Crítica do filme Rainha de Katwe

Todas as cores do mundo

por
Lu Belin

04 de Dezembro de 2016
Fonte da imagem: Divulgação/Walt Disney Studios
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 6 min

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Era uma vez, uma menina simples que vivia em uma região muito pobre da capital da Uganda, Kampala. Um belo dia, ela descobriu um jogo que ampliou seus horizontes e a levou por várias aventuras por um mundo encantado, muito além das fronteiras do seu bairro, da sua cidade, do seu país.

Podia ser roteiro de filme da Disney, né? E é. "Rainha de Katwe", uma produção do império de Walt Disney, conta a história da jovem ugandesa Phiona Mutesi, que nasceu na comunidade periférica de Katwe e que, por meio de um projeto social e do trabalho de um professor muito atencioso, conheceu o Xadrez.

Phiona foi uma das mais jovens enxadristas do mundo a chegar a uma olimpíada do esporte. Com apenas 14 anos, ela competiu na Rússia, em 2010. Desde então, segue se destacando em torneios nacionais e internacionais, alcançando posições com as quais jamais sonharia.

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Dirigido pela cineasta indiana Mira Nair e com roteiro de William Wheeler ("Ray Donovan", "O Vigarista do Ano"), o longa-metragem é baseado em um artigo e em um livro sobre Phiona, ambos escritos pelo autor Tim Crothers. Foi essa equipe aí a responsável pela "cinderelização" da história de Phiona, contada sob um olhar multicolorido.

Um xadrez nada preto e branco

Embora seja montado sobre  uma série de alusões e referências a este jogo de tabuleiro, "Rainha de Katwe" não tem nada de monocromático. Em um trabalho belíssimo, a galera da produção soube ir buscar todas as cores vivas, fortes e vibrantes típicas dos países africanos.

A fotografia do filme é linda e incrivelmente multicor. Por meio do contraste  e de tons gritantes, "Rainha de Katwe" utiliza uma paleta de cores quentes que transmite todo o calor humano presente no dia a dia e nas relações humanas do povo retratado na história.

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É muito por meio das cores que o longa consegue mostrar o lado alegre de um povo que consegue enxergar motivos para sorrir e se sentir abençoado onde muita gente só vê miséria. Essa é a vantagem, e também o Calcanhar de Aquiles do filme.

Explico: a história de Phiona é emocionante, é uma história de superação. E, como tal, obviamente nos mostra momentos muito tristes, difíceis e emocionantes, mas nem sempre o filme consegue levar às lágrimas. Vai depender, em grande parte, do quanto histórias como esta são capazes de te sensibilizar.

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E a culpa disso é muito da trilha sonora. Apesar de começar muito bem, explorando toques e sons típicos, músicas locais e batuques animados, o longa deixa de aproveitar a sonoridade pra arrancar um choro mais soluçãdo do telespectador. Se isso é um problema e prejudica a experiência? De forma nenhuma.

"Rainha de Katwe" tem uma série enorme de pontos positivos, sendo o principal deles o fato de ter sido composto majoritariamente por pessoas negras no elenco. 

Você vai dizer "ah, mas era um filme sobre um país africano, não tinha como ser diferente" e aí, gente, pelo amor de deus, né, não sejamos inocentes.

Primeiro que o continente é enorme e tem gente branca lá, vá pesquisar. Segundo, que Hollywood já se provou mais do que capaz de branquear qualquer personagem e eu não duvido nada que, fosse uns anos trás, Phiona seria encarnada por uma animadíssima Kristen Stewart ensebada. Representatividade importa, então ponto pra essa galera.

A alma do filme

Não é só porque o filme é baseado em uma história essencialmente humana, mas a força das pessoas dentro de "Rainha de Katwe" é enorme também por conta dos atores.

Lupita Nyong'o está arrasadora no papel da mãe de Phiona. Nakku Harriet é uma personagem forte, porém sensível. Destemida, capaz de fazer tudo o que é preciso para garantir o sustento e a felicidade dos filhos, ela é a espinha dorsal da história contada no filme. E Lupita incorpora isso de uma foma incrível.

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Mas não é ela a estrela dessa produção. Madina Nalwanga é uma confusa, curiosa e cheia de dúvidas Phiona Mutesi. A ingenuidade com que a personagem vai descobrindo todo um novo universo e os conflitos que surgem com isso são bem expressados pela atriz, que parece ter sido muito bem dirigida. Conhecendo outros universos, o referencial muda, os parâmetros também, e aí mediante disso é natural que se comece a questionar a realidade em que vive.

Além das duas, o arco principal do filme se fecha com o ator David Oyelowo na pele do professor/técnico Robert Katende, que inclusive é super parecido com o homem na realidade.

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Mas além das competentes atuações desse trio, é nas crianças que reside a alma desse filme. Os pequenos Mugabi Brian (Martin Kabanza), Lubega Benjamin (Ethan Nazario), Gloria (Nikita Waligwa) e o pequeno Richard (Nicolas Levesque, Ivan Jacobo) arrasam na atuação e no improviso e encantam o público na maior vibe Chiquititas/Carrossel.

The small one becomes the big one

Se, por um lado, a união de toda essa criançada com uma boa dose de lições de moral e de resistência, dão o tom do roteiro ao maior estilo Disney [unidos venceremos, vai dar tudo certo no final], por outro, "Rainha de Katwe" falha em, mais uma vez reforçar, uma série de estereótipos de meritocracia, superação em meio ao impossível como se fosse simples, entre alguns outros clichês.

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Mas não dá pra pedir tanto, né? Pelo menos o longa-metragem traz uma mensagem bonita de diversidade, de esperança e, o mais importante, de representatividade. Phiona é uma verdadeira princesa Disney live action modernizada - sem o vestido e a coroa e o príncipe. É uma bela protagonista feminina que tem sua história contada a partir da capacidade intelectual, do esforço, do esporte - não da beleza e do parceiro romântico, como tanto acontece. Só isso já é um grande avanço.

É uma pena que a produção tenha sido tão pobremente divulgada. Na maioria das cidades brasileiras, ficou muito pouco tempo em cartaz e obviamente não teve todo o alcance que, como um filme da Disney, poderia obter. Mas só o fato de termos uma história como a de Phiona contada no cinema, em uma produção feita quase que integralmente com atores negros, já é uma grande vitória.

Fonte das imagens: Divulgação/Walt Disney Studios

Rainha de Katwe

Onde os pequenos podem se tornar os grandes

Diretor: Mira Nair
Duração: 124 min
Estreia: 24 / nov / 2016
Lu Belin

Eu queria ser a Julianne Moore.