Crítica do filme Na Quebrada
Até que ponto seu passado determina seu futuro?
Estive mais desconfiado que de costume durante o último final de semana ao acompanhar a intensa divulgação da estreia do filme “Na Quebrada” dentro da programação da Rede Globo. Toda aquela falação se justificou quando soube do envolvimento do apresentador Luciano Huck e a atuação do ator Felipe Simas, que compõe o elenco de Malhação.
O conteúdo do trailer me deixou na expectativa em conhecer o trabalho que promete compromisso com a vida de quem mora na periferia de São Paulo. Embora seja o apresentador tão hábil na prática da caridade semanal em troca de audiência, o longa não chama a atenção pela assinatura de Luciano na produção, mas por explicitar uma função social ainda pouco convencional que o cinema pode exercer.
Zeca é o personagem que mais aparece na trama, já conhecido de quem assistiu ao curta-metragem “Cine Rincão”. Baseado na vida de Paulo Eduardo, que aos quinze anos foi baleado na região onde morava em Osasco, sobreviveu ao tiro no peito e graças ao projeto teve a oportunidade de construir seu destino como editor de cinema.
Dois filhos do rapper Mano Brown atuam de maneira significativa: Jorge Dias interpreta Gerson, o vizinho e melhor amigo de Zeca, que foge da herança deixada por seu pai no envolvimento com o crime organizado; e Domenica Dias, no papel de Mônica, que decide fazer um documentário sobre sua família composta por pessoas com deficiência visual.
O relato da mãe cega de Mônica é o trecho que considero o mais inspirador, especialmente por dar a entender que a visão nem lhe faz falta. Ela transmite completude e independência, sabendo se virar em todos os trabalhos e tarefas cotidianas, sem que a criação dos filhos fosse prejudicada.
Enquanto isso Joana (Daiana Andrade) traz para o enredo o ponto de vista de quem vive sem o apoio da família, passando a infância num abrigo e aguardando a fila de espera pela adoção. E Júnior (Jean Luís Amorim) é o encarregado dos diálogos mais engraçados do filme, sendo desde pequeno tão azarado ao lidar com equipamentos eletrônicos.
Independente do horário da sessão que você escolha para assistir esse filme, é bem provável que em quase nenhuma poltrona estejam sentadas pessoas oriundas das regiões mais periféricas de sua cidade. Esse problema do acesso à cultura é diretamente relacionado à falta de oportunidade que se reproduz na violência presente nos grandes centros urbanos.
Até que ponto o passado pode determinar o futuro é a dúvida colocada logo nas primeiras cenas, escancarando a intenção do enredo. Por meio dela, a mensagem que se tenta passar é a de que as pessoas que vivem à margem da sociedade precisam deixar de serem encaradas como se estivessem condenadas à miséria, mesmo aquelas que se envolvem com a criminalidade. Afinal, nem toda escolha é viável para quem vive cotidianamente ameaçado.
O acontecimento mais simbólico foi o tiroteio que ocorreu do lado de fora da exibição do Cine Rincão, enquanto crianças e moradores da região estavam concentrados no filme. A maldade ficou nitidamente do lado de fora, longe dos olhares de quem tinha algo melhor para ver.
Fernando Grostein Andrade é conhecido por ter dirigido “Quebrando o Tabu” (2011), um importante documentário que colabora para o debate em torno do fracasso da Guerra às Drogas. Esse histórico influenciou no caráter levemente documental do filme Na Quebrada, que conta a história de cinco ex-alunos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.
Sob o aspecto metalinguístico do filme que fala sobre fazer filme, a obra tem tudo para ser enriquecedora. Mas tropeça no equívoco que demonstra quão vertical é sua construção, já que os encarregados pela produção não são os próprios alunos do projeto. É aqui que considero impossível se ater à avaliação dos aspectos técnicos, quando a difusão de iniciativas que colaboram para a transformação social poderia caracterizar mais a proposta.