Crítica do filme Tenet
Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos
Aviso: se você está aqui em busca de uma conclusão simplificada para "Tenet", é provável que você saia da página do mesmo jeito que entrou. Esta não é apenas uma crítica sobre a nova obra de Christopher Nolan, mas uma análise do que entendemos como cinema e o porquê da dificuldade na aceitação de obras que fogem do padrão de Hollywood.
Eu já escrevi centenas de críticas. Muitas são produzidas mentalmente antes mesmo de eu sair do cinema. Outras levam um período de tempo razoável para serem finalizadas. Algumas são publicadas e, mesmo devidamente polidas, não conseguem abranger toda a minha interpretação de uma obra.
Minhas análises das produções de Christopher Nolan certamente se encaixam nesta última categoria. Não que o conteúdo fique inacabado, sabe? Contudo, abordar temas complexos que nem foram decifrados pela ciência ou que tentam simular grandes paradigmas é algo de tamanho complexidade que pode resultar em textos presos em loops temporais.
O ponto é: como sintetizar tantas ideias elaboradas de uma trama tão complexa, a qual não pode ser definida numa sinopse? E mais: como criticar um emaranhado de conceitos sem chegar ao ápice da epopeia? Impossível. Tanto que eu nem sequer vou tentar entrar nos desdobramentos da trama. Definitivamente não.
A verdade é que após tantos filmes aclamados e com uma reputação marcada apenas por infindáveis elogios, Christopher Nolan parece ter chegado num ponto de sua carreira sem volta. Para o cineasta, não basta mais levar medalha de ouro. Ele quer seu lugar no Olimpo hollywoodiano. E isso é o que o público espera dele: genialidade sem precedentes.
Uma carreira agora orientada pela perseguição dos temas mais inusitados e jamais concebidos por qualquer outra mente. Isso exige do cineasta uma revolução em roteiro e em direção. Ele definitivamente entrega algo de um nível surpreendente em "Tenet", talvez para agradar os cinéfilos mais exigentes, mas até que ponto vale a viagem pelo inexplorado mundo de ideias?
Será que os infinitos desdobramentos de "mindblowing" (que eu traduzo livremente aqui como doideira) levam a alguma posição privilegiada? Afinal, seria o cinema uma forma de entretenimento ou de exploração do inimaginável? Vale a pena divagar tanto a ponto de cansar o espectador pelos diálogos intrincados e os conceitos mais difíceis de sumarizar?
Eu acho que não há respostas definitivas para nenhuma dessas perguntas. E se tem alguém que não precisa se preocupar com nada disso é Christopher Nolan. Todavia, é inegável que seus filmes cada vez mais viajados devem ter duas consequências inevitáveis: mais fãs pedindo criações que demandam muito mais do intelecto, mais críticas - sejam especializadas ou do público em geral - argumentando a complexidade desnecessária que acaba dificultando o entretenimento.
Quando pensamos em filmes enquanto obras de arte, podemos encontrar diferentes propósitos, inclusive é claro retratos de ideias abstratas que podem ter como única finalidade a reflexão sobre o que concebemos como uma realidade. Em casos extremos como o de "Tenet", o roteiro pode se concretizar como genial, mas talvez a duras penas, uma vez que ele priva o espectador do entretenimento clássico em detrimento de uma abordagem aprofundada.
A verdade é que quando há um questionamento de temas impossíveis de serem decifrados, sejam eles sonhos, viagens através de buracos negros ou a exploração de uma inversão no tempo, não há limites para conjecturações. Todavia, scripts desse garbo inevitavelmente soam de forma mais restritiva do que inclusiva.
Às vezes, fazer o espectador pensar pode ser genial, já que o cinema tem esse poder de questionamento e reflexão, mas isso pode ser uma faca de dois gumes. "Tenet" é o tipo de obra que não permite à plateia divagar ou tecer comentários, pois uma frase perdida resulta na perda da linha de raciocínio e aí é frustração na certa.
Importante frisar que o novo filme de Christopher Nolan marca a volta de grandes estreias aos cinemas do mundo afora. Como todas as obras do cineasta, seu mais recente projeto também foi feito para apreciação na telona, onde há uma imersão completa neste mundo de situações impossíveis, em que a ação e a viagem temporal são mais impactantes.
Eu já ouvi muitas pessoas falarem como os filmes prévios do Nolan exigiram mais do que uma sessão para absorsão total dos conceitos. Assim, não tenha dúvidas de que "Tenet" pode requisitar uma segunda ida ao cinema ou a espera do lançamento nos streamings para uma segunda interpretação, mais cautelosa e já pautada nas teorias introduzidas na primeira experiência.
