Crítica do filme Boas Intenções | Entre a ficção e a realidade

Não é preciso ser um gênio para perceber que o mundo está carente de boas pessoas — ainda que tal constatação possa ser decorrente de algo inerente à nossa vontade. Basta abrir um site de notícias, dar um passeio ou ouvir relatos para perceber como perdemos a compaixão em meio ao tumulto do dia a dia.

Seja para quem se deixa levar pelo cotidiano ou para quem precisa repensar suas atitudes, a ficção é sempre um meio para autores que querem mostrar esse ponto que visa aflorar nosso lado mais humano. Assim, vez ou outra, temos títulos como “Boas Intenções” para nos dar um puxão de orelha, sem deixar o bom humor de lado.

Nesta produção francesa, acompanhamos um recorte da vida de Isabelle (Agnès Jaoui), uma pessoa muito envolvida com trabalhos humanitários e causas sociais. Ela ajuda os imigrantes que chegaram à França e não têm meios para ter um mínimo de dignidade em suas vidas, sendo que suas ações incluem o trabalho nas ruas e também suas aulas de francês.

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Todavia, ao descobrir que seus alunos, na realidade, precisam de uma licença de habilitação para conseguir empregos, ela decide ajudá-los a ingressar em uma escola de motoristas, bem como nos estudos. Paralelamente, sua vida vira um caos ao ter que lidar com a própria família que reivindica mais atenção.

Bem-intencionado, mas não tão bem-sucedido

Falando primeiro sobre o roteiro, é bom constatar que “Boas Intenções” sofre de um alvoroço complexo em seu desenvolvimento, o que pode causar cansaço ao espectador. Por ter uma personagem engajada, esvoaçada e decidida em suas convicções, sendo ela também o fio-condutor da trama, a história aqui acaba tendo variações de ritmo e humor constantes.

Não é preciso mais do que alguns minutos para perceber que o filme tenta pegar forte nessa questão da disparidade social e da falta de empatia de algumas pessoas, o que é ótimo, sem sombra de dúvidas. Contudo, o exagero na protagonista pode deixar o público um bocado pasmo (pela raridade da situação) e um tanto ansioso para ver onde essa história vai chegar.

E, para falar a verdade, é difícil avaliar filmes que tratam de temáticas sociais e familiares sem dissociar a mensagem de nossas perspectivas. Assim, é inevitável que o roteiro de “Boas Intenções” seja alvo de considerações partindo do ponto de vista de cada espectador. Eu entendo a ideia do exagero proposto, mas uma dosagem no script não cairia mal.

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Tirando essa bagunça de ideias e o drama um pouco raso, já que não parece ser um grande dilema para a protagonista, o roteiro leva sua mensagem e eu acho que isso é o que vale no fim das contas — afinal, se você não pode ganhar pela lógica, vença pelo cansaço. A produção é boa, com uma direção funcional e umas cenas bem executadas que rendem gostosas risadas.

“Boas Intenções” não é um filme que tem apenas boas intenções, mas que tem ótimas motivações

Muitos atores são desconhecidos e até um tanto inexperientes, mas eu acho que é justamente essa disparidade que ajuda na construção dos personagens de diferentes nacionalidades. Todavia, é claro que o destaque é da protagonista, que praticamente segura o filme sozinha. Não se trata de uma interpretação totalmente dramática ou cômica, mas ela faz o necessário diante da personagem complexa.

No fim do dia, “Boas Intenções” é um filme que podia rumar de forma diferente, inclusive ao não apelar para clichês quanto aos imigrantes, mas ao menos a mensagem foi entregue e de forma bem humorada, ainda que desleixada em algumas partes (mostrando também esse lado falho de quem é envolvido nas causas sociais). Enfim, pode não ser a comédia que queremos, mas é aquela que precisamos para dar uma sacodida!

Crítica do filme Homem-Aranha: Longe de Casa | Curtindo férias frustradas

"Homem-Aranha: Longe de Casa" é a conclusão da Saga Infinita e o que começou com o primeiro "Homem de Ferro", finalmente, se encerra. Pelo menos até a próxima fase, que promete ser ainda mais grandiosa que a anterior. Peter Parker (Tom Holland) e seus amigos estão em férias pela Europa, mas eles não vão conseguir descansar.

