Crítica do filme O Expresso do Amanhã
Uma analogia perfeita do seu mundinho
Vocês não têm noção de como estou feliz em anunciar que o tão aguardado “O Expresso do Amanhã” finalmente vai chegar aos cinemas brasileiros. O que? Você nunca ouviu falar neste filme?
Tudo bem, a divulgação no Brasil talvez não seja tão boa, mas a verdade é que este filme (lá de 2013) gerou o maior burburinho lá fora. Depois de um desentendimento entre o diretor e a distribuidora, o longa-metragem com Chris Evans quase nem chegou às salas dos Estados Unidos.
Então, antes de qualquer coisa, mesmo sem saber do que se trata, dá pra dizer que somos privilegiados por poder conferir esta obra nas telonas. Quer entender o motivo de toda essa história? Acompanhe esta humilde crítica de “O Expresso do Amanhã”, filme amado pela crítica (sim, ele tem 95% de aprovação) e que vem gerando muita discussão entre os espectadores.
Bom, primeiramente, vamos ao que importa. Afinal, qual a ideia deste título? Na história, somos levados a um futuro pós-apocalíptico, depois que uma nova onda de gelo causada por um experimento sem sucesso quase exterminou a vida na Terra.
Neste cenário improvável, os sobreviventes vivem em um trem (daí o nome do filme) chamado Snowpiercer. O veículo transita por uma ferrovia que interliga várias partes do mundo. As pessoas que estão a bordo vivem num sistema um tanto comum, em que os passageiros por classes sociais. Acontece que nem todos estão felizes com a situação e uma revolução pode estar a caminho.
Parece idiota? Bom, a primeira dica é: não julgue um filme pela sinopse ou pelo trailer. Sim, eu sei que em muitos casos as prévias são bem enganosas, mas você pode perder uma grande chance de ver uma obra inteligente por pensar que pode entender tudo com apenas dois minutos de um trailer. Dito isso, vamos ao que interessa.
É inevitável saber alguns detalhes da história de “O Expresso do Amanhã” e não traçar um comparativo direto com nosso mundo. De fato, a ideia é justamente essa. Não importa qual seja o contexto, no fundo, a humanidade acaba caindo na velha história, em que uma parcela vive muito bem e a outra fica na pior. Tem sido assim por muito tempo, não deve mudar tão cedo.
Às vezes, pode ser difícil enxergar o mundo, mas a verdade é uma só: é muito difícil para uma pessoa que está numa situação de conforto enxergar além do próprio umbigo; intervir por algo ou alguém que ultrapasse o seu metro quadrado, então, está fora de cogitação. É nesses casos que surgem as revoluções. Absurdo para os privilegiados, óbvia para os prejudicados.
Neste cenário, acompanhamos Curtis (Chris Evans) mostrando que não é só um rostinho bonito. Ele é o cara que tem um plano para levar os oprimidos até o opressor e, assim, tentar barganhar — ou definir na porrada — uma situação de vida melhor para todos. Para ir adiante, o protagonista desta história tem a ajuda de Gilliam (John Hurt), Edgar (Jamie Bell), Tanya (Octavia Spencer) e outros revolucionários.
Já faz tempo que o esquema está traçado, mas a execução só ganha força quando os ricos raptam duas crianças dos pobres sem dar a miníma explicação. A situação é de confronto, com direito a algumas penalizações que chegam a incomodar a plateia. Como era de se esperar, os primeiros golpes da classe pobre são inúteis e, devido às punições, apenas geram medo entre os fracos.
Na verdade, esta não é a primeira tentativa de acabar com o reinado de Willford (Ed Harris), o criador da locomotiva e responsável pela segregação e todo o regime político dentro do trem. Quem sabe bem das dificuldades é Gilliam, um homem que já passou por outras tentativas frustradas de tomar o controle do expresso. Qualquer semelhança com nosso mundo não é mera coincidência.
Deixando os detalhes do roteiro de lado, vamos ao que interessa: o porquê de “O Expresso do Amanhã” ser um filme tão foda. Adiantemos aqui que não dá pra curtir o filme como uma simples obra cinematográfica, já que tentar argumentar sobre todos os pontos de sustentação do cenário fictício é algo que acaba prejudicando o compreendimento da obra.
O grande xis da questão é: o mundo representado em um trem. E aqui temos de parabenizar o diretor e roteirista Joon-ho Bong (cineasta coreano que vale acompanhar) e o corroteirista Kelly Masterson. Adaptando a história original das graphic novels de Jacques Lob e Jean-Marc Rochette, esses dois conseguiram transportar o essencial de uma analogia impressionante para as telonas.
Pode ser que nem tudo fique evidente logo de cara, mas no decorrer do script tudo vai se encaixar e, no fim da projeção, você vai ficar boquiaberto com as conexões entre ficção e realidade — fora alguns tapas na cara. A ilustração é clara e mostra o mundo estruturado por líderes canalhas, mantido por milícias cegas, ordenado por peões de um tabuleiro de xadrez, ocupado por diferentes classes e regido por um sistema fajuto.
Essa representação fica ainda mais interessante por conta do elenco, que é muito competente. Chris Evans pode ser o herói novamente (e torçamos para que ele ajude a alavancar os números de bilheteria), mas ele é comprometido com a história e faz o filme acontecer sem precisar tirar a camiseta ou arranjar um par romântico. Tilda Swinton, Octavia Spencer e John Hurt também colaboram com o desenvolvimento da trama, dando força à mensagem que deve ser transmitida.
Com um time desses e uma execução primorosa, que conta com cenas bem inteligentes, “O Expresso do Amanhã” ganha as mentes mais atentas e os corações revolucionários. Esta é uma obra de ficção bem ligada ao seu mundo e espero que ela possa gerar debates sobre esta locomotiva imparável. Às vezes, um olhar mais atento à neve pode ser suficiente para vermos um novo rumo para a humanidade.
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