Crítica do filme Homem-Aranha no Aranhaverso
Quantos Aranhas existem?
“Mais um filme do Homem-Aranha?”, você se pergunta. Sim, e manda mais que tá pouco! Em 2013, a Sony Pictures Entertainment anunciou seus planos para um complexo universo interconectado baseado no herói Homem-Aranha. Entre os títulos planejados estavam: “O Espetacular Homem-Aranha 3” (que nunca aconteceu), “Venom” (que foi um sucesso mas que dividiu a crítica e o público) e o “Sexteto Sinistro” (que ainda não aconteceu, embora o diretor e roteirista Drew Goddard ainda tenha interesse em embarcar no projeto).
Porém, a Sony pegou uma rota alternativa, criando uma parceria com a Marvel dois anos mais tarde para tornar o aracnídeo parte do MCU, com Tom Holland encarnando Peter Parker em “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” e em outros filmes do universo Marvel. Mas então o que “Homem-Aranha no Aranhaverso” tem de tão especial? Com certeza a mesma fórmula de sempre: Peter Parker sendo picado pela aranha, perdendo o tio Ben e assumindo uma vida de combate ao crime. Não exatamente.
Escrito por Phil Lord e Rodney Rothman e dirigido por Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rothman o estúdio conseguiu criar algo incrível: uma história de origem que quebra o molde e mostra que existe sim muitos Aranhas, mas ao invés de negá-los, admitir que cada um está em um universo. É simples e genial a sua própria maneira. Ou seja, existe um Tobey Maguire Aranha, um Andrew Garfield Aranha e assim por diante, cada um em seu respectivo universo.
A trama é focada em Miles Morales (Shemiek Moore), um jovem negro descendente de porto-riquenhos que mora no Brooklyn e que se encontra perdido entre realidades paralelas. E como já deu pra perceber, o filme mostra universos paralelos, mas foca também em questões culturais e bem pautadas na realidade. Miles ama sua vizinhança, amigos e escola, mas seus pais Jefferson (Brian Tyree Henry) e Rio (Luna Lauren Vélez) insistem em mandá-lo para uma escola particular chamada Vision Academy, em um bairro nobre e distante de tudo que ele aprecia.
O garoto é muito inteligente e por isso seus pais querem uma educação à altura, mas apesar de conseguir se destacar nas matérias, se sente totalmente deslocado em um mundo que não é seu. Essa analogia sobre descobrir quem você é e qual seu papel no mundo, tomando toda a responsabilidade que isso acarreta é o que torna a história tão cativante. Mas é após Miles ser picado pela aranha que a coisa começa ficar doida, no melhor sentido possível!
Desde a narrativa até o visual, todo o filme é pautado nas histórias em quadrinhos, obviamente. De forma bem típica para esse tipo de filme, o Rei do Crime (Liev Schreiber) cria uma fenda no espaço-tempo com uma espécie de acelerador de partículas, ganhando acesso às infinitas Terras alternativas, e seus respectivos “Homens-Aranhas”. E por mais absurdo que isso pareça, o roteiro busca fugir um pouco do clichê “tentar conquistar o mundo” para focar em questões pessoais dos personagens, sobretudo os vilões.
O que nos leva a Peter Parker (Jake Johnson), o homem aranha “original”. Ele aparece na vida de Miles como um mentor, para ensiná-lo sobre seus novos poderes e o que significa ser um herói. Mas logo isso é deixado de lado, já que fica claro que apesar das semelhanças aracnídeas, são as diferenças que tornam cada “Ser-Aranha” importantes para seus respectivos universos. A cada novo personagem introduzido, uma resumo de sua história é contado. Peter, já é bem mais experiente, tem problemas com sua vida pessoal e toma uma atitude derrotista perante a vida de heroísmo, inclusive descuidando da forma física. Ele vê em Miles o potencial que o levou a ser o Homem-Aranha, mas entende que será impossível ensiná-lo, já que ele deve descobrir por conta própria seus poderes e responsabilidades.
O protagonista é Miles, mas todos os outros Aranhas tem seus momentos para brilhar, especialmente nas cenas de ação. Spider-Gwen (Hailee Steinfeld) é a que tem o arco de história mais interessante, por isso mesmo será a próxima protagonista na sequência desse filme. Ela vem de uma realidade onde Gwen Stacy é picada pela aranha e Peter morre, o que faz a Mulher-Aranha se fechar e evitar fazer novas amizades desde então.