Peter terá que desvendar o mistério de criaturas que causam desastres naturais e destruições pelo continente, enquanto lida com a perda de seu grande mentor Tony Stark (Robert Downey Jr.). Ele contará com a ajuda de uma nova figura heróica apelidada pelos jornais de “Mysterio”, também conhecido como Quentin Beck (Jake Gyllenhaal).

Apresentando-se como um misterioso guerreiro de uma dimensão paralela muito parecida com a “nossa”, responsável por batalhar contra os Elementais, um grupo de monstros horríveis baseados nos quatro elementos. Beck conta que seu mundo foi dizimado por essas criaturas, mas foi capaz de escapar até outra dimensão a tempo de prevenir a catástrofe novamente. Vale mencionar que Jake Gyllenhaal eleva um personagem que usa um aquário na cabeça a um novo patamar, incrivelmente carismático e divertido com todas as suas particularidades.

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Nick Fury (Samuel L. Jackson) acredita na história do misterioso e simpático herói e resolve ajudar, visto que a Terra pode estar em grande perigo e tentar prevenir o fim do mundo faz parte do seu dia a dia. Para tal empreitada, ele convoca nosso garoto aracnídeo, que prefere passear com seus amigos na Europa do que salvar o mundo. Mas a SHIELD tem métodos bem eficazes de persuasão e Peter acaba aceitando a missão, indignado por nenhum outro Vingador estar disponível.

Seu amigo da vizinhança

Aliás, tudo isso se passa após os eventos de “Vingadores: Ultimato”. Ou seja, metade da população foi apagada e restaurada cinco anos depois, evento carinhosamente chamado de “Blip”, então universos paralelos parecem plausíveis após essa loucura toda. A primeira cena já vai cativar seu coração, servindo como homenagem para aqueles que já se foram e dando o tom humorístico esperado para um filme do Homem Aranha. As consequências do “Blip” são explicadas logo de cara, de forma descontraída mas sem parecerem bobas.

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Quando “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” foi lançado, comentou-se bastante sobre como o filme não era tão influenciado por outros filmes do gênero "heróis", mas principalmente de longas no estilo do diretor John Hughes, como “Clube dos Cinco” e “Curtindo a Vida Adoidado”. Distanciando-se das versões anteriores (principalmente a de Andrew Garfield), Peter era apenas um garoto tentando conciliar uma vida normal, indo para escola, morando com sua Tia May (Marisa Tomei) e talvez salvando a vizinhança com seus poderes de Aranha. Provavelmente a maior qualidade do diretor Jon Watts ainda seja seu trabalho com o elenco jovem e com o clima despojado de uma comédia adolescente.

Agora, depois de ir para o espaço, entrar para os Vingadores, enfrentar vilões com poderes imensos, sem contar os cinco anos que se passaram, é difícil voltar a uma vida pé no chão sem se preocupar com as futuras ameaças, principalmente sendo praticamente forçado a se tornar “o novo Homem de Ferro”.

Spiderman, Spiderman, does whatever a spider can

Eu tive que pensar durante um tempo e apesar de ter gostado MUITO do filme, alguns pontos me pareceram bem fracos ou forçados demais. Em “De Volta ao Lar” a direção de Jon Watts não parecia muito confiante nas cenas de ação, apesar de todo o excelente trabalho de Tom Holland, mas em “Longe de Casa” tudo parece mais ambicioso e bem encaixado, exceto se comparado ao “Aranhaverso”, uma comparação quase inevitável, apesar das mídias distintas. Apesar disso os efeitos visuais estão excelentes, e as cenas de ação evoluíram muito.

O que me incomodou realmente foram algumas soluções do roteiro propostas por Chris McKenna e Erik Sommers. Algumas são convenientes demais para serem críveis, mesmo se considerarmos o universo fantástico em que o longa se insere. Sem dar spoilers fica difícil explanar, mas um exemplo é após uma batalha especialmente difícil, Beck e Parker vão até um bar para beber.

Eles simplesmente tiram a máscara e conversam sobre “assuntos heróicos”, enquanto as pessoas ao seu redor não prestam a menor atenção a eles. O desenvolvimento da cena pode justificar a situação, mas é apenas uma das situações de que tudo é conveniente demais, assim como a utilização da tecnologia em momentos cruciais da trama.

