Crítica Capitão América 2 | Apresentando o gênero super-herói de espionagem

É preciso começar dizendo: Capitão América 2: O Soldado Invernal é, junto com Os Vingadores, o melhor filme da Marvel feito até agora. Talvez possa ser ousado fazer essa afirmação, mas não. A sequência do Sentinela da Liberdade é tudo aquilo que não esperávamos de um filme de super-herói, e surpreende.

Quando digo que surpreende, estou falando em especial do clima apresentado na continuação. Ele foge um pouco do estilo que já estamos acostumados nos filmes de super-hérois, e apresenta uma nova temática, a de espionagem.

Talvez isso seja meio implícito, visto que o Capitão agora trabalha para uma organização internacional de espiões (SHIELD), porém trazer essa tônica para a história foi a melhor sacada feita pelo estúdio. Essa diferença é vista logo quando comparada com o primeiro filme, de 2011.

Lá tínhamos um início de uma nova franquia; a construção de um herói patriótico e uma luta contra o nazismo, personificado pela organização HIDRA. Ou seja, uma história permeada pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e os princípios norte-americanos de “proteger” o mundo.

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Capitão América 2 segue um ritmo diferente de seu antecessor. Toda aquela mística fantasiosa do herói norte-americano ficou no passado e foi para o museu. O Cap ainda é um símbolo de esperança para o povo, porém os tempos mudaram, e os inimigos também.

Na trama, o Capitão Steve Rogers (Chris Evans), ao melhor estilo “Sabe de nada inocente”, está ainda tentando se adaptar ao mundo contemporâneo e aprendendo como lidar com os inimigos da atualidade. De dia, faz exercícios e escreve em seu caderninho os importantes fatos que perdeu enquanto estava congelado – na versão Brasileira, importante é Ayrton Senna, Mamonas Assassinas e... Xuxa? – e durante a noite, parte para altas aventuras ao lado da nossa musa dos quadrinhos e da vida, Viúva Negra/Scarlett Johansson.

E é em uma dessas missões secretas que tudo começa a desmoronar. Ataques terroristas, traição, queima de arquivos, inimigos secretos, tudo se envolve em uma única questão: não se pode confiar em ninguém.  A SHIELD está em crise e um velho inimigo está de volta. O Soldado Invernal, que emplaca seu nome no título, não é o maior dos problemas do Cap. “O inimigo agora é outro”, se é que vocês me entendem.

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Esses detalhes tornam a história substancial e coesa. Capitão América 2 tem um propósito para existir, seja para expandir mais o universo Marvel nas telonas ou para abrir o caminho para Os Vingadores 2 – mas isso vamos falar mais para a frente.

Expandir o universo não significa apenas introduzir novos heróis, mas principalmente criar vertentes que possam dar subsídios para você introduzir esses personagens, sem se perder no caminho. Nessa nova aventura, como já dito, a grande treta é justamente interna.

O Capitão, Viúva Negra, Nick Fury (Samuel L. Jackson, sem motherf* dessa vez), Maria Hill (Cobie Smulders, a mãe que não é a mãe... SPOILERS HÁ) e o Falcão (Anthony Mackie, uma grande aquisição pra equipe) vão se unir para derrubar o mal que assola a organização.

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Com cenas de ação muito bem elaboradas, clima de espionagem à la Jason Bourne (a presença de Robert Redford é mais um tiro certo)  e reviravoltas um pouco clichê, mas nem por isso não emocionantes, Capitão América 2: O Soldado Invernal se consagra com um dos melhores capítulos realizados pelo estúdio Marvel nos cinemas.

E o mais legal, além de se garantir individualmente, Cap América 2 faz aquilo que todo fã queria ter visto em Homem de Ferro 3 ou Thor 2: começar a bendita fase 2. Sim meus amigos, Os Vingadores 2 está aí. O final da película não é um gancho, e sim um mini prelúdio para o próxima filme da super equipe. Obrigado, Capitão!

Crítica do filme Divergente | Política, lutinhas e gente bonita

Antes de começar a escrever as minhas besteiras sobre o filme “Divergente”, preciso dizer que não li a obra da escritora Veronica Roth. Até pensei em pesquisar um pouco sobre o livro e me inteirar sobre a história, mas decidi que esta crítica trataria apenas do filme – acredito que assim a minha análise acaba sendo mais sincera.

