Crítica do filme Turma da Mônica: Laços | Simples e necessário

É muito difícil encontrar alguém que não teve contato com a Turma da Mônica em algum momento de sua vida. Cresci colecionando quadrinhos e aguardava ansiosamente pelas novas edições mensais, sempre com histórias divertidas e até educativas. A variedade das situações absurdas em que os personagens eram inseridos sempre eram uma surpresa agradável.

Como parte das comemorações de 50 anos a Mauricio de Sousa Produções criou a Graphic MSP, um projeto que consiste em histórias dos personagens do estúdio feitas por artistas brasileiros consagrados e com estilos diferentes do padrão das revistas mensais. Essa proposta trouxe nova vida às histórias, além de cativar um público mais amplo.

“Turma da Mônica: Laços” é o filme que foi baseado no romance gráfico homônimo, por Vitor e Lu Cafaggi. A história é simples em essência, assim como os quadrinhos originais, mas carrega lições e conceitos capazes de cativar todas as idades.

Mais um plano infalível

Floquinho, o peludo cachorro verde de Cebolinha, desapareceu. Para encontrá-lo, ele cria um de seus planos infalíveis, mas que só pode funcionar com a ajuda de seus amigos Mônica, Magali e Cascão. Juntos, eles enfrentam desafios e vivem grandes aventuras para encontrar e levar Floquinho de volta para casa. O diretor Daniel Rezende e o roteirista Thiago Dottori foram responsáveis pela tarefa nada singela de adaptar uma obra tão importante para um público tão diversificado.

Felizmente eles completaram a tarefa com sucesso, transmitindo a simplicidade da história sem torná-la raza, ao contrário, há muito profundidade e beleza. Os “Laços” estão nas entrelinhas e em cada peculiaridade dos personagens e na riqueza de experiências que apenas a infância pode proporcionar.

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Não há muita novidade para quem já conhece a Turma: Cebolinha (Kevin Vechiatto), sempre tem um “plano infalível”, considera-se um gênio e é bastante arrogante, mesmo sendo o primeiro a apanhar de Mônica (Giulia Benitte), que não hesita em perder a paciência e distribuir coelhadas com o Sansão.

Cascão (Gabriel Moreira), com sua fobia a água e cúmplice dos planos de Cebolinha, Magali (Laura Rauseo), sempre faminta e capaz de comer quantias absurdas de qualquer alimento. O filme é bem fiel a história em quadrinhos “Laços” e consegue desenvolver a trama de forma um pouco mais elaborada, o que faz todo sentido nessa troca de mídias. 

Um bom exemplo dessa implementação é a excelente trilha sonora de Fabio Góes. Combinando movimento à música, Góes sabe sincronizar o que é visto em cena com os efeitos sonoros, uma técnica bem tradicional mas que adiciona uma camada a mais de profundidade a narrativa. Destaque para a excelente cena do Louco (Rodrigo Santoro), uma adição genial a história original e sem dúvidas o ponto alto do filme.

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É curioso notar que apesar da referência à turma sempre ser “da Mônica” (um dos debates constantes durante o filme) o protagonismo é declaradamente do Cebolinha. Essa abordagem foi acertada pela temática da trama sem deixar de lado o respeito ao material original. A sintonia de toda a equipe transparece nesses detalhes e tornam a produção ainda mais completa, sem nunca esquecer que é uma história feita para crianças.

Para crianças, mas não infantil

Por sinal, é difícil não se apaixonar pelas crianças instantaneamente. Mesmo inseridas em um mundo claramente fictício, toda a atmosfera e atuações são bastante naturais. O bairro do Limoeiro tem um clima de cidade do interior, com crianças correndo pelas ruas e o sol sempre brilhando. É fácil achar que vai ser apenas mais um filme com crianças chatas, mas essa é uma surpresa bastante agradável, chatos são os adultos (quem é Paulo Vilhena?).

Mesmo não tendo tanto destaque na trama, é absurdo o carisma de Laura Rauseo (a Magali), enquanto Giulia Benitte (a Mônica) transita entre uma garotinha meiga e uma furiosa guerreira brandindo seu coelho de pelúcia como arma. Até temas como a descoberta de paixões e a solidão são abordados, sem parecer forçado ou expositivo.

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Diversos personagens secundários fazem pequenas aparições, servindo mais como easter eggs que possivelmente vão aparecer em produções futuras. Uma continuação de “Laços”, intitulada ”Lições”, já está sendo produzida e podemos esperar que outras publicações de Maurício de Souza sejam adaptadas, como “Turma da Mônica Jovem”.