Nos dias de hoje, as pessoas acreditam em qualquer coisa

Peter só quer curtir suas férias na Europa com seu amigo Ned (Jacob Batalon) e planeja se declarar para MJ (Zendaya), mas as circunstâncias forçam ele a ser muito mais Homem Aranha do que Peter Parker. Estando em um estado de negação e luto, ele torna-se suscetível a qualquer um que queira se aproveitar dessa vulnerabilidade emocional, um dos pontos chaves da trama. Enfim, prepare-se para grandes surpresas e desconfie de tudo.

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“Longe de Casa” é um filme sobre legados e o peso de nossas ações. Apesar de apresentar uma história mais contida e pessoal, a sensação de que o longa serve como mais uma peça no enorme quebra-cabeça do Universo Marvel é inevitável. Não que isso seja algo ruim, já que ainda podemos ver Peter Parker em uma excursão escolar pela Europa junto com seus amigos, se apaixonando, talvez indo para a faculdade?

Porém, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, e depois de ver as duas cenas pós-créditos o futuro é tão incerto que independente do rumo da próxima fase Marvel, estaremos lá. Você vai acreditar em tudo o que eu disse ou vai conferir com os próprios olhos?

Crítica do filme Annabelle 3: De Volta Para Casa | Bem-vindo ao Túnel do Terror

Parece que foi ontem que vimos “A Freira” nos cinemas, mas já faz quase um ano que tivemos essa ingrata surpresa no universo de “Invocação do Mal” — e isso sem contar “A Maldição da Chorona”, que decepcionou de forma brutal neste ano. Felizmente, para os fãs da saga, e infelizmente, para os acompanhantes que odeiam esses filmes demoníacos, a Warner Bros. traz agora mais um capítulo da franquia para os cinemas brasileiros.

O terceiro capítulo do spin-off “Annabelle” vem para dar mais substância à boneca satânica e também a este universo de terror como um todo. Todavia, até o momento, os idealizadores das filmes — principalmente o Mago do terror, James Wan — não têm feito questão de ligar as pontas entre as obras, algo que parece ser uma tática para garantir que as pessoas vejam os títulos de forma independente.

O fio condutor da saga é o casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), que, para quem não sabe, são investigadores paranormais (ou demonologistas) do mundo real. Esse pingo de veracidade é talvez o principal chamariz da franquia, sendo algo que deve deixar a galera mais curiosa para ver “Annabelle 3: De Volta Para Casa”, que tem potencial para explorar novas maldições.

A gente já sabia que os protagonistas da série haviam trancado Annabelle na sala de artefatos para evitar mais danos. O filme recapitula tal informação (e traz novidades) já nos primeiros minutos, mas logo a história vai por um caminho bem distinto. O enredo gira em torno da filha dos Warren, Judy (Mckenna Grace), que tem seu aniversário amaldiçoada quando a boneca é liberta, o que desperta outros espíritos aprisionados na sala.

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Com uma pegada mais teen e até pitadas de comédia, o filme arrisca pisar em novos solos. A ideia é sustentada principalmente pelas protagonistas joviais, que incluem tanto a pequena Judy, de apenas 10 anos, quanto suas babás, Mary Ellen (Madison Iseman) e Daniela (Katie Sarife). Já adianto que, apesar de não ser o mais assustador da série, o novo filme da Annabelle ficou deveras convincente e deve ser uma ótima pedida para os fãs do terror em geral.

Boneca com crise de identidade

A história de “Annabelle 3: De Volta Para Casa” tem um desenvolvimento mais raso, principalmente por não ir além do cenário já conhecido da Casa dos Warren, mas também por apostar em personagens que, além de não serem cativantes, tentam dar um tom cômico para uma série que deveria ser puro terror. Existe certa relevância nessa aposta, contudo o público cativo da saga pode estranhar — e com razão.

Além dessa mudança de tom, o filme também peca por não ter um foco. Em partes, é compreensível a tática de Gary Dauberman e James Wan para expandir o universo para as próximas etapas, mas isso deixa esse episódio mais superficial do que os anteriores. É uma artimanha que deixa o filme menos assustador? Não, porém um roteiro com mais substância tem o poder de fazer a história fluir melhor, uma vez que aqui temos um rodeio em poucos fatos.

