Crítica do filme Como Treinar o Seu Dragão 3
O justo fim da Era dos Dragões
Após nove anos, a série "Como Treinar o Seu Dragão" conclui a épica história dos Vikings da ilha de Berk e sua relação com as feras aladas que povoavam seus pesadelos mas que agora coexistem em harmonia. Dean Deblois assume a direção e roteiro novamente, mostrando para as crianças de todas as idades que até mesmo as coisas boas, como a era dos dragões, precisam chegar ao fim.
Soluço (voz original de Jay Baruchel/Gustavo Pereira na versão nacional), começou como um adolescente esquisito e agora se tornou o chefe da ilha, comandando tanto seus conterrâneos quanto os dragões. Porém, seu fiel companheiro Banguela, o Fúria da Noite, é o dragão alpha e é quem mantém todos os bichos na linha de fato.
Interessante notar o tempo transcorrido durante os filmes e todo o desenvolvimento emocional dos personagens, além dos temas delicados sutilmente abordados. Soluço perdeu seu pai, precisou aprender a ser responsável e a liderar seu povo, reencontrou sua mãe que havia sumido há anos e vivenciou amizades inigualáveis e perdas irreparáveis.
A novidade deste terceiro capítulo é a descoberta de uma Fúria da Noite feminina e branca. Apelidada de Fúria da Luz por Astrid (America Ferrara/Luisa Palomanes), ela seduz Soluço quase que imediatamente, pois pensava-se que ele era o último de sua espécie. Agora que os dragões e os vikings vivem em harmonia em Berk, a grande ameaça para a comunidade é um novo vilão chamado Grimmel (F. Murray Abraham/Márcio Simões), determinado a caçar todos os dragões, especialmente os Fúrias da Noite.
O longa já começa em grande estilo com os protagonistas em armaduras de couro de dragão e uma espada de fogo, libertando dragões enjaulados em navios, em um ambiente enevoado e sombrio. Entretanto, o filme não é pautado apenas por batalhas, buscando uma expansão de tudo que já foi apresentado sem tentar se repetir muito.
Há um grande enfoque em relacionamentos, Soluço e Astrid precisam se casar para governar juntos, mas não se sentem preparados para isso, mantendo a relação de competitividade, mas sempre apoiando um ao outro. Em paralelo, vemos Banguela tentando conquistar a Fúria da Luz com muito esforço, aprendendo um pouco mais sobre sua própria espécie e a responsabilidade de ser um alpha de criaturas tão distintas e poderosas.
Os amigos de Soluço também são bem representados, servindo principalmente como alívio cômico. Melequento (Jonah Hill/Paulo Mathias) tenta impressionar e “conquistar” a mãe de Soluço, Valka (Cate Blanchett/Martha Cohen), mas acaba sempre sendo superado por Eret (Kit Harington/Raphael Rossatto) um viking mais velho e tradicional. Mas o destaque são os gêmeos Cabeça-Dura (T.J. Miller/Caio César) e Cabeça-Quente (Kristen Wiig/Lina Mendes), além de zoarem um com o outro o tempo todo, tem as personalidades mais marcantes e diálogos engraçados.
No segundo filme, foi revelado que o guerreiro veterano e ferreiro Bocão (Craig Ferguson/Cláudio Galvan) nunca se casou por ser homossexual. Não há nenhuma mudança no tratamento da comunidade com ele, o que soa muito mais inclusivo do que fazer piada ou chamar atenção de uma forma explícita. Outro detalhe interessante é a naturalização de um protagonista com uma prótese na perna, desafiando o padrão de uma forma sutil e elegante.
Contudo, o vilão continua caricato e megalomaníaco. Grimmel, O Terrível, utiliza um soro que torna os dragões suscetíveis a seus comandos, uma solução conveniente demais mas que é o suficiente para o que o roteiro propõe.
Buscando se diferenciar sem fugir muito dos padrões dos grandes estúdios, “Como Treinar o Seu Dragão 3” tem todos os elementos para divertir a família e integra diversos temas complexos de forma sutil e descontraída, uma excelente opção para quem está procurando algo para assistir sem muito compromisso. Inclusive, não é estritamente necessário ter visto os anteriores para entender e aproveitar essa jornada, mas claro que os fãs da animação de 2010 são os agraciados por já estarem cativos aos carismáticos personagens.
A trilha é composta novamente por John Powell, com uma temática nórdica divertida e empolgante. Vale destacar também que existem momentos importantes sem diálogos, com os dragões interagindo daquela forma fofa e engraçada que todos amam, além de paisagens e efeitos visuais de tirar o fôlego, o trabalho de expressar sentimentos sem dizer uma palavra foi realizado com primor.
“Como Treinar o Seu Dragão 3” é uma despedida honrosa. Nada garante que novas versões sejam feitas no futuro, especialmente porque existem diversos outros livros que serviram como base para a animação, mas a história que Deblois gostaria de contar chega ao fim de uma forma bonita e triste, assim como a vida.
O mundo por trás do véu