Crítica do filme Doutor Estranho
Esqueça tudo que você sabe e divirta-se
O Universo Marvel continua expandindo a cada novo filme, e finalmente é a vez da magia entrar nessa história. Doutor Estranho, como o próprio nome sugere, tem uma história bem peculiar e talvez não seja um nome familiar para aqueles que não acompanham os quadrinhos.
Atenção! O texto contêm diversos spoilers!
Dr. Stephen Strange (Benedict Cumberbatch) é um renomado neurocirurgião, conhecido por operar casos considerados impossíveis dentro de sua area profissional. Infelizmente sua motivação em remover tumores cerebrais inoperáveis e consertar espinhas dorsais irreparáveis é menos altruísta do que parece. Na verdade o Doutor gosta mesmo é da fama e da fortuna que seu trabalho proporciona, não se importando tanto com os pacientes quanto seu status.
Tudo isso fica bem claro logo na primeira parte do filme, sua arrogância e prepotência são equivalentes apenas a seu talento nas operações. Nesse momento conhecemos a enfermeira Christine Palmer (Rachel McAdams), que trabalha com as emergências do hospital e que além de ser extremamente competente no que faz, havia trabalhado lado a lado com Strange no passado, quando eles tiveram um relacionamento que acabou devido às “qualidades” egoísticas do Doutor.
Em seguida, dirigindo uma Lamborghini em uma estrada nas montanhas e decidindo se vai pegar um caso que envolve um militar em uma armadura experimental que sofreu um acidente que danificou suas costas (Máquina de Combate em Guerra Civil?), Strange acaba perdendo a direção e é arremessado colina abaixo, mutilando suas mãos na queda. Meses se passam, milhões de dólares são gastos com procedimentos experimentais, mas nada consegue curar seus instrumentos de trabalho.
Em um último esforço para reparar suas mãos e recuperar a fama de habilidoso neurocirurgião, Strange viaja para Kamar-Taj, no Nepal. Lá ele descobre que a Terra vem sendo protegida por séculos por uma sociedade secreta de magos, homens e mulheres responsáveis por manter a ordem natural do mundo e protegê-lo de ameaças sobrenaturais.
Eles são liderados por uma figura que se chama apenas Anciã (Tilda Swinton), que entre outros diversos aprendizes é auxiliada por Barão Mordo (Chiwetel Ejiofor).
É revelado para Strange, e consequentemente para o público, que o mundo não é tão óbvio quanto parece, e que diferentes planos de existência podem ser acessados para alterar a realidade. Porém, um antigo aluno corrompido pelas forças do mal retorna para ameaçar os portais que protegem a Terra, e Strange precisa decidir se vai usar seus novos conhecimentos a seu favor e voltar a sua vida antiga, ou tomar parte numa guerra interdimensional que provavelmente o levará a servidão e auto sacrifício.
Acompanhei diversos comentários e críticas a respeito do filme, acusando-o de seguir a “Fórmula Marvel”. Bem, estamos falando de uma sequência de filmes que se propõe a unir heróis distintos da Marvel em um universo compartilhado, iniciado com “Homem de Ferro” em 2008. A razão para seguir essa fórmula é porque ela funciona, e essa familiaridade que ela proporciona ajuda a explorar os conceitos particulares de cada herói sem precisar explicar cada ideia básica em todos os filmes, servindo então de base para contar cada história particular do herói em questão. Então adivinha só, já que é para falar o óbvio: é um filme da Marvel, por isso segue a “fórmula Marvel”.
Sim, é bem fácil traçar um paralelo entre “Doutor Estranho” e o primeiro “Homem de Ferro”. São histórias de origem, explicando como eles viraram heróis. Ambos são bilionários, playboys e gênios, o que os torna arrogantes e egocêntricos. Um acidente faz com que saiam de suas vidinhas perfeitas, exigindo um recomeço.
Stark baseia-se na tecnologia e ciência, Strange descobre a magia e faz o favor de ampliar o já grandioso universo Marvel para dimensões infinitas e poderes cósmicos. Não por acaso, esse é o primeiro filme solo da fase III, contando a origem, introduzindo novos conceitos e preparando o que virá a seguir, que não é pouca coisa.
O diretor Scott Derrickson conseguiu criar uma experiência visual única e personagens cativantes, e apesar das referências aos outros filmes do Universo Marvel, consegue se sustentar tranquilamente como filme solo.
No quesito humor, diversas piadas podem parecer forçadas ou em momentos inoportunos, mas isso também está previsto na supracitada “fórmula”. O carisma de Cumberbatch pode ser novamente comparado ao de Robert Downey Jr, pois ambos possuem um estilo descontraído e natural para seus respectivos personagens, às vezes parece até que eles nem estão interpretando.