Sendo assim, caso você não faça ideia do que “Divergente” aborda, eu explico rapidão. O filme se passa em um mundo destruído por uma guerra enorme e devastadora – aparentemente, em um futuro não muito distante. Para que uma época de paz pudesse ressurgir, o mundo foi dividido em cinco facções, cada uma com uma função diferente na sociedade: Abnegação (políticos e altruístas), Amizade (fazendeiros), Audácia (guerreiros), Franqueza (juízes) e Erudição (estudiosos).

A protagonista é uma garota bem lindinha, chamada Beatrice – interpretada por Shailene Woodley – que é uma Divergente, pessoa que na verdade não se encaixa em nenhuma facção e tem um cérebro diferenciado do da galera. Por conta disso, ela acaba se metendo em altas tretas políticas e sentimentais. E eu não vou explicar mais que é pra não encher o texto de spoilers.

Algo realmente inteligente

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Assim como você já deve ter imaginado pela descrição acima, “Divergente” é um filme voltado para garotas adolescentes, público no qual eu não me encaixo (sério). Por conta disso, fui ao cinema esperando uma aventura melosa cheia de beijocas, olhares nos olhos e vampiros brilhantes. Ok, essa última parte é mentira.

No entanto, eu me surpreendi com um universo fantasioso bem inteligente. Essa sociedade alternativa retratada pelo filme trata de vários aspectos políticos que têm paralelo com a vida real, por assim dizer. Isso faz com que a pessoa na frente da telona comece a pensar sobre diversas coisas, algo que eu não esperava em um romance adolescente.

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Para começar, essa divisão por facções é um instrumento de segmentação e status bem eficiente. Todos têm um papel útil na sociedade, mas há claramente aqueles com maior poder, como os Eruditos que “sabem de tudo” ou os Francos que são “responsáveis pela verdade”. Uma escolha mais sincera, condizente com as suas vontades e personalidade, pode colocar você em uma posição ruim, simplesmente por ser simples.

Em nosso mundão, a profissão que você escolhe e a carreira que você constrói se tornam a totalidade daquilo que você é; algo muito alienador, limitador e exasperante para a grande maioria das pessoas. Além da separação por castas, “Divergente” mostra esse discurso reducionista com a frase “Facção antes do Sangue”, de modo que a protagonista não pode nem mesmo ter contato com a sua família depois de mudar de grupinho.

É lógico que a produção mostra algo extremo, mas é de se pensar a maneira como a nossa vida é encaixada (ou moldada) dentro da sociedade, não é mesmo?

Só mais um pouquinho de política, eu juro

Outro paralelo bem colocado pelo filme é a utilização de mendigos. O pessoal retratado como o grupo dos bostões são os sem facção, pessoas que não conseguiram se adequar a um determinado segmento da sociedade. Sem trabalho, eles são colocados como nada, como um ninguém, com a única alternativa de vagar pelas ruas, sujos e esfolados.

No fim das contas, na nossa realidade, os mendigos são isso mesmo. Um ninguém ou um nada. Alguém sem papel, alguém inútil. Isso me fez pensar em quão injusto é o tratamento que essas pessoas recebem, porque elas talvez apenas não tenham se encaixado em algum lugar ou não tenham tido a oportunidade de se mostrar, de encontrar o próprio lugar ou até mesmo de se conhecer.

Por conta disso, eu repito: me surpreendi, pois simplesmente não esperava encontrar esse tipo de relação em um romance adolescente. E isso foi bem bacana.

O de sempre e alguns tropeços

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Agora, voltando à programação normal, vou falar de outros aspectos. Algo que me agradou é o que filme é bem fluído em grande parte do tempo, de modo que o primeiro livro de Roth é contado do começo ao fim. Isso nos faz entender bem a ideia que a autora quer passar, sem nos prender em muita melação ou em dilemas juvenis enjoativos – algo que vai agradar até mesmo os espectadores adolescentes.

As cenas de ação são muito bem feitas, assim como os efeitos visuais e caracterização dos personagens – a sociedade é um grupo Power Ranger gigante, cada facção usa uma cor. Apesar de tudo isso, há alguns tropeços que deixam a narrativa truncada em alguns momentos ou até mesmo superficial.

