Crítica do filme Na Quebrada

Até que ponto seu passado determina seu futuro?

por
André Luiz Cavanha

23 de Outubro de 2014
Fonte da imagem: Divulgação/
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Tempo 🕐 4 min

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Estive mais desconfiado que de costume durante o último final de semana ao acompanhar a intensa divulgação da estreia do filme “Na Quebrada” dentro da programação da Rede Globo. Toda aquela falação se justificou quando soube do envolvimento do apresentador Luciano Huck e a atuação do ator Felipe Simas, que compõe o elenco de Malhação.

O conteúdo do trailer me deixou na expectativa em conhecer o trabalho que promete compromisso com a vida de quem mora na periferia de São Paulo. Embora seja o apresentador tão hábil na prática da caridade semanal em troca de audiência, o longa não chama a atenção pela assinatura de Luciano na produção, mas por explicitar uma função social ainda pouco convencional que o cinema pode exercer.

Cinema pra quê?

Zeca é o personagem que mais aparece na trama, já conhecido de quem assistiu ao curta-metragem “Cine Rincão”. Baseado na vida de Paulo Eduardo, que aos quinze anos foi baleado na região onde morava em Osasco, sobreviveu ao tiro no peito e graças ao projeto teve a oportunidade de construir seu destino como editor de cinema.

Dois filhos do rapper Mano Brown atuam de maneira significativa: Jorge Dias interpreta Gerson, o vizinho e melhor amigo de Zeca, que foge da herança deixada por seu pai no envolvimento com o crime organizado; e Domenica Dias, no papel de Mônica, que decide fazer um documentário sobre sua família composta por pessoas com deficiência visual.

na quebrada principal

O relato da mãe cega de Mônica é o trecho que considero o mais inspirador, especialmente por dar a entender que a visão nem lhe faz falta. Ela transmite completude e independência, sabendo se virar em todos os trabalhos e tarefas cotidianas, sem que a criação dos filhos fosse prejudicada.

Enquanto isso Joana (Daiana Andrade) traz para o enredo o ponto de vista de quem vive sem o apoio da família, passando a infância num abrigo e aguardando a fila de espera pela adoção. E Júnior (Jean Luís Amorim) é o encarregado dos diálogos mais engraçados do filme, sendo desde pequeno tão azarado ao lidar com equipamentos eletrônicos.

Cinema pra quem?

Independente do horário da sessão que você escolha para assistir esse filme, é bem provável que em quase nenhuma poltrona estejam sentadas pessoas oriundas das regiões mais periféricas de sua cidade. Esse problema do acesso à cultura é diretamente relacionado à falta de oportunidade que se reproduz na violência presente nos grandes centros urbanos.

Até que ponto o passado pode determinar o futuro é a dúvida colocada logo nas primeiras cenas, escancarando a intenção do enredo. Por meio dela, a mensagem que se tenta passar é a de que as pessoas que vivem à margem da sociedade precisam deixar de serem encaradas como se estivessem condenadas à miséria, mesmo aquelas que se envolvem com a criminalidade. Afinal, nem toda escolha é viável para quem vive cotidianamente ameaçado.

O acontecimento mais simbólico foi o tiroteio que ocorreu do lado de fora da exibição do Cine Rincão, enquanto crianças e moradores da região estavam concentrados no filme. A maldade ficou nitidamente do lado de fora, longe dos olhares de quem tinha algo melhor para ver.

Quem faz cinema?

Fernando Grostein Andrade é conhecido por ter dirigido “Quebrando o Tabu” (2011), um importante documentário que colabora para o debate em torno do fracasso da Guerra às Drogas. Esse histórico influenciou no caráter levemente documental do filme Na Quebrada, que conta a história de cinco ex-alunos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias.

Sob o aspecto metalinguístico do filme que fala sobre fazer filme, a obra tem tudo para ser enriquecedora. Mas tropeça no equívoco que demonstra quão vertical é sua construção, já que os encarregados pela produção não são os próprios alunos do projeto. É aqui que considero impossível se ater à avaliação dos aspectos técnicos, quando a difusão de iniciativas que colaboram para a transformação social poderia caracterizar mais a proposta.

Fonte das imagens: Divulgação/
André Luiz Cavanha

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