Crítica do filme Cargo
Quem carrega o peso é o espectador
Martin Freeman curte embarcar em jornadas ambiciosas, mas dessa vez o ator britânico foi com tudo em uma canoa furada.
O ator que interpretou Bilbo, o Bolseiro, no épico "O Hobbit" protagoniza o mais recente original Netflix, "Cargo".
Baseado no curta-metragem australiano de mesmo nome, Cargo conta a trajetória de um pai de família presenteado com um desafio em um cenário pós-apocaliptico.
Depois que um surto mortal começou a dizimar a humanidade, Andy (Freeman), Kay (Susie Porter) e a pequena Rosie (Lyly e Anne McPherson Dobbins) tomaram refúgio em um barco e assim vêm sobrevivendo com sucesso. Até que algo acontece e Kay acaba sendo mordida e contaminada, o que dá a ela 48 horas restantes de vida.
Em uma maré de azar sem tamanho, Andy é mordido pela esposa-zumbi e agora ele tem 48 horas para encontrar alguém que ajude a cuidar de sua filha ainda bebê.
A premissa da história é super criativa e traz um novo fôlego às já tão saturadas e repetitivas histórias de mortos-vivos. Mas o longa traz uma série de problemas em sua execução que vão incomodando e fazendo com que o espectador acabe ansioso para terminar de uma vez.
Primeiro, sugiro que você confira o curta-metragem de sete minutos que inspirou "Cargo":
Estender um curta-metragem para transformá-lo em longa frequentemente resulta em fracasso - que o diga "Quando as Luzes se Apagam".
No caso de "Cargo", vários fatores contribuíram para que o filme deixasse tanto a desejar. O primeiro deles é a sequência de escolhas da roteirista Yolanda Ramke, a mesma do curta e que também dirige o filme ao lado de Ben Howling, para justificar colocar os personagens em sua missão final. Embora o longa comece bem, quando a família chega em terra firme é que as coisas desandam um pouco.
É inevitável apelar para as conveniências e para o efeito de ultrarresistência dos protagonistas em um filme de zumbis, mas nesse caso ele chega a ser apelativo no quesito azar.
Embora o arco narrativo dos personagens seja irritante e cansativo, no que diz respeito à construção do universo em si, o filme traz alguns acertos.
A escolha de uma locação bonita com cenários de deserto, rios e florestas facilita para que não se tenha que investir muito na construção de um ambiente pós-apocalíptico de destruição. E é esse ambiente que não machuca os olhos que entra em contraste com toda a feiura dos seres humanos - antes e depois das contaminações.
Por outro lado, "Cargo" é bastante criativo em manter os personagens no seu isolamento em comunidade e na maneira como eles retornam às origens ancestrais para lidar com o problema. A própria construção dos zumbis é interessante, o pânico do sol, a busca por lugares escuros e o líquido que sai dos olhos e da boca quando eles se transformam.
É uma boa escolha de filme se você estiver disposto a ignorar as contínuas patetadas dos protagonistas e principalmente se focar no lado do retorno das tradições das antigas civilizações e nos conflitos humanos, e não tanto na ação em si.
Carga preciosa