Critica do filme Vice

Isso é tudo “fake news” de esquerdista, talkei!

por
Carlos Augusto Ferraro

30 de Janeiro de 2019
Fonte da imagem: Divulgação/Imagem Filmes
Tema 🌞 🌚
Tempo 🕐 7 min

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Adam McKay criou uma carreira sólida no reino das comédias idiotas. Ao lado de Will Ferrell, parceiro de SNL, a dupla entregou alguns do melhores e mais abusados títulos do gênero, incluindo O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy, Quase Irmãos e Os Outros Caras, e é aqui que as coisas começam a ficar mais interessantes.

É muito fácil classificar a filmografia de McKay como um mero apanhado de piadas de “pinto e peido”, mas com um pouco de atenção podemos observar sua crítica social mesmo dentro da comédia mais absurda. Em Os Outros Caras — comédia de ação policial de 2010 com Will Ferrell e Mark Wahlberg — o diretor faz uma crítica ferrenha ao sistema financeiro estadunidense, mostrando que Wall Street opera no mesmo nível de criminalidade que um esquema de pirâmide à lá Charles Ponzi.

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Ainda em 2013, Adam McKay dirige O Âncora 2: Tudo Por um Furo, outra “comédia ridícula”, na qual ele desfere mais golpes contra a “indústria da notícia” e a mercantilização da informação, navegando pelas fake news. Culminando com A Grande Aposta, filme de 2015 sobre a crise financeira de 2007.

Em A Grande Aposta, McKay provou que é capaz de entregar muito mais do que piadas de gosto duvidoso. Indicado em cinco categorias no Oscar 2016, levando a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado, o filme se camufla com um estilo de “clipe musical” — extremamente ágil e rítmico — para explicar as minúcias da intrincada estrutura financeira estadunidense que colapsou em 2007. O elenco recheado de estrelas e a estrutura dinâmica misturando drama, comédia e documentário entregam uma crítica mordaz a todos os operadores do sistema. O que finalmente nos traz até Vice.

A nova empreitada de Adam McKay acompanha a asquerosa jornada de Dick Cheney — vice-presidente dos Estados Unidos durante as administrações George W. Bush — pelos meandros de Washington. Com o mesmo estilo de A Grande Aposta, e um elenco tão qualificado quanto, Vice explora a carreira de um dos políticos mais influentes da história dos Estados Unidos para pintar um retrato caricato de quem só pode ser descrito como um amigável agente do anticristo — ou algo menos ofensivo, caso você não seja um esquerdopata propagador de mentiras.

Podres poderes

O estilo ágil de McKay é percebido já nos primeiros segundos de filme. Entramos na vida de Dick Cheney em um momento crucial, durante os ataques terroristas de 11 de setembro. Conforme seguimos a agitação dos funcionários da Casa Branca somos transportados para Wyoming de 1963, onde Cheney é um jovem trabalhador braçal, bêbado, sem perspectivas que acabara de largar a faculdade e é confrontado por sua esposa Lynne Cheney que estabelece um ultimato para que seu marido se endireite e encontre seu caminho na vida.

Com muito humor e uma linguagem extremamente acessiva, o diretor segue acompanhando a carreira de Cheney, saltando para 1969 quando trabalhou com Donald Rumsfeld, assessor econômico de Nixon, tornando-se um agente político experiente enquanto conciliava a vida em família, chegando até ao cargo de chefe de gabinete da Casa Branca para o presidente Gerald Ford, enquanto Rumsfeld se torna secretário de Defesa.

Mesmo sem nunca permitir a total empatia pelo protagonista, Adam McKay ainda consegue entregar momentos de humanidade dentro de um personagem tão moralmente lacônico. Com a saída dos republicanos da Casa Branca o político veterano resolve concorrer para o congresso, época em que sofre seu primeiro ataque cardíaco.