Por mais simples que “Laços” pareça, a lembrança de que esses personagens fizeram (e continuam fazendo) parte da infância de muita gente é o que transpira na tela. Os laços são mais do que fitas amarradas durante o caminho, são todas as situações e sentimentos que compartilhamos, mesmo sem nunca termos tempo para pensar a respeito disso. Eis uma boa oportunidade para assistir um conteúdo nacional de qualidade junto com as crianças e refletir sobre isso tudo.

Crítica do filme Brinquedo Assassino | Atualizado no humor, mas pouco no terror

O tempo passa e lá se foram mais de 30 anos desde o lançamento do primeiro filme da franquia Brinquedo Assassino. Apesar de absurda, a história do boneco amaldiçoado ganhou um público considerável — talvez pela galhofa excessiva, pelo tom ácido do brinquedo ou mesmo pela abundância de sangue na telona. Fato é que desde 1988, o personagem Chucky já passou por sete aventuras, mas parece que ainda não era suficiente, por isso agora temos mais uma jornada para o pequeno amaldiçoado.

Curiosamente, em todo esse tempo, não tivemos um remake propriamente dito do filme de origem. Até agora, as novas peripécias de Chucky foram continuações absurdas do primeiro filme — com desdobramentos que incluem uma noiva e um filho — e uma história de reboot em 2013 (que leva o nome de “A Maldição de Chucky”), que apresentou novos protagonistas e deu abertura até para uma sequência intitulada “O Culto de Chucky”. O oitavo episódio,  contudo, volta às origens, daí o mesmo nome do original.

A história é similar à do filme de 1988, mas para a geração que não teve oportunidade ou coragem de ver o antigo vale a sinopse. Em “Brinquedo Assassino”, Karen (Aubrey Plaza) presenteia seu filho, Andy (Gabriel Bateman), com o boneco mais aguardado dos últimos tempos: Buddi. Todo conectado ao sistema digital da Kaslan, o brinquedo é um assistente pessoal e também um amigo para a garotada. No entanto, a unidade que Andy ganhou parece ter vontade própria e começa a aprontar poucas e boas!

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Atualizado na trama, no visual e no tom cômico, o novo “Brinquedo Assassino” promete ser uma opção de terror divertida (vulgo Terrir). E apesar de inconsistências de roteiro — o que a gente já espera num título desse naipe — e do design de personagem no relaxo, o remake do original não é de todo ruim, sendo uma nova pegada que arranca boas gargalhadas e consegue até criar alguns momentos de tensão. Nada excepcional, mas dentro do esperado.

Hacker aqui!

A mudança de uma possessão maligna (que era a pegada do filme antigo) para uma divergência em software é algo que vem a calhar para uma época em que vemos empresas apostando forte em dispositivos interconectados. E apesar de uma rebelião das máquinas não ser novidade em Hollywood, é  interessante notar que esse não é bem o caso aqui, já que só temos um único exemplar com características excepcionais, o que é até explicado antes da trama principal — e depois eu volto nesse ponto.

É graças ao argumento dos dispositivos conectados que o filme funciona muito melhor, já que o Chucky não precisa apenas sair correndo com uma faca na mão para aterrorizar suas vítimas — o que, vamos combinar, que é algo meio ridículo. Assim, para não deixar o brinquedo ser motivo de chacota, o roteiro usa da gama de produtos da fabricante do brinquedo para dar novos poderes ao boneco e também para desenvolver novas cenas de terror.

Agora, Chucky ganha poderes ainda mais excepcionais, porque ele consegue hackear os dispositivos. Ele filma tudo, grava áudios, interpreta as vontades do seu dono (geralmente de forma errada), comanda os dispositivos da casa e quando quer até banca uma de hacker para zoar legal na era digital. Nesse sentido, zero reclamações do filme. E, felizmente, o filme não tenta debater esses perigos, tampouco tenta entrar em pormenores de como funciona essas tecnologias.

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Outro ponto positivo desse Chucky conectado é a brecha que há para uma pegada mais bem humorada. O boneco repete falas (até de forma errada, o que garante mais risadas), canta musiquinhas, faz piadas e, claro, fala muito palavrão. Então, não é por não ter uma alma demoníaca que ele perde sua essência. Muito pelo contrário, a ideia de um software sem amarras garante que ele continue besteirento e ousado na hora de fazer as vontades do menino Andy. Uma boa sacada pra deixar o filme engraçado!