Para não ser injusto, é válido ressaltar que a simplicidade do enredo vem a calhar para o desenvolvimento do ambiente e para matar a curiosidade da galera que queria conhecer as maldições na salinha secreta dos Warren. É uma representação real? Oras, assim como a própria Annabelle tem sua versão para o cinema, você pode ter certeza que várias relíquias do filme são enfeitadas para a telona.

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De qualquer forma, mesmo com um bocado de invenção, não dá para negar que os gênios por trás da história de “Annabelle 3: De Volta Para Casa” souberam explorar bem esses tantos objetos amaldiçoados. Por conta dessa abordagem, você deve estar ciente de dois aspectos: este não é um filme exclusivo da boneca, o que desvia um pouco do foco, mas ele é um filme que consegue surpreender de várias formas, então acaba sendo inovador.

Então, apesar dessa crise de identidade e certa enrolação no enredo, o filme ganha a gente pelos tantos personagens que aparecem na telona. Se a própria Annabelle não dá medo mais em algumas pessoas, é possível que os demais personagens desse “Túnel do Terror” possam surpreender de alguma forma. Também é importante ressaltar que tal passo era necessário para permitir a expansão do universo de sustos da Warner, então ponto pra produção!

Terror nos mínimos detalhes

Bom, tirando essa questão do enredo embananado, o novo capítulo de Annabelle se destaca em dois aspectos: atuações muito boas e um capricho incrível na produção. Sobre o elenco, é importante frisar que as atrizes que tomam as rédeas do script não devem ser culpadas pela história rasa, uma vez que elas desempenham seus papéis de forma surpreendente.

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Já é comum na franquia a presença de mulheres em papéis principais, mas tal escolha faz ainda mais sentido nesse título, principalmente por dar vez para uma personagem (a filha dos Warren), que pode dar sequência à série num futuro próximo. As jovens Madison Iseman e Katie Sarife cumprem bem seus papéis, mas eu acho que é Mckenna Grace que se destaca ao encarar o terror ainda mais de perto.

Todavia, mesmo com boas atrizes, as personagens superficiais não convencem. Assim, os fãs da série devem pirar muito mais ao rever o casal Warren no começo do filme. Por serem a alma deste universo, eles deixam a gente cheios de esperança (até por serem atores ainda mais experientes), mas é claro que não faria sentido manter eles como protagonistas numa história de apresentação das relíquias.

Os aspectos que mais impressionam em “Annabelle 3: De Volta Para Casa” são o visual e o tratamento sonoro. Primeiro, temos uma composição de cenas impecável, algo já perceptível na sequência na névoa. Depois, todo o ambiente assustador da casa mostra o esmero do time, que precisou trabalhar nos detalhes para manter o medo escondido no escuro, algo possível graças à precisão na parte da iluminação.

Merece destaque também os efeitos visuais e a maquiagem, algo fundamental para evitar que criaturas demoníacas pareçam pessoas pintadas para cosplay (deslizes que podem estragar um filme). Felizmente, a ação precisa nos efeitos visuais para criar tais  seres — que se deslocam nas sombras, interferem nos eletrônicos e tomam formas inimagináveis — foi muito bem-sucedida!

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Ainda que não sejam conjuntas na produção, imagem e som são casados na exibição, ainda mais num filme de terror, que depende quase que exclusivamente disso para manter o clima de tensão ou para surpreender. Novamente, a equipe da Atomic Monster se mostra ímpar, ao trabalhar nas faixas de áudio para manter o público sempre alerta. E, uma ótima coisa, é que o filme não abusa dos jump scares.

Enfim, uma história mais envolvente poderia deixar o enredo mais crível, mas a produção consegue convencer pelo visual e deve dar espaço para o futuro da franquia. Como fã deste universo, eu acho que “Annabelle 3” não é o mais assustador da série (nem mesmo dentro dos spin-off), mas ele tem seus méritos e deve sim ser uma ótima pedida pra galera que adora filmes de susto.

Crítica do filme Beatriz | A fantasia da submissão

Do livro para a vida real, o romance brasileiro e português “Beatriz” de Alberto Graça ultrapassa as fronteiras da ficção e embarca em uma aventura dramática pela sedução e as fragilidades do amor. Com um ritmo confuso e atuações intensas, o diretor provoca o espectador ao levantar o questionamento: o que você faria por amor?

Para a protagonista Beatriz (Marjorie Estiano), musa inspiradora do escritor e seu atual namorado Marcelo (Sérgio Guizé), ela chegaria à beira de um abismo emocional e ficcional para viver a sua história de amor. 

