Crítica do filme Boas Intenções
Entre a ficção e a realidade
Não é preciso ser um gênio para perceber que o mundo está carente de boas pessoas — ainda que tal constatação possa ser decorrente de algo inerente à nossa vontade. Basta abrir um site de notícias, dar um passeio ou ouvir relatos para perceber como perdemos a compaixão em meio ao tumulto do dia a dia.
Seja para quem se deixa levar pelo cotidiano ou para quem precisa repensar suas atitudes, a ficção é sempre um meio para autores que querem mostrar esse ponto que visa aflorar nosso lado mais humano. Assim, vez ou outra, temos títulos como “Boas Intenções” para nos dar um puxão de orelha, sem deixar o bom humor de lado.
Nesta produção francesa, acompanhamos um recorte da vida de Isabelle (Agnès Jaoui), uma pessoa muito envolvida com trabalhos humanitários e causas sociais. Ela ajuda os imigrantes que chegaram à França e não têm meios para ter um mínimo de dignidade em suas vidas, sendo que suas ações incluem o trabalho nas ruas e também suas aulas de francês.
Todavia, ao descobrir que seus alunos, na realidade, precisam de uma licença de habilitação para conseguir empregos, ela decide ajudá-los a ingressar em uma escola de motoristas, bem como nos estudos. Paralelamente, sua vida vira um caos ao ter que lidar com a própria família que reivindica mais atenção.
Falando primeiro sobre o roteiro, é bom constatar que “Boas Intenções” sofre de um alvoroço complexo em seu desenvolvimento, o que pode causar cansaço ao espectador. Por ter uma personagem engajada, esvoaçada e decidida em suas convicções, sendo ela também o fio-condutor da trama, a história aqui acaba tendo variações de ritmo e humor constantes.
Não é preciso mais do que alguns minutos para perceber que o filme tenta pegar forte nessa questão da disparidade social e da falta de empatia de algumas pessoas, o que é ótimo, sem sombra de dúvidas. Contudo, o exagero na protagonista pode deixar o público um bocado pasmo (pela raridade da situação) e um tanto ansioso para ver onde essa história vai chegar.
E, para falar a verdade, é difícil avaliar filmes que tratam de temáticas sociais e familiares sem dissociar a mensagem de nossas perspectivas. Assim, é inevitável que o roteiro de “Boas Intenções” seja alvo de considerações partindo do ponto de vista de cada espectador. Eu entendo a ideia do exagero proposto, mas uma dosagem no script não cairia mal.
Tirando essa bagunça de ideias e o drama um pouco raso, já que não parece ser um grande dilema para a protagonista, o roteiro leva sua mensagem e eu acho que isso é o que vale no fim das contas — afinal, se você não pode ganhar pela lógica, vença pelo cansaço. A produção é boa, com uma direção funcional e umas cenas bem executadas que rendem gostosas risadas.
“Boas Intenções” não é um filme que tem apenas boas intenções, mas que tem ótimas motivações
Muitos atores são desconhecidos e até um tanto inexperientes, mas eu acho que é justamente essa disparidade que ajuda na construção dos personagens de diferentes nacionalidades. Todavia, é claro que o destaque é da protagonista, que praticamente segura o filme sozinha. Não se trata de uma interpretação totalmente dramática ou cômica, mas ela faz o necessário diante da personagem complexa.
No fim do dia, “Boas Intenções” é um filme que podia rumar de forma diferente, inclusive ao não apelar para clichês quanto aos imigrantes, mas ao menos a mensagem foi entregue e de forma bem humorada, ainda que desleixada em algumas partes (mostrando também esse lado falho de quem é envolvido nas causas sociais). Enfim, pode não ser a comédia que queremos, mas é aquela que precisamos para dar uma sacodida!
Quando se faz o bem, qual é o mal?