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Fragilizado físico e politicamente, sua esposa Lynne entra em cena para apoiar o marido, mostrando que as alianças de Cheney começam dentro do seu lar, com um relacionamento sólido com uma esposa e filhas que o apoiam incondicionalmente. Eis que Mary, a filha mais nova do casal se assume homossexual, fazendo com que o pai — por motivos altruístas ou meramente estratégicos — resolve deixar suas ambições presidenciais de lado em prol da privacidade de sua filha, cuja sexualidade certamente seria utilizada como arma política em uma eventual campanha. Neste momento temos uma pequena amostra do homem por trás do enxofre.

McKay vilifica Cheney na medida das ações do homem, mas não se esquece que até mesmo Lúcifer foi um anjo. Entretanto, esse não é o fim da história de Dick Cheney, mesmo que o diretor brinque que a escolha por proteger sua filha teria resultado em uma vida digna, saudável e feliz ao lado de toda sua família.

Tudo muda quando em 2000, o então candidato republicano George W. Bush chama Cheney para compor a sua chapa na campanha. Eis que as engrenagens maquiavélicas do veterano negociador de influencias percebe na imaturidade do jovem Bush um atalho para a presidência.

Mal encarnando

A história de Cheney é atraente por si só, mas é a performance de Christian Bale que realmente entrega o engenho ardiloso por trás de suas ações. Se a transformação física já é impressionante, é a atenção aos gestos, cacoetes e até mesmo timbre de voz que esconde a malícia do personagem. Como o próprio Bale “brincou” em seu discurso de agradecimento pela estatueta de melhor ator no Globo de Ouro, Satã foi sua maior inspiração para o papel; deixando assim bem claro o sabor diabólico de sua interpretação.

No mesmo nível infernal de qualidade, temos Steve Carell. Na pele do abrasivo Donald Rumsfeld o ator entrega mais um desempenho sólido, mostrando que a parceria com McKay é projetada exclusivamente para fazer a Lu Belin  morder a língua (brincadeira Lu)

Enquanto isso, Amy Adams se transforma em Lynne Vincent Cheney com um misto de austeridade e compaixão. Sua força na tela faz jus a verdadeira Lynne cujos princípios religiosos, políticos e familiares nem sempre se mostraram alinhados, mas que estabeleceu fundações sólidas para que seus familiares pudessem edificar suas carreiras.

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Flerte comunista da grande mídia contra o cidadão de bem

Adam McKay refinou suas habilidades e deu mais corpo ao estilo apresentado em A Grande Aposta. Algumas ideias do título anterior são incrementadas, enquanto a o diretor/roteirista ainda brinca com formatos e narrativas.

O elenco excepcional da um toque especial ao filme. O destaque maior fica para Christian Bale, um dos favoritos ao Oscar 2019, mas não podemos deixar de mencionar o trabalho Amy Adams e Steve Carell, ambos entregam atuações sólidas.

Vice é um ótimo filme, seja por aspectos técnicos ou artísticos. A direção é inventiva e bem estruturada, enquanto o roteiro é suficientemente inteligente para ser didático sem ser enfadonho. A condução é ágil, e repleta de humor, sendo que os textos, diálogos e a composição do filme estão todos muito bem amarrados. 

A imagem demoníaca do ex-vice-presidente é um olhar liberal dos feitos de um republicano conservador, mesmo que não traga inverdades

Para além da película, McKay nunca precisou dizer abertamente seu posicionamento político, pois sempre ficou evidente sua inclinação liberal. Em outras palavras, se a sua visão política do mundo não está alinhada com a do diretor, certamente ficará enraivecido com todo o “mimimi” canhoteiro que permeia a narrativa. Dito isso, a visão da vida de Dick Cheney apresentada por McKay pode até conter um exagero ou outro, mas no final não traz nenhuma grande inverdade.

Fonte das imagens: Divulgação/Imagem Filmes

Vice

"Princípios são bons até certo ponto, mas são inúteis se você os perder"

Diretor: Adam McKay
Duração: 132 min
Estreia: 31 / jan / 2019