Após receber a visita de Luis Ibarra (Xavier Estévez), renomado editor de livros, Marcelo começa a desenvolver o seus segundo romance inspirado em seu namoro. Instigada pela história, Beatriz divide a sua vida de advogada com a personagem literária criada por seu namorado. Nesta duplicidade, a protagonista começa a vivenciar os mais diferentes desejos carnais e comprometedores.

Porém, à medida que Beatriz busca alimentar a criatividade de seu namorado a relação entre os dois são colocados a prova e tornado-se cada vez mais perigosa e abusiva.

Entre paixão e dor

Em busca de trazer uma linguagem poética ao longa, o diretor Alberto Graça (O Dia da Caça) conta a história de Beatriz em duas perspectiva diferentes: a visão da própria protagonista e a visão de Marcelo, que é representada de forma teatral no filme. Nessa mistura de linguagens, Graça trabalha os principais elementos que vivem em torno da temática da paixão e sofrimento: possessão, ciúmes, sedução e desejos. 

O uso de poemas escritos em diferentes momentos, a inserção de cenas teatrais e discursos vívidos faz com que o filme transite do drama para suspense psicológico. Com um roteiro belíssimo sobre as fragilidades que existem em torno do ato de amar, Graça invoca uma reflexão sobre relacionamentos e o que podemos fazer para manter ele vivo. 

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Contudo, a preocupação por mostrar a submissão feminina reforça a ideia de fantasia sexual e apaga a principal tese em volta do romance: a masculinidade tóxica presente na relação de Beatriz e Marcelo. Além de que para ambientar a vida dupla de Beatriz, o longa se perde na subjetividade e torna confusa a construção narrativa, o que dificulta na fundamentação das ações que ocorrem com a protagonista, que sempre está no papel de docilidade. 

Um filme que questiona a moralidade dos relacionamentos e coloca em cheque o que definimos e realizamos pela paixão. Com um roteiro elegante, mas sem querer pautar assuntos relevantes, o espectador é levado ao abismo que existe entre a paixão e a dor. 

Crítica do filme MIB: Homens de Preto – Internacional | Não seja neuralizado

“Homens de Preto” de 1997 deve seu sucesso a inesperada química entre os atores Will Smith e Tommy Lee Jones, juntamente de um conceito interessante inspirado livremente nos quadrinhos de Lowell Cunningham. A ideia de uma agência secreta protegendo a Terra de alienígenas é simples e eficaz, além de ser pautada em diversas teorias da conspiração que retroalimentam os filmes e tornam qualquer evento estranho envolvendo celebridades ou cultura pop potencialmente uma cena em que Homens de Preto vão pedir para você olhar para um dispositivo e apagar sua mente.

As sequências de 2002 e 2012 não agradaram tanto quanto o original, ainda que Homens de Preto 3 tenha seus momentos graças a dupla Will Smith e Josh Brolin, interpretando uma versão mais jovem do personagem de Tommy Lee Jones. Em "MIB: Homens de Preto – Internacional", uma tentativa de recomeçar a franquia expandindo o universo para além dos Estados Unidos, utiliza a mesma fórmula básica com dois novos agentes, H (Chris Hemsworth) e M (Tessa Thompson), trabalhando na agência de Londres.

Tudo começa com a pequena Molly (Thompson) encontrando um alien e deixando ele escapar dos Homens de Preto. Sua família conseguiu ser “neuralizada”, mas Molly conseguiu manter as lembranças do encontro com o pequeno et. Intrigada pelo acontecimento, ela dedica sua vida a encontrar e descobrir quem são os agentes e finalmente tornar-se uma recruta.

Com muita dedicação, esforço e sorte, Molly é recrutada pela Agente O (Emma Thompson) para um período de testes, sendo enviada para a agência de Londres. Porém, seu treinamento praticamente não é mostrado e quase sempre ela parece preparada para o que a situação pede, como saber exatamente como uma arma funciona e nunca errar um tiro. Apesar de ser mais uma escolha do diretor do que uma falha propriamente, boa parte da graça de Homens de Preto é aprender com os erros dos agentes, mas não é nada de grave, apenas uma escolha para pular diretamente para a ação.

