Crítica do filme Silent Hill: Revelação
As trevas são reais neste inferno 3D
Adaptações de videogames para as telonas são sempre polêmicas. Tirando uma ou outra obra (como o primeiro Silent Hill), a grande maioria acaba se revelando uma grande porcaria.
Com “Silent Hill: Revelação”, a história não é muito diferente nesse sentido. Muitos fãs gostaram do que viram, outros tantos acharam péssimo o resultado. Os críticos – que não entendem nada do jogo – acabaram criticando o roteiro e a execução do filme.
Bom, eu vi o filme lá em 2013, quando ele finalmente saiu aqui no Brasil (aliás, grande mancada lançar com quase um ano de atraso) e, na época, acabei achando meia boca. Entretanto, eu resolvi dar uma segunda chance para o título e até comprei a versão em Blu-ray para conferir a parte 3D do longa-metragem.
Hoje, pretendo comentar sobre os prós e contras do filme, falar como ele se aproxima do jogo (o Silent Hill 3 é o game utilizado de base para o desenvolvimento da história) e qual foi meu veredito após ter visto uma segunda vez a obra de Michael J. Bassett. Seja você um fã do título da Konami, um apreciador do gênero de terror ou apenas um cinéfilo, esta crítica pode ser mais interessante do que você imagina.
A primeira coisa que é preciso ter em mente antes de sair descendo o pau no filme diz respeito a proposta do diretor (que também é o roteirista) deste longa-metragem. A missão em “Silent Hill: Revelação” não era nada simples, pois era preciso tomar uma decisão para agradar o público:
Como você sabe, Bassett optou pela última opção, o que foi a coisa mais difícil a se fazer. O terceiro game da série pode ser considerado uma continuação do primeiro, o que, na teoria, poderia facilitar as coisas. Acontece que o longa-metragem lá de 2006 já teve diversas discrepâncias ao sair dos consoles e ir para as telonas, o que deixou tudo ainda mais complicado.
Para atrair a atenção dos fãs do game, o filme começa já pela cena no parque de diversões – tal qual no jogo, trazendo referências claras como o coelho Robbie. Logo em seguida, para mostrar que esta é uma continuação do primeiro filme, o roteiro começa a desenvolver a trama dando pistas de como Sharon (que agora se chama Heather) conseguiu escapar de Silent Hill.
O título também comenta sobre a mudança de nome, da cor de cabelo, mostrando detalhes sobre como seu pai (nosso amigo Sean Bean está de volta e morre somente no mundo dos sonhos) manteve controle sobre a situação por tantos anos, introduz as roupas do jogo e apresenta diversas similaridades com o game. Tudo até aqui é muito bem equilibrado e faz sentido.
Para incutir o terror, o filme alterna algumas cenas reais e do mundo bizarro de Silent Hill. É importante notar que essas cenas estão apenas na mente de Heather, já que ela não está na cidade e portanto nada ali é real. Várias coisas que ela vê são apenas influências de sua memória quando ela ainda estava na cidade amaldiçoada – vale notar que o pai dela mente e fala que ela apenas sofreu um acidente, situação em que a mãe dela morreu.
Não demora muito para que conheçamos o detetive Douglas Cartland. Ele é o mesmo personagem (com roupagem e aparência muito semelhantes) e tem a mesma missão do jogo: levar Heather até a Ordem de Valtiel. As situações em que eles se encontram são bem parecidas, mas começam a aparecer algumas diferenças quando não é o detetive que dá pistas mais claras sobre Silent Hill para Heather.
Em vez do apoio de Cartland, a personagem principal do filme acaba obtendo a ajuda de Vincent Smith (que também se assemelha ao homem que vemos no game). As anotações sobre Silent Hill e outros detalhes são encontrados no diário e nos recortes de jornais que Harry da Silva (a alteração de sobrenome já é algo que veio do primeiro filme) guardou em sua casa junto com o Selo de Medatron – este item aparece nos jogos Silent Hill 1, 2, 3 e Downpour, às vezes com outros nomes.
Bom, a relação entre Heather e Vincent é talvez a maior cagada de “Silent Hill: Revelação”. Primeiro existe a questão de ele não ser um personagem tão importante na trama do jogo, depois temos a questão que transformam ele apenas em um garoto apaixonado (no jogo, ele é alguém importante na Ordem). Ele vira melhor amigo da filha de Harry, mas serve apenas para contar toda a trama para a garota (algo que deveria ser feito por Cartland).
