Crítica do filme Jogo Perigoso
Ninguém está pronto para este jogo
Parece que Hollywood descobriu uma estante cheia de livros de Stephen King e decidiu fazer todas as adaptações no mesmo ano — o que pode ser muito bom... ou não.
Tudo bem que muito conteúdo do autor é adaptado em forma de curta, mas tivemos dois grandes lançamentos no cinema (“A Torre Negra” e “It – A Coisa”) e, agora, temos a chegada de mais uma história no Netflix.
Sim, estamos falando de “Jogo Perigoso” ou simplesmente “Jogo do Geraldão” (Gerald’s Game, no original). A história é bastante simples, mas o desenrolar pode dar pano pra manga. Após um casamento que caiu na mesmice, Gerald (Bruce Greenwood) decide dar uma apimentada no relacionamento.
A ideia dele é bem simples: passar um fim de semana numa casa isolada com sua esposa Jessie (Carla Gugino) e brincar pesado para reativar o fogo da paixão. Só que, no meio do “vamo vê”, o pobre Gerald acaba sofrendo um ataque cardíaco e o que era para ser um fim de semana romântico pode virar um pesadelo.
Agora, Jessie, algemada na cama, tenta chamar por socorro e encontrar uma saída dessa furada. Todavia, a mente humana pode acabar delirando rapidamente, ainda mais quando o sono, a sede, a fome e visões começam a atrapalhar o senso de realidade. Os perigos são inúmeros quando a vida parece estar próxima do fim.
Bom, é bem possível que você esteja questionando a qualidade deste filme, haja visto que vários títulos cinematográficos provenientes das histórias de King são arduamente criticados por conta de adaptações pouco compatíveis com a criatividade do escritor ou mesmo em termos de produção.
Assim, o primeiro recado é o seguinte: “Jogo Perigoso” é um filme humilde em sua essência, o que implica em simplicidade nas premissas do roteiro e, consequentemente, na transposição dos elementos textuais para a telinha. A história é centrada na casa de campo e nas redondezas, então não espere ver muito mais do que boas cenas num quarto caloroso.
Aliás, muito legal ver como o roteiro consegue amarrar bem as pontas numa situação que não parece ser tão complexa de resolver. Parte da substância aqui está no mundo real, nas tentativas de encontrar uma saída fácil. Contudo, é claro que o longa-metragem vai além dos simples fatos e mergulha no relacionamento dos personagens para levar a história adiante.
Ainda que a química entre os protagonistas não dure muito, os dois personagens têm bom entrosamento, o que é primordial para o restante da trama. Os dois atores desempenham muito bem e se mostram ainda mais dedicados em cenas posteriores que exigem mais vigor para diálogos intensos.
O destaque, é claro, fica para Gugino. Apesar de alguns primeiros passos fracos, a personagem principal é muito bem construída e dá espaço para a atriz revelar suas múltiplas facetas. Um bom trabalho com muita expressividade, que leva a ajudinha do time de maquiagem e de efeitos.
Agora, o mais legal em “Jogo Perigoso” é ver a mudança de tonalidade da película. O filme sai do quarto convencional preenchido pelo romance e leva o espectador para um ambiente sombrio, repleto de possibilidades para deixar a mente perturbada. É na fronteira entre o real e o imaginário que o filme consegue prender a atenção do espectador.
É nas brincadeiras com a perspectiva da protagonista que o filme tem seus acertos. Ao mesmo tempo em que a consciência vai perdendo sua lucidez, somos levados para divagações, que parecem tão reais a ponto de nos confundir sobre a veracidade dos fatos. Seria tudo uma grande pegadinha? Um pesadelo pode acabar tão rápido?
Parte do mérito fica para o diretor e roteirista, Mike Flanagan. O cineasta já se mostrou ousado ao transitar em propostas que vão do suspense tradicional, passando pelo terror convencional (como em "Hush: A Morte Ouve") até chegar num tom mais psicológico. Aqui, ele divide o roteiro com Jeff Howard, com quem já trabalhou em outros filmes como “O Sono da Morte” e “Ouija: Origem do Mal”.
Aos poucos, a trama bem desenvolvida ganha inúmeros desdobramentos, que tanto dão esperança ao rumo das coisas quanto ajudam a explicar os segredos da protagonista. Todavia, o mergulho no subconsciente pode ser profundo e revelar bem mais do que você pode imaginar.
Assim, com essas cartas na manga, o filme arrebenta as correntes de um suspense raso e nos leva a tatear no escuro para conhecer alguns truques mais obscuros da mente. Uma ótima pedida para quem é fã do rei ou simplesmente quer ver um suspense com uma pegada diferente.
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