Visualmente, esse é sem dúvida o mais interessante até agora. Os efeitos psicodélicos de viagens interdimensionais, cidades sendo distorcidas enquanto as lutas acontecem, um mundo paralelo espelhado em um caleidoscópio e mandalas de energia sendo utilizadas como escudos contra espadas feitas de ar, para falar o mínimo.
É fácil comparar aos filmes de Christopher Nolan, como Inception e Interstellar, mas Derrickson foi muito além e revelou em sua conta no Twitter que se inspirou em O Gabinete do Doutor Caligari (1920), Viagem Alucinante (2009), 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968) e Viagens Alucinantes (1980) para criar esses efeitos, algo que os cinéfilos vão sacar de cara e agradecer a referência, ou apenas entrar junto na loucura.
As cenas de luta acontecem de diversas formas, nada de armas de fogo ou gente se acotovelando. Aqui vemos verdadeiras danças coreografadas com efeitos de luz surreais. E para sustentar a mágica, diversos apetrechos místicos são apresentados, o que é praticamente parte do conceito do Doutor Estranho nos quadrinhos.
O famoso Manto de Levitação, que possui vontade própria e acaba proporcionando diversos momentos cômicos, o Olho de Agamotto, que já é importante na história original e se revela ainda mais relevante dentro dos filmes, entre diversos outros itens com nomes fantásticos e funções incríveis, tudo isso servindo para enriquecer ainda mais a história.
E por falar em enriquecer, por ser uma história de origem os coadjuvantes acabam ficando meio de lado, mas nem por isso eles são menos geniais. Karl Mordo (Chiwetel Ejiofor), Christine Palmer (Rachel McAdams), e Wong (Benedict Wong) são personagens que ainda serão explorados nos próximos filmes, por isso acabaram servindo só de suporte.
Já o antagonista Kaecillius (Mads Mikkelsen) conta com a interpretação desse incrível ator, apesar de ser um personagem fraco, assim como diversos vilões dos filmes Marvel (a fórmula, pois é…) ele é apenas uma versão sombria do protagonista. Mas é inegável que ele possui motivações reais, seus atos são sinceros e me pareceu uma ameaça muito maior do que o verdadeiro vilão do filme, e todas as suas cenas são bem cativantes.
Tilda Swinton como Anciã (em inglês é Ancient One, sem gênero definido), causou muita polêmica entre os fãs puristas, pois o personagem original é masculino e tibetano. Pessoalmente achei o papel impecável, Swinton já é uma atriz consolidada, além de quebrar o modelo de “velho sábio da montanha”, é interessante ver uma mulher num papel de destaque, lutando e manjando dos paranauês sem ser objetificada de nenhuma forma. Além de quebrar a arrogância e ensinar todos os conceitos mágicos para o Doutor Estranho, ela é responsável por diversas lições e até momentos de dúvida moral durante o filme.
O terceiro ato possui o famigerado buraco negro que vai engolir o mundo (sim, a fórmula, não vamos mais falar sobre isso!). Porém, novamente Derrickson distorceu esse conceito e conseguiu utilizar o poder do tempo para recriar a cidade ao invés de destruí-la.
Apesar de ser uma solução inventiva e um dos momentos mais cômicos do filme, a luta final contra Dormammu me decepcionou um pouco. É um personagem que tem um design bem maneiro, mas virou apenas mais uma cabeça flutuante no espaço, tipo o Zordon dos Power Rangers, ou se quiser mesmo revirar o lixo: Galactus e Parallax, dos filmes Quarteto Fantástico e Lanterna Verde, respectivamente. Entendo que são entidades cósmicas e que não tem como vencê-los no soco, mas não consigo aceitar essa solução visual.
Mas não acredite apenas em minhas palavras, se você não assistiu ainda, junte suas economias e veja em IMAX, pois a experiência visual vale muito a pena. Até o 3D, essa “tecnologia” realmente estranha que tentam nos empurrar goela abaixo está incrível.
Por fim, é um ótimo filme que deixa o gosto de “quero mais”, de saber o que vai acontecer daqui pra frente ou só vê-lo fazendo alguma coisa que distorça a realidade com um efeito lisérgico. E como já é uma regra (a fórm… ah, parei), o filme possui duas cenas extras.
A primeira é no meio dos créditos, com o Doutor se inserindo de vez no Universo Marvel entrando em contato com um dos Vingadores, e a que passa depois dos créditos de fato mostra o futuro de um personagem aliado se tornando um vilão. Pra quem acompanha os quadrinhos, não é uma grande novidade, mas é interessante ver que não será subaproveitado.
Em tempo, a presença obrigatória de Stan Lee sempre divertida, aqui é um easter egg a parte. Ele está lendo "As Portas da Percepção" de Aldous Huxley, sobre estados alterados de consciência que abrem a percepção para o infinito, e o próprio Stan Lee ri sobre essa loucura. Então esqueça tudo que você sabe e vá praticar sua visualização de portais!
Finalmente chegou a hora de ver Benedict Cumberbatch na pele do Doutor Estranho!