Na trama, acompanhamos a viagem do protagonista (interpretado por John David Washington - e já respondendo sua questão: não, o protagonista não tem nome) por um mundo obscuro de espionagem internacional, armado com apenas uma palavra – Tenet — e lutando pela sobrevivência de todo o mundo em uma missão que se desdobra em algo além do tempo real. Nas palavras oficiais da sinopse: Não é viagem no tempo. Inversão.
Essa frase em destaque marca uma distinção importante a ser notada antes de ver o filme, pois há diferenças entre viagem no tempo e inversão. A meu ver, a viagem no tempo implica no deslocamento de um sujeito através da linha do tempo, seja para o passado ou futuro. Já a inversão consiste na dúvida: e se fosse possível rebobinar a linha do tempo, como um deslocamento no sentido contrário, e não só de pessoas, mas de objetos e situações?
Uma passada rápida no trailer impressiona e, se você é do tipo que fica imaginando os tipos de técnicas empregadas para as cenas, é fácil cogitar o uso de meros truques com cenas em modo reverso, brincadeiras simples que qualquer um pode fazer em poucos cliques num software de edição. Obviamente, não há nada de simples em "Tenet", afinal se há alguém empenhado em fazer diferente e impressionar visualmente, esse alguém é Christopher Nolan.
É algo de dar nó a forma como Nolan pensou a direção e também a composição na pós-produção. Mesmo que algumas cenas possam ser coreografadas em reverso, isso exige um grande talento por parte dos atores. No entanto, há momentos que definitivamente exigem muito mais do que embromações. E aí é que entra a genialidade da parada. Mesmo que a história não te convença, ou que você fique perdido, o simples fato de ver esses efeitos já vale cada segundo de projeção.
Aliás, observação pertinente: assim como em outros projetos, Christopher Nolan parece ter alguns desafios próprios em seus filmes, truques de grandezas inusitadas, como tombar um caminhão numa rotação quase impossível (como ele fez em "Batman - O Cavaleiro das Trevas"), explodir um avião no ar ou coisas do tipo. Então, se você gosta de ver coisas absurdamente impossíveis, certamente "Tenet" tem muito a oferecer em termos de cenas impressionantes.
Em questão de elenco, Nolan ainda resiste em figuras carimbadas como Michael Caine (sem reclamações, apenas um apontamento mesmo), mas o que vale são os novos protagonistas, principalmente com John David Washington no comando do personagem principal. Washington é simplesmente magistral em sua performance, de uma pompa que chega quase a ser um James Bond nas maluquices temporais. Ótimo de diálogos, coreografias e feições. Certamente, o ponto alto do filme!
Essa renovação do protagonista existe em muitos filmes do cineasta e não tenha dúvidas que sua equipe acertou em cheio ao escalar a estrela de "Infiltrado na Klan" junto com Robert Pattinson, que amadureceu muito em sua carreira e entrega uma atuação poderosa. Outros nomes como Aaron Taylor Johnson, Kenneth Branaghm, Elizabeth Debicki e Clémence Poésy também contribuem de forma generosa para o bom andamento dos diálogos, parte fundamental para entender as nuances da história.
Outro aspecto de suma importância como em todos os filmes de Nolan é a trilha sonora muito bem orquestrada. E não digo por ser conduzida por uma orquestra, mas por ser um ponto de apoio para o andamento da trama mesmo. Os sons impactantes, com muitas freadas e aceleradas, com variações abruptas, distorções, sintetizadores de profundidade e uma pegada muito eletrônica destoam muito do que já vimos nas trilhas de Hans Zimmer, isso porque esse é um dos raros projetos em que não temos Zimmer como compositor.
O nome por trás da brilhante trilha sonora de "Tenet" é Ludwig Goransson, artista que já emplacou outros grandes projetos como a musicalidade de "Pantera Negra" e "Creed 2". Aqui, ele foge totalmente do lugar comum e realmente faz um trabalho que impressiona pela ousadia. Toda música tem uma tonalidade que dá a impressão de que o tempo vai acabar. Um casamento perfeito entre imagem e som. Para quem gosta de ouvir trilhas sonoras, vale conferir o álbum no Spotify.
A pergunta que ninguém fez, mas não quer calar: é o melhor filme do Nolan? Como toda pergunta desse tipo, a resposta reside somente na opinião de quem está responendo e, particularmente, eu não acho que "Tenet" seja o projeto mais completo do cineasta. Talvez, ele seja o mais ambicioso, mas as dificuldades que o filme tem em vender seus conceitos acabam atrapalhando seu sucesso. Um ótimo filme no todo, mas talvez um pouco exagerado no conceito da doideira e até previsível!