Mão de obra barata

Se por um lado o novo “Brinquedo Assassino” acerta na pegada tecnológica, ele erra feio — mas talvez propositalmente — no design do personagem. O novo boneco tem uma aparência tosca e que parece bem mal feita, nos piores moldes de fabricantes que fazem produtos piratas. Isso dificulta acreditar que qualquer criança gostaria de ter esse brinquedo em casa e, para falar a verdade, até mesmo o Chucky de 1988 era mais convincente do que esse recente.

E poderia ser um problema de orçamento do filme, mas não parece ser o caso, porque eles contrataram até um Jedi pra dublar o  Chucky (que tem a voz de Luke, o Mark Hamill). Eu imagino que seja algo proposital ter feito o boneco desse jeito, pois assim eles conseguem encaixar com a ideia de ser um boneco feito no Vietnã (o que pode ser até o mote do filme) e em condições precárias. Além disso, o boneco desenhado com preguiça arranca mais algumas risadas do público.

O problema do boneco mais tosco é que simplesmente a parte de terror não cola tanto em meio à tanto humor. As cenas de matança ficam quase perdidas em meio a tanta galhofa. Uma ou outra até conseguem prender a atenção e algumas são legais pela composição (com o boneco arrastando uma faca no chão em um cenário que tem uma fotografia muito bem pensada). Contudo, o resultado geral é de um terror mais light, ainda com cenas de close nas facadas e pouca novidade.

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Vale menção para a vibe Stranger Thingers do filme, que tenta criar uma turminha descolada que ajuda o protagonista. O grupinho salva a trama em vários partes. A atuação da garotada merece destaque, principalmente o jovem Gabriel Bateman, que interpreta o Andy, um menino com limitações auditivas e que tem uma mãe um tanto relapsa. Ponto também para Brian Tyree Henry, que interpreta o detetive Mike Norris — personagem que já existia no filme antigo —, o qual cria a terceira ponta do filme (a investigação dos casos) de forma divertida.

Eu não diria que o novo “Brinquedo Assassino” é um remake que faça a gente reconsiderar a validade dos tantos filmes que estão sendo refeitos, mas ao menos ele traz uma dose de inovação. O ritmo aqui não é dos melhores e parece que a gente passa uma eternidade no cinema. Além disso, a dubiedade entre humor e terror pode não ser tão certeira, então eu acho que seria bom eles pararem por aqui, enquanto ainda estão ganhando. Mas a maldição das franquias pode pegar o Chucky novamente...

Crítica do filme Culpa | Um suspense que mexe com a mente

Com tantas adaptações que relatam as rotinas de inúmeras profissões, eu sempre questionei o porquê de não ter muitas obras que retratem o cotidiano de telefonistas. A resposta pode ser um tanto óbvia, uma vez que profissionais desse ramo geralmente ficam enclausurados numa sala, o que dificulta o desenvolvimento de uma trama que consiga fisgar o público.

Todavia, há títulos como “Chamada de Emergência” que já mostraram de forma bem-sucedida a complexidade dessa profissão, mais especificamente de policiais que trabalham no sistema de emergências. Nesse sentido, o filme dinamarquês “Culpa” não traz ineditismo, uma vez que ele tem o mesmo tipo de cenário e personagem, mas sua abordagem ímpar certamente merece atenção.

O protagonista aqui é o policial Asger Holm (Jakob Cedergren), que, devido a um conflito ético no trabalho, é confinado à mesa de emergências. A rotina normalmente é permeada por uma série de casos banais, mas logo ele é surpreendido pela chamada de uma mulher desesperada, que tenta comunicar seu rapto sem chamar a atenção do sequestrador.

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A partir dessa ligação, o filme se desdobra em situações tensas que nos fazem experimentar um pouco desse caso desesperador. Com informações escassas e sem muitas ações possíveis através do teclado numérico do telefone, acompanhamos todo o caso pela perspectiva do policial, sem ter uma única imagem do que está acontecendo com a vítima. E acredite: é uma experiência genial!

Lidando com o invisível

É interessante perceber que “Culpa” não é um filme que pretende esbanjar em conceito visual, tanto é que não temos nenhum policial correndo nas ruas para resolver um sequestro. Em vez disso, o filme opta por usar a imaginação do público como recurso narrativo, o que é, de certa forma, algo genial, já que cada pessoa tem uma concepção do ocorrido.