Um exemplo é (SPOILER, SPOILER) a morte dos pais de Beatrice. Os dois falecem em cerca de 5 minutos, sendo que tudo isso acaba sendo muito raso e sem sentimento. Porra, a guria ficou órfã, cacete, deviam ter investido em cenas mais profundas ou algo deste tipo. Há também momentos de romance sem sentido, como quando o casal protagonista se toca e a garota faz cara de ‘CARALHO, ELE TÁ PEGANDO NAS MINHAS COSTAS, GENTE’. É chato e dispensável, simples assim.

Se você é uma pessoa que gosta de tudo respondido nos mínimos detalhes, é provável que se irrite em diferentes momentos da história. Afinal de contas, que guerra é essa que acabou com o mundo? Qual a diferença do cérebro dos Divergentes? O que aquela cerca de antenas gigantes faz? No fim das contas, é possível que essas questões sejam respondidas apenas com a leitura do livro.

E isso quer dizer que...

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Levando em consideração todos esses aspectos, “Divergente” é sim um filme para garotas adolescentes, mas que pode agradar diferentes tipos de pessoas, principalmente as dispostas a pensar um pouco mais sobre o enredo mostrado e que gostam de aventuras com tiros, lutinhas e pulos. Contudo, você não vai escapar de clichês, de romance jovem e até mesmo de momentos simplesmente superficiais – mas isso já era de se esperar, não é, leitor lindão?

Um bônus é o fato de que tem um monte de gente tatuada, o que é muito legal, na minha opinião, mesmo que os desenhos sejam meio escrotos e pareçam ter saído de algum pacote de bala.

Crítica do filme Rio 2 | Passarinhada, sogrão chato e aventuras na Amazônia

No episódio anterior de Rio, conhecemos uma arara que veio dos Estados Unidos para o Brasil. Blu, o protagonista dessa história, teve de aprender a voar, a viver no Rio de Janeiro (que por sinal é o nome do filme), a conviver com amigos de gosto duvidoso e a se habituar ao barulho do carnaval.

Depois de tantas dificuldades, tudo deu certo. Quer dizer, seria o “felizes para sempre” se o Carlos Saldanha (diretor do primeiro filme), aproveitando o dinheirão que ganhou e tentando fazer ainda mais, não tivesse resolvido colocar nosso amigo azulzinho em mais uma enrascada danada.

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Agora, em "Rio 2", Blu e Jade, a arara com quem ele teve três filhotinhos fofinhos, resolvem (como estamos falando de um casamento, é óbvio que foi ela quem resolveu) ir para a Amazônia para encontrar outros animais de sua espécie.

Ah é, antes que eu me esqueça, o filme se passa na Amazônia, então o título tá bem errado, mas tudo bem porque ninguém se importa com isso — só eu que sou chato.

Tá todo mundo convidado

Já dizia o ditado que “uma arara só não faz verão”, então para deixar o filme animado e fazer a criançada se divertir de montão, os roteiristas resolveram colocar os passarinhos sambistas e o tucano para participar dessa segunda aventura.

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Além disso, os humanos que têm sua história desenvolvida em paralelo também fazem parte do enredo. Adicione aqui o inimigo do primeiro filme (que é claro que não morreu, porque isto é um filme para crianças), o cachorro babão e alguns personagens inéditos e você tem uma fórmula de sucesso.

Felizmente, o filme não fica só no “mais do mesmo” e há uma quantidade consideravelmente grande de novos personagens. Alguns são bem chatos (principalmente o pai da Jade), mas temos alguns animais pra lá de engraçados que deixam a película descontraída e com um ritmo tranquilo, evitando o excesso de drama e não exagerando nas piadas.

A arara-macho Roberto (Beto para os mais chegados) é sensacional. Canta bem, faz o estilo galã e manda bem em tudo. Além disso, ele tem papel fundamental na trama, tanto por ser um bicho sinistrão quanto por "dar em cima" de Jade.

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A amiguinha de Nigel (aquela cacatua xarope) é uma das que deixa o filme bem interessante. A sapinha venenosa canta muito bem e tem uma paixão infinita pelo vilão, sendo que essas cenas que ela participa são bem divertidas. Alguns animais coadjuvantes (tartarugas, pernilongos e outros) que interagem com os pássaros do samba também garantem boas gargalhadas.