Os diálogos entre os dois são atropelados – só que é válido ter tais falas para construir a personagem da Heather ou o filme não iria para frente mesmo – e as atuações não convencem muito. O pior é que tem uma fala em que o Vincent resolve contar tudo que sabe e não dá tempo nem de o espectador digerir as informações.
Os dois vão na direção de Silent Hill, mas resolvem parar e dar uma boa descansada. Quando Heather acorda no outro dia, ela só atravessa a rua e praticamente já está na cidade amaldiçoada, algo que não convence, porque já poderiam ter ido diretamente sem parar no caminho. Mas ok, quem não se atenta aos detalhes não vai nem notar esse pequeno deslize.
Quanto à cidade, não dá pra reclamar muito. O segundo filme não faz questão de explorar os ambientes, focando apenas nos cenários relevantes para a história, mas há de fato uma ou outra sequência que nos permitem perceber que estamos na mesma cidade do título anterior. Para quem não viu o longa anterior, há algumas boas explicações (ainda que tenha coisas distorcidas, o que pode ser considerado um furinho de roteiro), o que aumenta o mistério em torno da cidade.
Tão logo entramos nos locais mais sombrios e inóspitos, já percebemos que a equipe criativa caprichou no clima do filme e tentou aproximar o máximo possível do que vemos em Silent Hill 3. Há muitos ambientes escuros, que reservam espaço para os monstros aparecerem de surpresa e diversos cenários apresentados relembram o que já conhecemos no game. Ponto para a produção cinematográfica!
Voltando aos personagens, além do Vincent e do Douglas, conhecemos Leonard Wolf e Claudia Wolf – há uma explicação para ela estar aqui e tudo está conectado ao primeiro filme. Os dois trazem semelhanças às versões do título para consoles, o que é excelente. A atuação de ambos é bem limitada, mas a Claudia, em especial, fica devendo muito com umas falas pobres e previsíveis.
No âmbito dos monstros, não há muito o que reclamar. Os bichos são bem assustadores, com referências claras aos tipos que têm no jogo. O destaque novamente fica para o Cabeça de Pirâmide, que é assustador e muito sinistro. É legal que aqui ele deixa de ser o vilão e passa a ser o salvador da pátria, algo que faz muito sentido se levarmos em conta que ele é carrasco da Alessa.
Para finalizar, é preciso falar sobre alguns aspectos que deixam “Silent Hill: Revelação” muito interessante. A primeira delas são algumas referências que nos permitem conectar o clima geral do filme ao que temos no jogo. O aniversário de Heather é citado em algumas situações – e é claro que todo fã vai se lembrar da música do game. O coelho sinistro, o parque de diversões, o shopping e outros tantos locais ajudam a montar o filme de forma coerente.
Não são poucas as cenas em que vemos recapitulações do primeiro longa-metragem. Algumas cenas foram refeitas, outas reaproveitadas, mas tudo ajuda a fortalecer a conexão entre os títulos. A presença de alguns puzzles até que funciona legal no filme, mas é claro que não é a mesma experiência do jogo, pois tudo é bem mastigado aqui para deixar o ritmo da trama interessante.
É válido citar ainda algo que me empolgou muito ao rever o filme: os efeitos tridimensionais. Tem gente que não gosta de 3D, tem filme que fica bem ruim em 3D, mas no caso desta obra as cenas foram programadas para funcionar desta forma. As simulações são realistas, as espadas passando em frente aos olhos dão medo e as cinzas caindo na frente da TV também são válidas para dar uma experiência rica ao filme.
Por fim, é importante comentar sobre um dos aspectos que fazem Silent Hill ser uma das sagas mais geniais de todos os tempos: a trilha sonora. Sério, o trabalho de Jeff Danna (responsável pelas músicas do primeiro filme) e Akira Yamaoka (o mestre das trilhas dos games) é perfeito!
No fim das contas, considero que o resultado do filme está mais para bom do que para ruim. Ele poderia assustar mais e ter menos furos, mas não acho justo apenas xingar o filme sem ter argumentos plausíveis, já que há um bom equilíbrio aqui.
Considerando a dificuldade em tentar unir tanta coisa e agradar a tanta gente, Bassett fez um trabalho de qualidade. Podem me julgar, mas como fã da série, não fiquei decepcionado, até porque Silent Hill: Revelação não atrapalha em nada os games. E gostei de ver Travis Grady aqui, o que reafirma o empenho do diretor.
Bem-vindo ao inferno