Conforme a ligação se desenvolve, o espectador obtém detalhes mínimos e vai compondo a cena em sua própria mente. Isso garante a atenção do público, já que nada está “mastigado”, e também uma experiência bem interessante. Como não há informações claras sobre cenários, personagens e situações, somos levados a imaginar cada situação e aí cada pessoa tem uma concepção diferente.

Eu acho muito legal que “Culpa” não é só uma degustação de algo pronto, mas ele consegue passar uma sensação similar ao que temos quando lemos um livro, em que a nossa imaginação dita o rumo das coisas. Aí que uma pessoa pode imaginar o vilão de uma determinada forma, com um tipo especifico de veículo e dirigindo numa determinada rodovia, enquanto outra pessoa pode ter uma impressão totalmente distinta.

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Inclusive, é interessante perceber como o roteiro do filme é bem estruturado nesse sentido, já que ele deve ter uma construção pausada para dar tempo de a gente raciocinar o que está acontecendo. Todavia, ao mesmo tempo, o script tem um timing tão pontual, que parece que estamos acompanhando o caso em tempo real. E é curioso que parece que estamos realmente na sala de chamadas, participando da chamada de emergência.

Outro ponto que merece atenção é a ausência de trilha sonora, uma vez que temos de prestar atenção até mesmo aos mínimos sons provenientes da ligação, então o barulho do limpador de para-brisas é fundamental para construção do cenário em nossa cabeça. Além disso, a voz que vem através do telefone precisa ser o fio condutor da história, pois é no nervosismo dessa pessoa que o filme vai nos manter apreensivos.

Fecha com chave de ouro a atuação excepcional de Jakob Cedergren, que por ser praticamente o único personagem em tela em tempo integral consegue desempenhar o papel de policial com maestria. Quase todo o peso do filme está nas feições dele, então um olhar, uma respiração ou até mesmo uma hesitação reflete no rumo do longa-metragem.

No fim, é o tipo do filme que já ganha pelo trailer, mas que se mostra ainda mais inteligente e surpreendente no andar da carruagem. Se você procura um filme de suspense inusitado e que sirva como uma experiência diferenciada, pode apostar suas fichas em “Culpa” que a satisfação é garantida. Um ótimo título dinamarquês que merece sua atenção!

Critica do filme Free Fire: O Tiroteio | Tiro certeiro

Ben Wheatley desponta como um dos diretores mais interessantes da sua geração, apesar de pouco conhecido por aqui. Apadrinhado pelo icônico Martin Scorcese, o diretor britânico vem consolidando seu currículo com uma filmografia intrigante e subversiva.

Sua estreia arrebatadora com dois thrillers envolventes (o drama criminal Down Terrace e o aterrorizante Kill List) chamou a atenção do público e da crítica, que passaram a prestar mais atenção ao trabalho do diretor, que não desapontou entregando outras três produções interessantes, o curioso Turistas (Sightseers), o lisérgico A Field in England, e o perturbador No Topo do Poder (High Rise) — sci-fi distópico com Tom Hiddleston e Jeremy Irons, e é aqui que as coisas começam a ganhar corpo.

Com a sucessão de trabalhos de sucesso já passava da hora de Ben Wheatley ganhar destaque no circuito hollywoodiano. Consolidado na Europa, o diretor finalmente atravessa o atlântico coma ajuda de ninguém menos do que Martin Scorcese, que assina a produção de Free Fire – O Tiroteio.

Cego em tiroteio

A trama de Free Fire é simples e direta: uma negociata de armas entre contrabandistas e membros do IRA dá terrivelmente errado e acaba em uma troca de tiros. Em um universo no qual ninguém pode demonstrar o mínimo de fraqueza, qualquer diálogo é estopim de conflitos maiores, forçando a objetividade do roteiro e se apoiando no talento do elenco.

Desconfiança é a palavra-chave, todos são suspeitos e ninguém quer ser passado para trás. Justine (Brie Larson) é a ponte entre os compradores e os vendedores enquanto Ord (Armie Hammer) representa o contrabandista de armas — Vernon (Sharlto Copley) e seus comparsas, Martin (Babou Ceesay), Harry (Jack Reynor) e Gordon (Noah Taylor).

A comitiva de compradores do Exército Republicano Irlandês (IRA) — Chris (Cillian Murphy), Frank (Michael Smiley), Stevo (Sam Riley) e Bernie (Enzo Cilenti) — são instruídos sobre como tudo vai acontecer, sugerindo que essa não é a primeira vez que Ord e Justine facilitam esse tipo de negociação. Enquanto isso, vamos descobrindo um pouco mais sobre os outros personagens, em especial Stevo, um jovem drogadito temperamental que parece ter arranjado alguns problemas na noite anterior.

