Crítica do filme Três Anúncios para um Crime
Grandeza e pequenez andam juntas
O que é um bom filme, afinal? O que uma produção precisa ter para ser considerada "boa"? Difícil dizer, né? Fiquei pensando nisso depois de ter assistido a "Três Anúncios Para um Crime".
Ele traz alguns elementos que em geral me incomodam bastante em produções cinematográficas, mas ainda assim, me ganhou. Me acompanha aqui um pouquinho que eu explico o que acredito que faz de "Três Anúncios Para um Crime" uma produção digna de concorrer - e ganhar - o Oscar de Melhor Filme.
Um crime muito grave foi cometido e continua sem solução. Como uma família faz para seguir em frente com a vida e encontrar paz sem de fato saber o que aconteceu, sem poder responsabilizar alguém?
Em cidades pequenas, com taxas de crimes não muito altas, nas quais os policias estão acostumados ao marasmo e à mordomia, a força policial pode não ter o mesmo tino - e nem o mesmo nível de recursos - para lidar com situações graves, como a do crime que aconteceu em Ebbing, Missouri - cidade que está no título original do longa-metragem "Three Billboards Outside Ebbing, Missouri", que faz mais sentido do que o título usado aqui no Brasil.
São essa ausência de soluções e a busca por um desfecho que fazem Mildred (Frances McDormand) estampar na cara da sociedade que continua ali, esperando desesperada por respostas.
Em seus três outdoors, ela ataca a força policial, personalizada em um personagem específico - o chefe da polícia local, Willoughby (Woody Harrelson). Mas é seu subordinado, o oficial Dixon (Sam Rockwell), que leva a ofensa para o lado pessoal e que vai iniciar com Mildred uma treta pesadíssima para que ela pare de desrespeitar seus parças.
E é justamente nesse tripé Mildred-Willoughby-Dixon que a história toda se baseia, em suas histórias e conflitos pessoais, mas principalmente na atuação majestosa dos três atores, que sustenta a coisa toda. Frances McDormand vai levar a estatueta facinho, tá no papo, e minha aposta para melhor ator coadjuvante está em Rockwell. Não que Woody Harrelson não mereça, sou fã demais do cara e ele está incrível nesse filme. Mas Rockwell surpreende muito no papel que representa aqui.
Às atuações desse elenco incrível - valorizado pelas participações de Abbie Cornish, Caleb Landry Jones, John Hawkes, Lucas Hedges, Clarke Peters e Peter Dinklage - "Três Anúncios Para um Crime" também soma uma fotografia belíssima, com figurino todo afinadinho com a ambientação local e temporal e uma trilha sonora de lascar, que faz todas as cenas ganharem mais vida e mais conexão com o lugar onde tudo acontece.
E, assim como em "Lady Bird - É Hora de Voar", o local em que se passa a história faz sim toda a diferença para que ela seja contada como foi. Em ambos os filmes, boa parte da sagacidade na criação do roteiro - aqui assinado por Martin McDonagh (Sete Psicopatas e um Shih Tzu), que também dirigiu a película - está em justamente dissecar a cultura local das pequenas cidades norte-americanas e evidenciar suas imperfeições, suas contradições e também o que há de mais bonito nas relações cotidianas.
É mais fácil ter o distanciamento necessário para questionar as autoridades quando o rosto da força policial é o de um oficial sério e duro, por quem você não sente nada senão desprezo. Mas, como desafiar com o mesmo tom implacável quando o responsável por investigar um crime que lhe afeta diretamente é um ex-colega de escola, um vizinho querido ou um pai de família e respeitado por todos na cidade?
As famílias desconstruídas, os lares rompidos, as relações de afeto não convencionais, o carinho pelos conhecidos e amigos e os conflitos de classe e gênero... tudo isso está ali e o filme consegue dar um tapa com luva de pelica até mesmo em assuntos como o racismo.
Me agrada muito a forma como o diretor e roteirista conseguiu tratar alguns desses assuntos, embora algumas coisas tenham me incomodado - por mais que algumas delas talvez tenham sido colocadas ali justamente para incomodar. O bom humor e a naturalidade com que se trata o preconceito, como se ele fosse natural e parte da sociedade por direito, é a primeira delas. A segunda é o retrato de futilidade e burrice com que trata algumas das mulheres da história, mostradas como oportunistas e desprovidas de raciocínio, ao mesmo tempo.
Um contraste enorme com a protagonista, que encara o momento da vida em que está vivendo com pulso fime e um controle emocional impressionante, mostrando que, para contar uma história triste, você não precisa necessariamente retratar uma mãe chorando desesperada a perda da filha enquanto toca ao fundo uma música triste.
"Três Anúncios Para um Crime" não é um filme pra fazer você chorar, embora seja um drama. É um retrato imperdível de uma sociedade, de um tipo de crime, da vida como ela é.
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