Crítica do filme Como Falar com Garotas em Festas
Punks, aliens e descobertas
"Como Falar com Garotas em Festas” é um dos meus contos favoritos de um dos meus autores favoritos, Neil Gaiman. Exatamente por isso, fica sempre aquela preocupação ao ver uma obra sendo adaptada para outras mídias. Primeiro foi adaptada para os quadrinhos, pelos famosos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. O estilo marcante dos dois, com seus personagens estilizados e cores explosivas, captou bem a estética estranha que a história original pedia, quase nenhuma adição, apenas uma transposição direta, uma “ilustração” da história.
O filme estreou em 2017 no Festival de Cannes, e começou a ser distribuído em 2018. O diretor John Cameron Mitchell juntamente com os roteiristas Philippa Goslett e Cameron Mitchell escolheram ir além e preencher as lacunas propositais deixadas na história original, o resultado é um filme estranho e divertido, com personagens carismáticos e esquisitos tentando ser punks de um jeito particular.
No Reino Unido durante o fim dos anos 70, o jovem tímido Enn (Alex Sharp) e seus melhores amigos Vic (AJ Lewis) e John (Ethan Lawrence) dividem o tempo entre a escola e as festas punks organizadas pela Rainha Boadicea (Nicole Kidman). Tentando comparecer a um desses eventos, acabam em uma festa estranha com gente esquisita. Acontece que essa festa não é punk e a gente esquisita é composta por alienígenas de passagem pelo nosso planeta. Claro que esse detalhe não vai impedir os garotos de tentarem beijar na boca, já que estão ali mesmo, por que não?
Demora um tempo até eles entenderem que aqueles doidos não são mesmo desse planeta, então eles apenas interagem normalmente, até as coisas ficarem realmente bizarras para Vic e John. Enquanto isso, Enn conhece a encantadora Zan (Elle Fanning), inconformada de ser apenas uma turista pela galáxia e buscando experiências únicas, algo praticamente inaceitável para seus semelhantes e superiores, repletos de regras e tradições rígidas.
O filme já cobre toda o conto nos primeiros minutos, respeitando suas personagens e situações, e já expandindo a história para um longa de mais de uma hora e meia. Diversos personagens foram criados e alguns papéis redefinidos, mas o mais marcante sem dúvida é o de Zan. Para os fãs de Neil Gaiman, fica fácil aceitar que uma personagem seja a forma antropomórfica de uma galáxia, já que esse tipo de loucura é um tema recorrente em suas obras.
Um bom exemplo é o de Triolé, a menina pela qual Enn se apaixona no conto. Triolé é uma forma poética em que o primeiro verso é repetido como quarto e como sétimo versos, e isso faz todo sentido enquanto você lê. Mas como estamos falando de um filme, não faz sentido algum Triolé estar ali, então temos a excelente Elle Fanning como Jan preenchendo essa lacuna de forma magistral, com as nuances necessárias de Triolé, mas sem nem ao menos mencionar poesia ou nada que se assemelhe a isso.
A emergente cena punk da época é um dos principais panos de fundo para a narrativa, a subversão dos costumes de duas culturas, montar uma banda grosseira e ofensiva e fazer sua própria fanzine, além de dois adolescentes experimentando diversas sensações novas são a graça da história. O roteiro não é enrolado, mostrando ao invés de contar, exatamente como tem que ser, focando nas descobertas com muita simplicidade e praticidade, tudo com um tom bastante descontraído.
A direção de John Cameron Mitchell é despreocupada na estética, sem muito detalhamento técnico mas com muita expressão. Não existe o menor esforço em disfarçar o protagonismo de Enn e Jan, e ambos conduzem a narrativa com muita descontração e paixão. É preciso enaltecer o trabalho de figurino de Sandy Powell, responsável por toda a particularidade dos diversos grupos, desde o britânico comum repleto de camadas de roupas em cores escuras, até a estética agressiva dos punks e os grupos alienígenas separados por cores gritantes e que ajudam a definir suas identidades.
Com Elle Fanning em cena fica difícil não ficar hipnotizado, não pela beleza mas pela personagem. Alex Sharp até consegue acompanhar de perto, mas acaba servindo mais como apoio. Nicole Kidman, sem dúvida o nome mais conhecido no longa, tem um papel bastante diferente de qualquer outro em sua carreira, ainda que pequeno e sem muita projeção na história.
É claro que poderia ser mais “punk” ou mais “extraterrestre”, mas o absurdo retratado está no limiar entre uma viagem alucinógena e o medo do desconhecido que leva um adolescente a se questionar “Como falar com garotas em festas?”. A descoberta da resposta é simples: apenas conversando, afinal elas geralmente não são de outra planeta.
Algumas garotas são de outro planeta!