Crítica do filme O Homem Duplicado
Nem tudo é o que parece
Semana passada, o filme canadense/espanhol baseado no livro “O Homem Duplicado”, de José Saramago, chegou aos cinemas brasileiros. Originalmente, o longa-metragem leva o nome de “Enemy” (Inimigo), mas, por aqui, ele recebeu o mesmo nome da obra de Saramago.
Com direção de Denis Villeneuve (o mesmo de “Os Suspeitos”) e roteiro de Javier Gullón, o filme conta a história de Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor de história que, ao assistir a um filme, descobre que existe um ator chamado Anthony Claire que é exatamente igual a ele.
Devido a extrema coincidência, Adam resolve ir atrás de Anthony, mas, se aproveitando da semelhança, o professor decide se passar pelo sósia e espionar a vida do ator de perto. A partir disso, as tretas começam a rolar e muitas reviravoltas garantem que o filme prenda a atenção do espectador com muito suspense.
Se você já viu o trailer e leu a sinopse de “O Homem Duplicado” você tem uma boa noção do miolo da história, mas é claro que o filme não fica apenas nisso – aliás, há diversos detalhes que são adicionados e deixam o espectador bem em dúvida sobre o que está acontecendo.
O filme começa de forma curiosa, mostrando algumas cenas bem sensuais e que parecem não ter ligação alguma com o todo. Intercalando imagens de mulheres nuas, um clube secreto, uma moça grávida e o próprio Jake Gyllenhall (nesse momento não dá pra saber qual dos personagens está sendo mostrado), o filme deixa o espectador curioso para saber o que isso tem a ver com a trama.
Após esta divagação (que depois é explicada), o foco é voltado para Adam, que tem pouca emoção em sua vida. Alternando entre sua carreira (com aulas que tratam sobre o totalitarismo, assunto abordado no roteiro) e muitas transas com sua namorada (Mélanie Laurent, que fez Shosanna em “Bastardos Inglórios”), o rapaz parece triste e insatisfeito — e não dá pra sacar o porquê, já que ele é lindão e tem uma namorada lindíssima.
Seguindo a sugestão de um colega, Adam acabou vendo um filme (algo que ele dificilmente faria, visto que não gosta de cinema) e, por um acaso do destino, havia um ator bem parecido com ele. Esta simples semelhança foi suficiente para mexer com o rapaz, já que isto não é algo comum.
Além disso, a ideia de uma perseguição soa interessante para alguém que leva uma vida pacata. Claro, antes de procurar o ator, Adam (e o espectador também) pensa em inúmeras possibilidades, afinal, este homem pode ser um irmão gêmeo, uma confusão da mente do rapaz, uma coincidência quase impossível ou até mesmo algo que esteja relacionado a universos paralelos.
Depois de entrar em contato com o ator, o professor de história acredita que a ideia não foi muito boa. Anthony, que é o ator, em um primeiro momento, fica confuso e até emputecido com toda essa história, principalmente porque isso acaba causando problemas no relacionamento com sua esposa (a formosa Sarah Gadon).
Acontece que, essa semelhança tão improvável acaba realmente mexendo com todo mundo e geral surta. Depois de muitas reviravoltas, Adam fica numa situação complicada, Anthony também e o filme fica ainda melhor do que o desenrolar da história. Toda essa angústia, ansiedade e confusão dos personagens é bem retratada com uma série de tomadas planejadas e inseridas na hora certa. Há muitos ângulos de câmeras e cenas que ajudam na construção do filme.
Evidentemente, algo que ajuda muito é a atuação de Jake Gyllenhall. Ele manda muito bem na dualidade de personalidades, fingindo muito bem ser um homem depressivo e também fazendo o papel de ator. As mocinhas (namorada de um e eposa de outro) também atuam de forma convincente e ajudam a construir o drama da história.
Pode ser que o público acabe não sacando muita coisa no começo e que algumas coisas fiquem soltas no ar. Destoando do livro e sem dar qualquer explicação, o roteirista aposta na ideia de colocar umas aranhas no meio da película (e, se você ainda não viu o filme, dá pra perceber que a história tem algo de esquisito já ao olhar atentamente o cartaz do longa).
Há algumas teorias a respeito do porquê disso, mas, independente do motivo, dá pra dizer que elas (as aranhas) acrescentam muito ao mistério que há por trás de todo esse emaranhado de ideias. No fundo, as dúvidas vão aumentar para os personagens e para quem está assistindo. A falta de explicação pode frustrar algumas pessoas, mas eu, particularmente, gostei desse vazio, já que isso dá espaço para inúmeras interpretações.
A tonalidade de suspense de “O Homem Duplicado” foi adequadamente pensada para funcionar com uma trilha (composta por Danny Bensi e Saunder Jurriaans) que deixa o público apreensivo até mesmo em momentos que nada de extraordinário acontece. A ideia é até válida, pois, se o expectador estivesse no lugar do protagonista, ele provavelmente ficaria tenso e com medo de tomar algumas decisões.
O final é realmente surpreendente (e dá até pra fazer um longo debate sobre) e me agrada muito ver que uma produção canadense/espanhola tenha ficado muito mais interessante do que o monte de “mais do mesmo” que temos visto de Hollywood. O filme é excitante, curioso e muito inteligente. Vale conferir no cinema!
Antes de acabar, quero dizer que, no Brasil, “O Homem Duplicado” poderia ter seu título fiel ao original (depois de ver, você vai entender).