Crítica do filme Os Amigos

Saudáveis reflexões sobre o amor e a amizade

por
André Luiz Cavanha

01 de Dezembro de 2014
Fonte da imagem: Divulgação/
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 4 min

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Música e filosofia fazem parte não só da formação acadêmica, mas também das reflexivas composições cinematográficas de Lina Chamie. Seu primeiro longa, lançado em 2001, narra três dias na solitária vida de um dedicado clarinetista e repercute a musicalidade logo no título: “Tônica Dominante”.

As ideias seguem no ritmo intenso do ambiente urbano em “A Via Láctea”, representante do Brasil no Festival de Cannes em 2006 que mostra como a viagem pelas ruas da cidade de São Paulo, sempre tão caóticas quanto a disposição desordenada das estrelas no firmamento, é capaz de inspirar a compreensão do amor e importantes questões existenciais. 

Em 2012 ela ficou responsável pela criação do documentário “Santos, 100 Anos de Futebol Arte”, que explica a trajetória do clube a partir dos relatos dos mais importantes jogadores envolvidos em um século de história. E em 2013, o documentário “São Silvestre” expôs a sensação de participar da maior corrida a céu aberto da América Latina.

Agora em 2014, “Os Amigos” dá literalmente continuidade à pulsação por entre os altos prédios da maior cidade do país. Logo na primeira cena a câmera mantém o foco em direção à janela com vista para a imensidão dos amontoados de concreto que pintam de cinza a paisagem da capital paulista. Téo (Marco Ricca) acorda e contempla o nascimento do dia em que precisará ir ao velório de seu melhor amigo na infância.

os amigos ibagen

Essas 24 horas aparecem novamente na obra de Chamie como uma unidade de tempo fracionada em acontecimentos corriqueiros, mas que introduzem debates íntimos de extrema intensidade sob o ponto de vista existencial. Do simples preparo do café ao olhar para o nada nas primeiras horas do dia, temos as figuras surgindo em pleno vazio de significado e que vão ganhando forma. Assim ocorre com tudo o que a cineasta produziu até hoje, amontoando acontecimentos variados em períodos curtos.

Simultâneo ao luto e contrastando a tristeza com um pouco de descontração, a amiga Majú (Dira Paes) insiste na ideia de arranjar namorada para Téo. Trata-se de outra amizade que teve início nos tempos de criança e que se perpetuou com o passar dos anos por meio de laços bem íntimos que se expõem na liberdade que ela tem de pronunciar os mais atrevidos comentários. A relação entre amor e amizade é desenvolvida nessa forte ligação entre os dois, sem que necessite de spoiler para saber como se dará o desfecho.

Ainda quanto à questão do tempo, o desenrolar da história é frequentemente interrompido por lembranças da infância que fluem em trilha sonora de música erudita cuidadosamente escolhida para cada situação. Crianças encenam a épica Odisseia num enredo paralelo que coincide os desafios encarados por Ulisses em comparação com todas as dificuldades cotidianas de quem mora nessa imensa cidade.

Sem se restringir de modo egoísta aos anseios íntimos dos personagens, o aspecto social é colocado sutilmente nas dificuldades que a empregada doméstica de Téo enfrenta no transporte público, em contraste ao conforto de quem vive se deslocando de carro pela capital. Ser pobre em uma cidade tão grande demanda mais perseverança que a de um herói homérico!

E falando em herói, o episódio mais engraçado ocorre quando o protagonista vai até a loja de brinquedos para comprar o presente para o aniversário de um dos filhos de Majú. Perdido entre as prateleiras, Téo põe fim à indecisão com a ajuda de um menino que brota inesperadamente explicando o que define o caráter do Super-Man, Batman, Homem-Aranha, Homem de Ferro e Ben 10, dando mais atenção às características psicológicas e competência com que cada herói lida com a vida afetiva, sem ligar para seus superpoderes.

Apesar do teor fúnebre e da nostalgia em determinados trechos, Os Amigos consegue ser leve e colorido nas intervenções que personagens infantis usam para preencher espaços sem deixar brecha para a solidão e o silêncio. Para isso são fundamentais as cores e as brincadeiras que ludicamente dão sentido e esperança à vida após a trágica perda.

O único ponto negativo talvez seja a forçação na complexidade de alguns diálogos que soam pouco espontâneos entre Téo e Majú ou nas falas de algumas crianças. Essas conversas, embora ricas em referências literárias, carregam excessiva densidade filosófica e são trabalhadas com certo descuido do ponto de vista da linguagem. Mesmo assim, o resultado final é maravilhoso e vale muito a pena ser conferido.

Fonte das imagens: Divulgação/
André Luiz Cavanha

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