Crítica do filme Um Amor de Vizinha
Reaprendendo a amar
Filmes de comédia romântica estão entre os mais delicados de comentar, especialmente quando temos dentro de nós aquela implicância com os clichês que se concretizaram como ingredientes fundamentais para definição do gênero. Considero essa introdução necessária, pois percebo que nunca listei certos títulos entre os melhores que assisti e dificilmente demonstraria para as pessoas que esse gênero me agrada.
Há dois motivos para tal recusa: o primeiro é o preconceito que gira em torno do esteriótipo típico do público-alvo dessas produções. O segundo diz respeito às simples soluções para as dificuldades que surgem nos relacionamentos e que frequentemente aparecem nas tramas onde são inseridas muitas expectativas idealistas que alimentamos intimamente. São aspectos que frequentemente me distanciam do gênero, pois é acho chato fazer parte de uma plateia tão previsível e descarto a concepção de que existem formas ideais de se relacionar.
Mesmo assim, penso que nem todo conjunto pode ser analisado ou generalizado por essas questões. Especialmente pela lembrança de trabalhos como o do diretor Rob Reiner, responsável por um dos filmes que mais sinto saudades de assistir: “Harry e Sally – Feitos Um para o Outro”, de 1989 e que foi exibido tantas vezes na TV aberta durante a década de 90.
Agora em 2014, ele retorna com a estreia de “Um Amor de Vizinha” e traz a abordagem diferente dos costumeiros casais jovens que se conhecem e protagonizam histórias de amor com diálogos engraçados. O elenco conta com Michael Douglas e a atriz Diane Keaton interpretando dois vizinhos viúvos que se apaixonam lentamente.
Oren Little é corretor de imóveis e Leah é cantora e se apresenta num pequeno restaurante. Os dois possuem maneiras distintas de lidar com a perda de seus cônjuges. Ele dedica a maior parte de seu tempo em pequenos conflitos com a vizinhança, fazendo comentários sarcásticos e assumindo uma postura rude e antipática até com o cachorro. Ela faz o tipo contrastante: vizinha meiga e simpática, mas raramente controla a emoção quando recorda do falecido marido.
A aproximação dos dois começa quando Oren, sem jeito para cuidar de criança, é obrigado a ficar com a neta. Responsabilidade que acaba sendo assumida também pela vizinha e que muda completamente a rotina de todos.
A versão de Judy Collins da música “Both Sides Now” está logo na abertura e aparece também em outros trechos do filme. Ela é muito gostosa de ouvir e remete ao fim dos anos 60 e início da década de 70, quando vários sucessos folk estavam na moda.
A saudade também está presente nos repertórios apresentados por Leah, embora ela não consiga completar uma canção sem lembrar do falecido marido. Mas aos poucos, com o inesperado apoio de Oren, ela consegue se libertar dessas recaídas que tanto prejudicam seu trabalho. Nesse ponto é válido destacar a atuação da atriz Diane Keaton que cantou muito bem e sem dublar, apesar das músicas serem um tanto piegas.
É comédia romântica, mas não aspira ser diferenciado dentro do gênero. Apesar de certa forma fazer isso por meio de personagens mais velhos, demonstrando que nunca é tarde para se apaixonar e aproveitar a vida após tanto sofrer com a perda. Ponto para o quesito autoajuda!
Porém, “Um Amor de Vizinha” me deixa curioso para entender quão sofrida é a vida de quem espera ansiosamente pela venda de sua casa no valor de 8 milhões de dólares e anda de carro importado nos bairros mais ricos dos EUA. Sem obrigação de problematizar contrastes sociais (mesmo quando há viciados em heroína, personagens literalmente esquecidos e que moram em um bairro pobre da cidade), pois a finalidade é realmente tratar de assuntos mais íntimos e sentimentais de forma divertida.
É incômoda para mim a luxúria que compõe a estética, embora saiba que o espetáculo hollywoodiano precisa ser caro mesmo quando não há com que gastar. Fora que, mais uma vez, o final feliz é sempre o destino de quem segue indiferente às injustiças.