Representando nossas belezas naturais

Por se tratar de um filme com um cenário tão belo como nossa floresta, não era de se duvidar que os visuais seriam estonteantes. De fato, a Blue Sky Studios caprichou nos gráficos, que imitam com perfeição a realidade e impressionam quem está acostumado com animações que não apelam muito para uma qualidade tão elevada de texturas e iluminação.

Todo esse esmero possibilitou a criação de cenários belíssimos que imitam perfeitamente a Amazônia. A selva densa, as árvores enormes, a diversidade de frutas, os rios, o pôr do sol e outras características garantem que o público fique maravilhado e se sinta dentro da floresta.

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Os bichos também são bem comuns da região: tamanduá, boto cor-de-rosa, araras-vermelhas e outros tantos animais deixam o filme bem colorido e familiar. Contudo, nem tudo é perfeito. Há algumas cenas em que podemos ver um ou outro objeto com palavras em inglês, o que mostra que essa Amazônia retratada é meio fajuta.

Divertindo a criançada

Sem o ineditismo, a nova animação da Blue Sky vem apenas para fazer dinheiro. A história sem propósito, a temática de família um tanto cansativa e até um ou outro furo acabam deixando o filme enrolado e previsível. O filme está longe de ser um primor, sendo que há muitos clichês e diversos momentos de chatice.

Apesar disso, “Rio 2” é um filme que consegue entreter durante boa parte do tempo e que acaba tendo ótimas ideias para deixar as crianças ligadonas nas reviravoltas constantes e nas piadas. As músicas são bem legais e mesmo não sendo o filme mais divertido da galáxia, este longa pode sim ser uma boa pedida para ver em família.

Crítica do filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho | Paixão cega sem preconceitos

Dirigido e escrito por Daniel Ribeiro, o filme conta a história de Leonardo (Ghilherme Lobo), um adolescente cego que, como qualquer adolescente, está em busca de seu lugar. Desejando ser mais independente, ele precisa lidar com suas limitações e a superproteção de sua mãe. Para decepção de sua inseparável melhor amiga, Giovana (Tess Amorim), ele planeja libertar-se de seu cotidiano fazendo uma viagem de intercâmbio. Porém a chegada de Gabriel (Fabio Audi), um novo aluno na escola, desperta sentimentos até então desconhecidos em Leonardo, fazendo-o redescobrir sua maneira de ver o mundo.

A história foi baseada no curta “Eu Não Quero Voltar Sozinho" de 2011 (curta que está logo abaixo). Todos os pontos principais e a essência da história estão aí, então se você não quer spoilers do filme, é melhor assistir ao curta depois.

Entretanto, o longa desenvolve mais a relação de Leo com sua família, além dos conflitos e dramas que todo adolescente comum passa, desde dar o primeiro beijo até brigar com seu melhor amigo por uma besteira qualquer.

"Hoje Eu Quero Voltar Sozinho" foge do clichê de filme adolescente apaixonado, buscando mostrar situações cotidianas da forma como elas são. Leo é constantemente atormentado por seus colegas de sala, simplesmente por ser cego. Por mais que isso o incomode ele não se deixa abalar por esse tipo de coisa, tentando seguir sua vida normalmente.

E Giovana só queria viver um grande drama ou conhecer um grande amor. Desde o começo fica claro que ela é apaixonada por Leo, mas ele não consegue vê-la (ops, desculpem) de outra forma além de amiga. Quando Gabriel chega, tudo parece culminar em sua direção. Ele é bonito e simpático, e logo vira amigo dos dois. 

No decorrer da história, Leonardo acaba se apaixonando por Gabriel. Mas não de uma forma escancarada e direta. Enquanto passam suas tardes juntos, tudo acontece naturalmente, e a eterna insegurança de todo adolescente está presente também. A abordagem do assunto foi muito bem tratada, mostrando uma paixão adolescente como qualquer outra.

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Será que ele também gosta de mim?

O filme não chega a ser excelente, mas é uma produção muito boa. O clima de curta-metragem ainda está presente, mas a evolução visual é muito visível. Todas as cenas são muito bem pensadas, com alguns ângulos incomuns, mudança de planos utilizando o foco bem aplicado e uma iluminação perfeita.