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Apesar da tensão e desconfiança, alimentada pelo fato de Vernon tentar vender rifles de modelos diferentes do que os encomendados por Chris, tudo parece se encaminhar para um desfecho aceitável para ambos os lados. Até que Harry percebe a presença de Stevo, pivô da confusão no bar na noite anterior, e o confronta sobre o fato de ter desfigurado a sua prima durante a confusão.

Como era de se esperar, a situação que já era instável atinge o ponto de ebulição quando Harry saca sua arma e atira nas costas de Stevo. Não preciso dizer que desse ponto em diante, como o próprio título do filme sugere, o galpão abandonado vira um campo de batalha com todos os envolvidos sacando suas armas e disparando uns contra os outros.

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Fogo amigo

O elenco é afiadíssimo e não erra a mira em nenhum momento. Ninguém carrega o filme sozinho, todos os atores dividem a carga entregando uma produção sólida que prende o espectador sem fazer muito esforço.

A força na tela de Armie Hammer, Brie Larson e Collian Murphy é inegável, mesmo assim,  Noah Taylor e Sam Riley fazem valer cada segundo de ação, não deixando que o destaque fique apenas com os nomes mais famosos. O roteiro equilibra muito bem o espaço de cada personagem para que ninguém fique sobrecarregado ou subutilizado.

Com poucos personagens e apenas uma locação, Ben Wheatley e Amy Jump criam um roteiro extremamente criativo em sua simplicidade. O filme conta mais de uma história sem qualquer tipo de flashback ou monólogos expositivos. O próprio comportamento de cada personagem durante os momentos mais extremos mostra exatamente o que precisamos saber sobre aquela pessoa, oferecendo um vislumbre da sua personalidade.

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Ação inerte

Free Fire – O Tiroteio é um filme diferente. Como um thriller policial o filme cria uma expectativa de perseguições, ação desenfreada e grandes conspirações, pois Ben Wheatley apresenta tudo isso, mas de uma maneira diferente do esperado.

Com apenas uma locação, poucos personagens e sem cenas elaboras, o diretor cria momentos que acerta em cheio todos os quesitos do que se espera de um bom filme policial. Temos um perseguição — mas com duas pessoas baleadas se arrastando pelo chão de uma fábrica —, conspirações, traições, e um grande tiroteio.

Free Fire parece uma grande cena “tarantinesca” dentro de filme que exala a essência “scorcesiana”

Ben Wheatley é um nome que merece mais destaque, mesmo já tendo conquistado o devido respeito pra lá do Atlântico, o diretor ainda não fez o seu nome em Hollywood, mas Free Fire é um belo cartão de visitas que mostra o alto calibre da sua filmografia.

Crítica do filme Ted Bundy | Não é só mais um rostinho bonito

Quando alguém diz as palavras “serial killer”, que imagem vêm à sua mente? É provável que o rosto simpático do ator Zac Efron não seja exatamente a primeira opção, embora seja senso comum que os sociopatas que chegam a se tornar assassinos em série têm, entre suas características, o carisma. Pensando dessa forma, a escolha dele para dar vida a um dos mais emblemáticos criminosos norte-americanos talvez seja certeira.

Em “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal”, Efron é um charmoso estudante de direito que namora a mãe solteira Elizabeth Kendall (Lily Collins) e que, nas horas vagas, cruza fronteiras estaduais sequestrando, violentando e assassinando violentamente jovens mulheres.

Dirigido por Joe Berlinger, que também assina a série documental "Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy", da Netflix, a película tem roteiro adaptado por Michael Werwie a partir do livro da própria Elizabeth Kendall sobre sua história com Bundy nos anos 70.

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Talvez por isso, diferente do documentário e da maioria dos filmes que retratam as atividades de criminosos seriais, “Ted Bundy - A Irresistível Face do Mal” não pesa a mão nas cenas aterrorizadoras dos crimes acontecendo em si. Ao invés disso, o longa-metragem coloca o espectador na mesma posição que a própria Liz, que enxerga o homem que ama através da lente da vulnerabilidade e pelo desejo de que ele seja inocente.

Se você espera assistir ao título para ver cenas de perseguição, sequestros e muita matança, portanto, esteja ciente que este não é o tipo de filme que temos aqui. 

