuvantes. Curiosamente, Pattinson consegue aproveitar muito mais seus momentos mascarado do que quando desponta como Bruce Wayne – instantes em que acaba caindo no modo jovem melancólico cabisbaixo.
Por falar nos coadjuvantes, Jeffrey Wright (na pele do incorruptível James Gordon) consegue igualar sua presença na tela com a do vigoroso Batman de Pattinson, conseguindo inclusive estabelecer muito bem uma dinâmica de igualdade entre os dois. Enquanto isso, Zoë Kravitz parece ter entendido como Selina Kyle, a Mulher-Gato, é uma personagem a parte; uma “coringa” (com o perdão da piada), não se trata de uma vilã, ou de uma heroína e se precisa de ajuda é porque não teme entrar no meio da ação para conseguir seus objetivos.
Se a flexibilidade moral da Mulher-Gato permite alguma reserva quanto ao uso do termo vilã, o mesmo não pode ser dito do Charada de Paul Dano. Em uma performance exuberante, o ator extrai o máximo de suas breves aparições, entregando um personagem que, mesmo fora de cena, está sempre na mente do espectador. Sua construção apaga a imagem caricata do Charada, percebendo-o como um terrorista psicopata em uma mistura de Ted Kaczynski e Zodíaco.
Não podemos deixar de apontar a composição de Colin Farrell como o Pinguim, alter ego do gangster Oswald Cobblepot. Irreconhecível sob uma elaborada maquiagem, Farrell está confortável na pele de um mafioso que parece saído diretamente de Os Bons Companheiros (1990) ou quem sabe Ajuste Final (1990). Por falar na obra dos irmãos Coen, John Turturro transplanta o “coração” de seu traiçoeiro Bernie Bernbaum para dar vida ao poderoso chefão do crime Carmine Falcone, em um desempenho sólido.
Matt Reeves não conseque equilibrar os diferentes "filmes" dentro de Batman, mas no final, a história funciona muito bem, especialmente se a percebemos como parte da origem do cavaleiro das trevas. Um momento em que o mascarado ainda não sabe se a raiva que o impele a lutar realmente está em busca de justiça ou apenas de uma catarse vingativa.
Ao voltar seu foco ao Batman, Reeves não consegue enxergar toda complexidade do personagem
Talvez por isso a impressão de que esta nova aventura funciona muito bem como um "requel" da trilogia de Nolan, oferendo uma continuação e uma conclusão muito mais satisfatória do que a tivemos em O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Explorando temas similares e chegando a deduções parecidas, as duas produções mostram um Batman em conflito e um vilão com motivações espelhadas e não muito dispares daquelas defendidas pelo herói.
No final - ciente das armadilhas, próprias dos superlativos - temos sim o melhor filme do Batman já feito; entretanto, a frase significa justamente isso, ou seja, um filme sobre o Batman e, mesmo sendo o protagonista, o universo de Gotham não se resume ao cruzado encapado e ainda não sabemos direito quem é Bruce Wayne, e a oclusão da contraparte "humana" do famoso personagem da DC é uma falha que certamente precisara ser revisitada nas futuras iterações da franquia. Dito isso, Batman (2022) é um bom thriller policial e um ótimo filme de herói especialmente para aqueles que buscam algo diferente dos arrasa quarteirões multidimenssionais da Marvel.
O Justiceiro de Gotham como você nunca viu