Destaque também para a trilha sonora, que vai desde Tchaikovsky e Bach até Belle & Sebastian e Marcelo Camelo, tudo colaborando para um clima descontraído e agradável.

Aproveitando que estamos no assunto, leia sobre a evolução da temática dos filmes brasileiros.

Algumas falas e momentos soam artificiais e podem cansar um pouco, mas no geral o filme é bem agradável, mesmo se você achar que a temática não faz o seu estilo.

Evolução: a temática de filmes brasileiros não fala mais só de miséria e pobreza

O cinema brasileiro até meados da década de 1990 era recheado de produções de forte cunho intelectual e que foram realizadas com pouca disponibilidade de recurso. Em outras palavras, o quesito artístico pesava muito na composição das obras, o que inviabilizava por vezes a melhor compreensão do conteúdo pelo público geral – uma vez que esse nicho artístico (e teatral) não está exatamente preparado para a exposição frente a muitos conteúdos.

Além disso, o experimentalismo era o que dominava nos filmes da época, o que significou na prática a inserção de muitos palavrões nos textos e muita sexualidade presente em praticamente todas as produções vigentes. Essa última característica conseguiu se destacar mais do que todas as outras, sendo que nos anos 70 chegou a ganhar um subgênero que é reconhecido até hoje como “pornochanchada”.

damalotacaoA Dama da Lotação (Reprodução/Papo Cult)

Mesmo que a maioria do conteúdo desses filmes não fossem exatamente pornográficos, a falta de qualidade na produção das obras (frente a um ascendente cinema hollywoodiano, onde coisas explodiam e robôs davam a noção de que o futuro estava mais próximo) acabou por conseguir criar uma espécie de rejeição consensual de tudo o que estiver relacionado ao termo “cinema nacional” (ou “filmes brasileiros”).

Primeiro passo

Assim que os anos 80 deram lugar a próxima década, o centro das produções nacionais começou a ganhar novas vertentes de produção e de conteúdo. As mazelas vividas durante o tempo de opressão militar criaram uma nova necessidade artística, que precisava expressar os sentimentos que ficaram presos na garganta dos diretores e artistas devido ao cerco governamental sobre as obras.

Eis que o cinema brasileiro deu um passo à frente, começando a deixar para trás a tal da pornochanchada, e fazendo nascer uma nova onda de produções nacionais orgânicas – que eram feitas a partir da necessidade de expor o Brasil para o próprio Brasil. E nessa levada foi que começamos a criar o segundo estigma da indústria cinematográfica tupiniquim, que é a inserção de pobreza, miséria, seca e todas as demais variações da pobreza em praticamente tudo o que produzíamos.

centralbrasilCentral do Brasil (Reprodução/Diário do Nordeste)

Assim, principalmente aquele pessoal que está em torno das trinta primaveras de vida carrega consigo uma visão que se assemelha a isso: “filmes brasileiros só falam de pobreza e de miséria”. Mas agora, pelo menos, já começamos a encontrar filmes mais bem trabalhados em termos de fotografia e visual, principalmente porque as produções estavam sendo feitas em associação entre empresas privadas (note a existência de produtoras a partir desse período) e por meio de editais governamentais.

Temas menos responsáveis e conteúdos mais maduros

Enfim chegamos ao ano 2000, quando o “bug do milênio” não foi tão maléfico quanto todos esperavam, e a indústria cinematográfica deu um grande passo em direção ao que vemos atualmente. A partir dos primeiros anos dessa década, o avanço da publicidade brasileira resolveu estender seu campo de atuação para o cinema, o que impactou diretamente na temática dos filmes.

Desde então, onde antes víamos desgraças mil, miséria, seca e gente morrendo, agora encontramos um nordeste colorido, animado e funcionando como plano de fundo para as mais variadas histórias. A trilha sonora dos filmes passou a ter função mais importante na composição das tramas, visto que também poderiam funcionar como produtos posteriores.

 estomagoEstômago (Divulgação/Zencrane Filmes)

E essa nova onda do cinema brasileiro conseguiu afastar um pouquinho o verdadeiro asco que muitas pessoas mais antigas nutriam (e ainda nutrem) pelas produções aqui de casa. Para ajudar na popularização dos filmes, as adaptações cinematográficas de peças e livros brasileiros resolveram adotar a mesma postura, sendo eu agora as comédias “água com açúcar” se consolidaram como o principal alicerce da indústria nacional.

