Crítica do filme Happy Hour
Dá espaço ao teu desejo
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É muito bom ver debates sobre assuntos sérios que conseguem fugir de abordagens já esgotadas. Importante pontuar aqui que debate sério não necessariamente indica uma pauta de relevância social ou que visa uma crítica aprofundada, mas pode ser apenas a discussão de coisas triviais como as dúvidas comuns do coração, que, por sinal, afetam uma parcela gigantesca do público que vai ao cinema. Afinal quem nunca amou, né?
Eis o caso do filme “Happy Hour”, uma produção brasileira-argentina que traz à tona a questão de uniões que são transformadas pela proposição de um relacionamento aberto. Este poderia ser um título dramático, que leva o debate ao extremo, mas os roteiristas optaram por uma abordagem mais light, com direito a um tom de comédia, que garante reflexões, sem perder as chances de arrancar boas risadas.
Temos aqui um protagonista inusitado: Horácio (Pablo Echarri) é um argentino que mora no Brasil há 15 anos, trabalha como professor e tem sua vida virada de ponta-cabeça após deter um bandido num acidente. Como se a vida já não fosse bagunçada o suficiente, ele decide embarcar numa onda de sinceridade, quando percebe que tem desejo por outras mulheres, propondo uma mudança no relacionamento com Vera (Letícia Sabatella).
O que essa história de heroísmo tem a ver com o romance? Talvez não muito, mas a gente está falando de um filme sobre seres humanos, então nem sempre é possível ter um amor de Hollywood – e um pouco de contexto não vai mal. Felizmente, “Happy Hour - Verdades e Consequências” explica os pormenores e vai além ao construir uma dinâmica legal sobre um assunto tão complexo, bem como faz tudo isso de forma engraçada e empolgante.
O amor é talvez o sentimento mais complexo e talvez por isso ele seja tão recorrente em filmes. Com essa busca insaciável por respostas, autores já bolaram todo tipo de argumentos para tentar resolver enigmas dos relacionamentos, mas, no fundo, a gente sabe que sendo algo tão pessoal, o amor não se apresenta como um tema com respostas prontas, por isso tudo sempre é um experimento na telona.
A abordagem da pauta em “Happy Hour” usa como ponto de partida a comodidade de um relacionamento duradouro. A desconstrução do lugar comum se dá com a tomada de decisão de um dos lados para o início de um debate que, por ventura, pode acabar em um relacionamento aberto. Todavia, uma simples linha no roteiro é o pontapé inicial para desdobramentos sem fim na cabeça dos personagens.
A partir disso, o script discute questões sobre (in)fidelidade, as dinâmicas de relações com termos amplos (e tradicionais), bem como os limites entre amor e desejo. Tais divagações ocorrem tanto entre quatro paredes quanto em cenas externas que visam mostrar as (re)ações dos envolvidos nesse novo diálogo. De forma paralela, temos os coadjuvantes com opiniões, exemplos e cenas que complementam as lacunas do tema.
Apesar da intenção em mostrar dois lados, a condução é mais voltada ao Horácio, que não apenas traz o tema para debate, como também vivencia esse lado aventureiro. É bom ver a sagacidade do roteiro em nunca entregar o ouro, então mesmo que tudo pareça claro, é difícil tomar conclusões precipitadas. No fim, alguns podem achar um tanto vago, mas eu vejo que “Happy Hour” não tem resolução simples, tal qual o amor.
Importante mencionar que o sucesso do filme está diretamente ligado à ótima escolha dos atores, que mostram uma química incrível e permitem uma excelente dinâmica graças também a esse mix intercultural. Pablo Echarri é um ator engraçadíssimo e que parece nem precisar se esforçar muito para roubar a cena. Da mesma forma, a querida Letícia Sabatella não fica por menos e acrescenta o drama necessário ao tema.
Agora, tão importante quanto um roteiro inteligente para debater o assunto principal, é a presença de cabeças pensantes para criar uma ambientação propícia para as situações inusitadas do romance. E eis o trunfo de “Happy Hour - Verdades e Consequências”, que mescla as turbulências do relacionamento na confusão do dia a dia, que conta com trivialidades, mas também com surpresas que deixam o filme muito divertido.
Primeiro, a gente tem um personagem bem propício para esse alívio da temática. Horácio é um argentino, que chama a atenção não necessariamente por ser um galã nos moldes americanos (não desmerecendo o ator, que tem boa presença em cena), mas por ser um homem estereotipado, ainda mais para o público brasileiro, que já tem certas considerações aos hermanos.
Ele não é bem um cara mulherengo, mas o filme tenta forçar a característica de forma inerente, até para dar a deixa ao tema principal. Acredito que a dosagem é na medida, garantindo recursos para a trama e ainda adicionando cenas divertidas ao script. Da mesma forma, a fixação do personagem pelo tema do relacionamento aberto cria confusões nos diálogos com sua esposa, que busca sempre desviar do assunto.
Além da narrativa principal, o filme consegue trazer um alívio cômico ímpar ao abusar de recursos narrativos alheios aos protagonistas. A adição de cenas intermediárias (com direito a reportagens televisivas sem pé nem cabeça) aos problemas dos personagens garantem ótimas risadas. E o cenário do Rio de Janeiro, cheio de turistas e atrações famosas ainda permite insistir em piadas sem deixar o ritmo cansativo.
Legal ver que o filme abraça um punhado de pequenas histórias de forma dinâmica. Louvor da direção de Eduardo Albergaria, que tem aqui seu primeiro longa-metragem para cinema e que acerta ao conseguir abraçar reações opostas em uma mesma cena. Da mesma forma, ele se destaca por ter um claro posicionamento de câmera em situações inusitadas, sejam elas constrangedoras ou engraçadas.
O roteiro de quatro mãos também consegue pontuar muito bem todos os temas, sem deixar o ritmo cair. Seja você um fã de comédias ou romances, certamente “Happy Hour - Verdades e Consequências” se mostra uma excelente pedida pra ver no cinema, bem como uma ótima oportunidade para mostrarmos apoio aos filmes nacionais – e com um toque argentino, claro. Bom também pra ter novas visões do amor.
Você toparia um relacionamento aberto?