Graças a essa perspectiva da ex-mulher – e talvez para retratar o quão inconcebível era, para ela, acreditar que o homem que era tão amável e atencioso com ela e com a filha pudesse ser capaz de cometer crimes tão violentos como outras jovens mulheres – o filme utiliza como recorte o período entre o dia em que Liz e Bundy se conhecem e a execução dele em 1989.

O circo midiático construído em torno do caso, com o seu julgamento, em 1979, sendo um dos primeiros a serem transmitidos ao vivo pela televisão no país, também é um dos aspectos abordados pelo filme, já que foi um dos aspectos que contribuiu para que o caso ganhasse tanta projeção nacionalmente.

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É justamente na ansiedade criada pelas câmeras e na tensão com o andamento do julgamento que o filme ganha seu ritmo, que não é exatamente muito acelerado. Pendendo mais para o drama do que para o lado da ação, a película demora um pouco para ganhar velocidade, o que cansar o espectador que aprecia filmes mais dinâmicos e movimentados.

Para compensar o ritmo, o filme confia no talento dos atores. Lilly Collins abraça com força a tristeza no semblante para interpretar Liz, fazendo um belíssimo trabalho ao mostrar o que pode acontecer com uma pessoa que passa pelo que ela passou.

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O próprio Efron está muito bem caracterizado, mas seu desempenho, apesar do rostinho bonito, não chega a ser genial. O ator leva o público a duvidar da culpa de Bundy, algo que o próprio serial killer fez com a opinião pública na época, mas não consegue entrar tanto na mente do criminoso - não deve, afinal, ser um lugar muito agradável para se estar, afinal.

A trilha sonora também não é algo que se destaca. Embora seja agradável e contribua com o andamento do filme, ela não chega a ser marcante dentro da película. Já a caracterização dos personagens e o figurino ganham pontos com o público, com uma bela adaptação ao período histórico em que a trama se passa, no final da década de70.

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Outro aspecto importante é a fidelidade com a história, já que há um grande cuidado com a acurácia com relação às datas e à cronologia dos fatos que marcaram o processo contra ele - fruto, também do fato de o diretor também já ter feito toda uma série documental sobre Ted Bundy.

Crítica do filme Jornada da Vida | Uma aventura ao passado

Até onde você iria pelo seu ídolo? Yao, um garoto de 13 anos, fugiria de casa e percorria mais de 380 quilômetros sozinho para conhecer pessoalmente o seu herói, Saydou Tell, um famoso ator francês. Com direção de Philippe Godeau e atuação de Omar Sy, conhecido pelo seu papel em “Intocáveis”, o filme de produção senegalense e francesa é uma obra belíssima sobre o sentimento de pertencimento e autodescoberta.

Nesta aventura em busca da assinatura do ícone de Sanegal, uma nova jornada de descobertas e reencontros surge na vida de Yao (Lionel Louis Basse) e Saydou Tell (Omar Sy), que retorna ao seu país natal pela primeira vez. O que era para ser uma viagem de volta para casa, torna-se uma longa caminhada pelas raízes de sua ancestralidade.

Assim como “Djón, África” de João Miller Guerra e Filipa Reis conta a história de Miguel Tibars em busca de conhecer a sua história e o país que originou, “Jornada da Vida” não é muito diferente. O jovem francês de descendência senegalesa, Saydou pouco sabe sobre o país do seu avô e de seus pais, um sentimento que somente aflorou ao conhecer Yao, que mora em um pequeno vilarejo no interior cheio de costumes tradicionais.

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Com tom crítico às consequências do colonialismo e o imperialismo no continente africano, o longa, sem apelar para clichês, ressalta a luta da cultura africana em estar viva e presente na vida de seus descendentes. 

Uma viagem linda na tela que deixa a desejar no papel

Apesar de o filme "Jornada da Vida" explorar toda a beleza exótica e singular que existe no Senegal, o longa peca no roteiro e na construção dos personagens, que raramente são explorados a fundo.

A preocupação em mostrar diferentes cenários e de criar pontos de ligação entre o protagonista e os lugares que visita não permite que o espectador os conheça por completo. Essa superficialidade é vista, especialmente, na relação fria e vazia de Saydou com o seu filho, que está na França, como também em toda a sua ambição e vida profissinal.

Entratanto, o filme é uma obra sensível que não tem medo de expõr um dos problemas mais íntimos que os países coloniais vivem: o sentimento de voltar para o lar. A sensação de pertercer em algum lugar e de se identificar com a sua cultura de origem. Com um tom cômico e levemente ácido, Godeau não deixa de expressar a sua opinão em "Jornada da Vida" e ressaltar a conexão entre família, costumes e lar.