Atualmente

Claro que essa linha temporal dos filmes nacionais tem a intenção apenas de dar uma leve pincelada sobre como tudo funcionou, funcionava e como tende a ficar. Portanto, podemos notar que nessa segunda década após a virada do milênio, a temática de incluir favelas com plano de fundo está super na moda e, com o sucesso de Tropa de Elite 1 e de Tropa de Elite 2, o confronto entre policiais e traficantes também está sendo muito requisitado.

Por um lado isso é ótimo, pois os filmes brasileiros de ação estão ganhando muitos pontos em termos de qualidade, o que ajuda a enterrar ainda mais o estigma da “miséria e sexo” nas temáticas. Além da ação, hoje vemos diretores revisitando propostas culturais (principalmente fora do eixo Rio-São Paulo), incluindo temas religiosos e adaptações de livros, utilizando diálogos menos responsáveis e mais interessantes.

Que tal um homem que inventa uma máquina do tempo? Ou a história de uma prostituta que ficou mais famosa escrevendo um livro do que no ofício noturno? E por incrível que pareça, hoje é possível encontrarmos suspenses nacionais, histórias policiais, romances dramáticos e até mesmo contos fantásticos, sendo que tudo é produzido com um padrão de qualidade digno, menos experimental e mais direcionado (olha a influência publicitária aí, gente!).

Para finalizar, fica aqui uma lista de produções que comprova que o ano dois mil funcionou como marco para o cinema brasileiro:

O Coronel e o Lobisomem, O Homem do Futuro, O Homem que Copiava, Lisbela e o Prisioneiro, Deus é Brasileiro, Meu Nome não é Johnny, O Auto da Compadecida, Carandiru, Cidade dos Homens, Os Desafinados, Bicho de Sete Cabeças (2001), O Bem Amado, Assalto ao Banco Central, O Homem do Futuro, Estômago, A Dona da História, Cilada.com, E aí Comeu?, Redentor, “Cinema, Aspirinas e Urubus”, Histórias de amor duram apenas 90 minutos, A Mulher Invisível, Cidade Alta, Dois Coelhos (esse filme merece atenção especial) e Alemão...

redentorRedentor (Reprodução/Renato Felix)

Também há aqueles filmes alegres, que contam, sobretudo, com o forte apelo da mídia televisiva, como Qualquer Gato Vira-lata, Minha Mãe é uma Peça (o filme mais visto de 2013), Bruna Surfistinha, Muita Calma nessa Hora, Se Eu Fosse Você e Se Eu Fosse Você 2.

Espera aí, eu sei que nem tudo está ótimo

Claro que nem tudo está perfeito ainda, como por exemplo a tecnologia de efeitos visuais. No filme Alemão (confira a crítica clicando aqui), há um momento em que os traficantes usam um lança-mísseis (e depois uma granada) para quebrar uma porta, o que ocasiona uma explosão. Não que a sequência não tenha ficado boa (ficou sim), mas convenhamos que os efeitos são bastante primários quando comparados aos que vemos em várias outras produções atuais.

Mesmo assim, acredito que o cinema nacional está em vias claras de evolução e a cada ano que passa podemos sentir que os filmes ficam melhores. Daqui pra frente, quem se dignar a acompanhar o material que é lançado mensalmente nas salas de cinema de todo o Brasil (mesmo que em poucas) certamente ficará orgulhoso de poder estar vivendo exatamente nesse período de vacas gordas. Cavera!

Crítica do filme Noé | Fantasia bíblica independente de religião

ATENÇÃO: Esta crítica contém alguns spoilers. 

Se você pensa que já conhece a história e que o filme é uma clara tentativa de te fazer acreditar em um Deus cristão, você está errado. "Noé" é baseado em uma história bíblica, mas não tem a pretensão de evangelizar ninguém. Daren Aronofsky usa de licença poética para demonstrar sua visão de uma forma épica, com alguns pontos questionáveis, mas mantendo sempre a essência e valores dessa história que é um marco para a fé de milhões de pessoas.