Temos ainda Spider-Man Noir (com a voz de ninguém menos que Nicolas Cage), um Aranha baseado no cinema noir e revistas pulp, com um tom mais sério e investigativo. Felizmente a animação é bem descontraída e sabe aproveitar todas as piadas possíveis a respeito de seus personagens, como o fato dele ser em preto e branco e não entender cores.
Outro exemplo é o famigerado Porco-Aranha ou Spider-Ham (John Mulaney), inspirado em desenhos animados como Looney Toons, jogando bigornas nos seus oponentes e retirando objetos enormes dos bolsos. Poderia destoar totalmente do filme, mas adiciona uma dose extra de humor em uma animação que já é divertidíssima.
Para completar o time, a inusitada Peni Parker (Kimiko Glenn), que tem um estilo anime, ao lado de seu leal companheiro robô SP//dr, provando que não há limites para possíveis versões alternativas do aracnídeo. Por mais que o filme conte que você já saiba previamente “o que é um Homem-Aranha”, ainda existe espaço para boas surpresas e o frescor de algo tão popular e amado sendo feito da maneira certa é um presente para os fãs de qualquer mídia em que o cabeça de teia já tenha aparecido,
A cereja do bolo são as cenas de ação, toda a parte da animação se distancia do padrão que já estamos acostumados. Cada frame é uma obra de arte por si só, desde detalhes como o sentido aranha se manifestando pela primeira vez em Miles como um diálogo interno que é representado na tela como um quadro amarelo de histórias em quadrinhos até efeitos da realidade colapsando em uma mistura de 3D e 2D incrível, é visível o cuidado tomado para criação do longa.
Os fãs dos quadrinhos são ainda mais recompensados, pois a sensação é de estar segurando uma hq enquanto assiste. Retícula Benday, balões de pensamento, onomatopéias escritas e até a ilusão de que uma das cores está deslocada, algo bem comum na época das impressões de quatro cores, onde uma das chapas ficava levemente deslocada. Eu gostaria de exemplificar com imagens, mas eu juro que vale a pena ver por conta própria no filme! Infelizmente não é possível pausar a projeção no cinema, porque a vontade é de parar para apreciar os detalhes.
Cada frame dos 117 minutos de filme teve como base uma imagem criada com computação gráfica, que em seguida foi trabalhada e sobreposta por desenhos feitos a mão. O resultado torna cada quadro único que coletivamente transmitem essa estranheza boa, se distanciando da perfeição digital que toda animação busca. Por todo o processo ser bastante trabalhoso, a Sony Pictures Imageworks juntamente com a Sony Pictures Animation precisou reinventar o método contemporâneo de animação para tornar isso viável, criando uma nova linguagem visual e reconstruindo a animação e iluminação do zero.
A maioria dos projetos de animação levam uma semana de trabalho para animar quatro segundos de ação na tela. Em “Homem-Aranha no Aranhaverso”, foi necessário uma semana para cada segundo. A Sony está tentando patentear essa tecnologia e com certeza todo esse processo será mais automatizado ao longo dos anos, o que torna tudo ainda mais promissor.
Para complementar, a trama busca mostrar as particularidades de Miles Morales, desde seu interesse por graffiti, seu Nike desamarrado de propósito até os sons que os jovens gostam. Por essa razão, ao invés de contar apenas com músicas orquestradas, ouvimos também músicos contemporâneos como Post Malone e Swae Lee para haver uma identificação ainda maior com o protagonista e seu gosto musical. A Sony criou playlists no Youtube e você pode ouvir tanto a trilha sonora quanto as músicas clicando nos links.
“Homem-Aranha no Aranhaverso” é inovador, irreverente e dinâmico. Repleto de piadas e homenagens a cultura pop, com um protagonista relevante e uma animação espetacular, é o tipo de filme que vale a pena virar uma franquia, diferente das outras apostas aracnídeas da Sony. O futuro é promissor, e se você já está acostumado com as cenas pós-créditos em filmes de herói, será extremamente bem recompensado. A vontade de aplaudir é grande, mas juro que não fiz isso no cinema.
É o rock das aranha!