Crítica do filme Pi
Darren Aronofsky em plena genialidade
Pi (1998) é “Darren Aronofsky na veia”, ou seja, em sua melhor forma e, sobretudo, com pouco dinheiro. Orçado em 60 mil dólares e com lucros acima de 3 milhões de dólares, “Pi” é uma produção de thriller psicológico. Com pouco recurso e muita técnica de montagem, Aronofsky encanta com o mesmo estilo que influenciaria o seu maior clássico seguinte, “Requiem para um sonho” (2000), em cortes rápidos e linguagem de videoclipe que marcam a rotina dos personagens na trama.
No caso de Requiem, os cortes rápidos e cíclicos marcam o uso de heroína, em PI, marcam os momentos que Max se vale diariamente de barbitúricos. Esses signos marcam o ciclo de loucura dos personagens ao mesmo tempo que transformam a narrativa enquanto o plot evolui para finais marcantes.
Em “Pi”, é Sean Gullette quem interpreta Max Cohen, um gênio que busca um modelo matemático que preveja o futuro (especialmente da Bolsa de Valores) a partir da combinação do Pi, com a sequência Fibonacci e a Cabala judaica. Em suma, é a partir desse caldeirão de Arquimedes, Fibonacci e a Geometria Sagrada do Retângulo Áureo que essa supermente irá mergulhar em uma obsessão do início ao fim.
Na trama, o segredo da sequência completa do PI, dentro do computador de Cohen, o fará ser alvo até mesmo de interesse do serviço secreto americano e de uma seita hassídica judaica que pregava o segredo do Pi como forma de poder para prever o futuro.
Max Cohen é influenciado pelo seu mentor e ex-professor, interpretado pelo grande Mark Margolis (ele mesmo, o Salamanca de Breaking Bad), a observar as leis da natureza e a dimensão circular e infinita presente nas folhas e nas conchas do mar. Ele busca desvendar um padrão matemático (ou uma constante) para o número Pi, ou seja, uma racionalização plena a partir de um número irracional, o qual produz uma sequência infinita de números após a vírgula.
A partir do momento em que o supercomputador de Max encontra esse padrão finito, a máquina toma consciência de si mesma e, entre aspas, morre. Ao queimar seu processador na incrível tarefa de encontrar esse padrão, Cohen passa a viver entre a paranoia da loucura e um embate com forças locais, como os investigadores de Wall Street, que pretendem financiar um novo processador para que ele encontre padrões na bolsa de valores.
Com ajuda de uma seita hassídica, Max consegue cruzar o valor do Pi com os números Fibonacci, desvendando que o círculo é a forma universal perfeita: uma constante no PI capaz de prever até mesmo as flutuações da bolsa de valores.
Entre uma obsessão matemática e uma solução para os males da humanidade
No decorrer do filme, vemos que signos como o “conhecimento matemático” ou a “crença na Cabala” são figurativizados em outras formas, como poder e controle da bolsa de valores, de forma que esse poder investido dá a força suprema de controlar o capitalismo reinante. Na mesma direção em que o poder do controle da previsão do câmbio financeira surge, a loucura é outro signo que acompanha a mente atormentada de Max, pois a insanidade é inserida na trama, em torno da paranoia e da teoria conspiratória que aparecem na relação entre Cohen (não sabemos se real ou imaginária) e os interesses maiores de Wall Street.
Recheado de referências à mitologia e a história da matemática (mito de Dédalo, Arquimedes, Euclides, Geometria Sagrada, Cabala), com elementos de paranoia e thriller de suspense, “Pi” é a primeira produção de Aronofsky a ter boa repercussão da crítica e a receber prêmio de melhor filme do Festival de Sundance, entre outras premiações em 1998. Após esses mais de vinte anos, vemos que o filme não envelheceu mal, seja pela temática de teoria da conspiração (mais a boa e velha matemática clássica), seja pela direção criativa. Sobre esse aspecto, não é preciso dizer que Darren Aronofsky consegue, de fato, tirar “leite de pedra”.
Orçado em incríveis US$ 60.000 dólares (sim, 60 mil doletas), o filme “Pi” conseguiu arrecadar mais de $3.000.000. Podem achar pouco, mas, em virtude de ser um filme experimental, faturou bastante. Digo experimental, porque a própria característica de filmagem, em preto e branco, sobretudo em alto contraste, foi uma escolha corajosa do diretor (além dos parentes que atuaram no filme).
Mais do que os efeitos de saturação e contraste, claramente presentes no filme todo, o que me encanta em Aronofsky é que podemos esperar sempre uma montagem criativa, com poucos recursos, no entanto, com ponto de vista também subjetivo que nos faz entrar na cabeça do protagonista Max (acrescido de uma trilhada sonora ora de atmosfera, com efeitos de baixo, ora com um Trap acelerado). Por exemplo, a montagem em looping presente em Requiem para um sonho (quando os personagens se drogam), já estava presente em “Pi” quando Max entra no modo loucura, a tomar remédios frente ao espelho do banheiro, a fim de ativar o modo paranoia, imaginando até uma furadeira enfiando na sua cabeça.
Em suma, o filme organiza muito bem os signos que dizem respeito à padronização do universo e um possível poder matemático que prevê exatamente como as coisas podem ser a partir de um padrão exato, como a espiral de Fibonacci, que pode ser encontrada inclusive na natureza, como nas folhas, frutos e nos caracóis dos oceanos. Ao final, concluímos que o PI é um paradoxo: é um número irracional construindo uma racionalidade suprema.
Se eu fosse 10% do Ryan Gosling, tava bom! Levi Henrique Merenciano é linguista e semioticista, aficionado por cinema e games. É dono do canal Cinessemiótica, página especializada em indicação de filmes cults, documentários e lançamentos.