Após serem expulsos do Paraíso por terem provado o fruto proibido, Adão e Eva têm três filhos: Caim, Abel e Set. Caim assassina Abel e é condenado a vagar pelo mundo, então Set nasce como substituto de Abel, sendo considerado justo e herdeiro de Adão.

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Nóe, descendente de Set, recebe um sonho profético cujos detalhes não são muito claros, algo envolvendo uma maçã, uma cobra, fogo, morte, uma enchente e mais morte. Com esse sonho ele entende que tem que construir uma arca e colocar dentro um macho e uma fêmea de cada espécie de animal pra salvar o mundo e sua família. Ao contrário do fogo, a água não destrói simplesmente, mas limpa e purifica, sendo assim a Terra seria lavada do mal que os filhos de Caim espalharam pela Terra.

Um filme pé no chão

É importante notar que Deus não aparece em nenhum momento, sendo referido apenas como o Criador e percebido pelos personagens apenas como manifestações da natureza. Sendo assim, nenhuma das decisões que Noé tomou foram "ordens diretas do Criador", mas sinais sutis dando uma direção sobre o que iria acontecer. Sim, Noé e sua família foram escolhidos para serem salvos por manterem suas vidas voltadas a Deus, e por isso eram considerados bons e dignos de viver no mundo renovado. Mas Noé entende que todas as pessoas devem morrer, incluindo ele e sua família. 

Aronofsky escreveu (junto com Ari Handel) e dirigiu, e assim como os protagonistas de seus filmes anteriores (o matemático de "PI", o viciado em drogas de "Requiem para um Sonho", o sonhador romântico de "Fonte da Vida", "O Lutador", e a bailarina de "Cisne Negro") Noé possui uma obsessão que o leva a beira da loucura, fazendo-o tomar decisões terríveis e capaz de matar todos a sua volta apenas para completar seu objetivo.

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Ao contrário do que se possa pensar, esse não é um filme para os fiéis cristãos, mas para qualquer ser humano que acredite em bem e mal. Em determinado ponto, Noé afirma que não existem pessoas boas, todos eles foram expulsos do Jardim de Éden por desagradar o Criador. Mas sua esposa Naameh contesta, dizendo que seus filhos eram bons.

Nesse ponto deixamos de lado o maniqueísmo e vemos que ninguém é totalmente benigno e maligno, no máximo um dos lados se destaca mais. É tudo uma questão de escolha. Uma das frases que melhor descrevem o filme não é proferida por Noé, mas sim por seu rival Tubal-Cain (Ray Winstone), descendente de Caim e autoproclamado rei.

Um homem não é governado pelos céus. Um homem é governado por sua vontade (livre-arbítrio). 

Noé segue suas convicções, assim como Tubal-Cain segue as que foram ensinadas pra ele. 

Um filme sobre fé que busca o realismo

Durante o Dilúvio, Tubal-Cain tenta salvar seu povo da única maneira que ele sabe, com violência e tomando tudo a força, enquanto Noé só busca a segurança de sua família e o término da sua missão, entretanto muitas vidas inocentes foram tiradas nesse processo, e esse é um questionamento bem explorado durante o filme.   

Vários conflitos são desenvolvidos enquanto a chuva não vem, tudo que está na Bíblia é representado ali, acrescentando alguns detalhes na história que servem apenas para enriquecê-la e preencher alguns furos.

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As filmagens foram feitas em regiões remotas da Islândia, dando as paisagens um aspecto imenso, assustador e fascinante. Destaque para as sequências em time-lapse, como o rio que percorre a terra, os pássaros indo em direção a Arca, e a história contada no livro de Gênese sobre o começo do mundo.

Os produtores buscaram as referências para construir a Arca com as mesmas dimensões descritas na bíblia e a construíram de verdade. Com exceção de alguns pássaros, todos os animais são feitos em computação gráfica, mas são convincentes e servem bem para retratar a história.

Se você sempre se perguntou como tantos animais diferentes conseguiram conviver pacificamente dentro de uma arca, a resposta é muito simples: eles hibernaram! A família de Noé prepara uma poção mágica, jogam fumaça nos bichos e eles dormem. Simples e eficiente. Uma curiosidade engraçada: alguns animais sofrem acidentes durante o percurso e acabam morrendo, e nenhum desses bichos existem hoje em dia.

E não, nenhum dinossauro foi salvo.

O dilúvio mais impressionante de todos os tempos

Tudo isso é muito melhor aproveitado nas telas gigantes dos cinemas, e os efeitos 3D são bem decentes, sem coisas sendo jogadas na sua cara desnecessariamente. O 3D serve para enfatizar pontos nos efeitos, como a chuva e as estrelas. Eu normalmente odeio filmes em 3D, mas nesse caso achei a aplicação interessante. 

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Vale aqui um destaque para os Guardiões, anjos caídos que vieram para ajudar os homens, mas acabaram presos à terra e as pedras. Eles são toscos, disformes e parecem mal animados. Mas tudo isso é proposital, pois eles são anjos caídos e perderam a glória divina de antes, tornando-se seres que não pertencem a esse mundo e não combinam nem um pouco com ele.

Apesar de parecerem deslocados e fantasiosos demais, eles tem um papel fundamental ajudando Noé, e com o tempo suas vozes graves e movimentos estranhos se tornam agradáveis. Mas é nas cenas de batalha que eles utilizam todo seu potencial, com armas e movimentos que só eles poderiam usar com eficiência, alcançando a redenção que eles tanto buscavam. 

Revivendo a Bíblia em grande estilo

Falando em batalhas, e essas não são as únicas partes com ação, elas são acompanhadas por uma trilha sonora que combina perfeitamente com cada cena, cada movimento é marcado por um som dentro da música, praticamente uma orquestra sendo regida pelas imagens. Clint Mansell, que já trabalha com Aronofsky há algum tempo, acertou novamente nas composições.

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Russel Crowe encarna Noé de uma forma muito convincente. Ele é heroico, mas ainda humano e limitado, é correto e justo, mas tem momentos de dúvida como qualquer um de nós. E é atormentado por uma tarefa dada a ele por ninguém menos que Deus, um peso que não é fácil de suportar. A evolução e profundidade desse personagem são muito visíveis e marcantes. A construção da Arca é seu objetivo, mas todas as escolhas que envolvem esse feito precisam e são tomadas por ele. 

Jennifer Connely interpretando Naameh, mesmo sendo apenas uma mãe de família que apoia o marido e cuida dos filhos, continua linda, assim como Emma Watson, que dispensa qualquer comentário sobre sua beleza. Interpretando Ila, uma descendente de Caim que é encontrada gravemente ferida e é adotada e amada pela família de Noé, especialmente por seu filho primogênito, Sem.

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Ila é um personagem tão importante quanto Noé, pois ela está designada a casar-se com Sem e repovoar o mundo, mas devido ao ferimento que ela recebeu na barriga momentos antes de Noé encontra-la, ela é estéril. Porém, é durante o Dilúvio que ela rouba a cena, interpretando de forma magistral juntamente com Jennifer Connely o papel das mulheres, mostrando que elas não são só rostinhos bonitos. 

Sem, o primogênito bonito, obediente e apaixonado por Ila, faz apenas isso e não se destaca muito. Cam, o filho não tão bonito assim, filho do meio que acaba virando a ovelha negra da família, mostrando que a família de Noé não era tão pura e perfeita assim.

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Apesar de ter um papel relativamente importante na trama, ele não se destaca muito mais do que filho desobediente, tomando escolhas não muito inteligentes ao longo da trama. E Jafé é só o filho mais novo, ele cuida dos bichos e tenta não atrapalhar muito, aliás, não tenho certeza se ele fala. 

Anthony Hopkins, que interpreta Matusalém, sendo assim avô de Noé, rouba a cena cada vez que aparece. Seu papel é o de conselheiro, e é a ele que Noé recorre para entender seu sonho profético, e a ele que Naameh pede ajuda sobre a esterilidade de Ila e a descendência dos homens após o dilúvio. Ele é um velhinho muito simpático e tudo que ele queria eram algumas frutinhas silvestres, mas acaba ajudando todo mundo com sua magia de velhinho sábio.

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Noé é recheado de fantasia, mas retrata a história da Arca de Noé de uma forma empolgante, guardando ainda uma mensagem sutil sobre tolerância e justiça. E principalmente sobre nossas escolhas. Aconselho a assistir sem expectativas, pois com certeza você vai se entreter com essa história fantástica.