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A zoeira fica por conta de H, um agente experiente que faz tudo do seu jeito, raramente seguindo as regras e que é praticamente um herói na agência após enfrentar um misterioso alienígena chamado ”A Colméia”. Após esse evento, algo mudou em H, o filme vai te lembrar constantemente disso, e agora ele é uma espécie de playboy que tem muita moral com o chefe da divisão de Londres, o agente Grande T (Liam Neeson).

Difícil saber o quanto vem do roteiro ou simplesmente improviso dos atores mas certamente o carisma de Thompson e Hemsworth são o que carregam o filme. Todas as cenas são divertidas sem parecerem forçadas, claramente os dois estão bastante confortáveis nos papéis, quase que agindo naturalmente e não interpretando.

O clima de conspiração mundial e espionagem lembra muito os filmes do James Bond. As coreografias das lutas e sequências de ação são ótimas e as novas espécies de alienígenas são utilizadas com todo seu potencial. O design dos ets são interessantes e criativos, ainda que eu sinta falta de mais efeitos práticos e menos computação gráfica. Ao contrários dos vilões esquisitos e marcantes dos filme anteriores, agora os antagonistas são dois gêmeos (Laurent e Larry Nicolas Bourgeois, dançarinos conhecidos como Les Twins) que praticamente não falam e só ficam ali sendo lindos (porque suas formas verdadeiras são duas nebulosas bem espetaculares), dançando e moldando materiais em armas letais.

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Outro exemplo é o pequeno alien de uma raça baseada em peças de xadrez, Pawny (dublado por Kumail Nanjian). Colocado ali para ser um apelo para as crianças e um alívio cômico desnecessário, foi a única coisa que me incomodou de verdade no longa, desde seu design até sua presença nas cenas. Vale mencionar também todo o trabalho na divulgação e localização do filme, inserindo personalidades de diversos países como se fossem extraterrestres. No nosso caso, temos Sérgio Mallandro e suas loucuras em um das cenas no filme, além de dois comerciais que você pode assistir aqui.

Seguindo a mesma fórmula dos anteriores, a história deixa um pouco a desejar. Algumas cenas parecem arrastadas enquanto outras terminam abruptamente, principalmente o final que é bastante acelerado. A relação entre H e seu mentor Alto T é explorada de forma bastante superficial e é difícil dar uma importância ou sentido emocional quando nada é mostrado, apenas mencionado.

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MIB Internacional pode não ser perfeito, mas não precisa. O roteiro tem falhas, alguns personagens não têm seus arcos finalizados e o final talvez seja apressado demais. Entretanto, é um ótimo filme para apenas assistir e divertir-se sem muita pretensão, exatamente como os originais. Pautado totalmente no carisma e química de Tessa Thompson e Chris Hemsworth, é uma ótima sequência da franquia especialmente para as novas gerações, com potencial para boas continuações e spin-offs, quem sabe com um pouco mais de ousadia e originalidade, mas com certeza vale a ida ao cinema.

Crítica do filme X-Men: Fênix Negra | Tomara que dessa vez não renasça

Finalmente a saga dos mutantes na Fox chegou ao seu derradeiro fim. Os fãs já não estavam esperando muito, com o filho que ninguém quer “Novos Mutantes” sendo adiado novamente, “X-Men: Fênix Negra” pode ser considerado a despedida até que a Marvel nos maravilhe com os mutantes voltando para casa. Tentando evitar os erros dos filmes anteriores, há apenas uma história central extremamente simplificada que envolve Jean Grey (Sophie Turner) tendo seus poderes amplificados além dos limites aceitáveis e as consequências desse evento.

É claro que a história parece familiar, pois é a mesma de “X-Men: O Confronto Final” de 2006. Simon Kinberg, roteirista do “Confronto Final”, agora tenta novamente como diretor e roteirista em “Fênix Negra”. Infelizmente mesmo depois de tanto tempo, o roteiro parece não ser o seu forte. O filme se arrasta de uma trama a outra, sem graça nenhuma, dificultando a resposta “pra que esse filme foi feito de novo?”

Obviamente, o foco da história é Jean e todos os outros personagens são meramente ilustrativos. Talvez já fosse esperado, mas Wolverine (Hugh Jackman) não aparece para evitar um romance bizarro, e essa é uma escolha sábia. Mas não há um só personagem marcante que possa tirar o brilho da Fênix ruiva. Um dos pontos mais positivos dos filmes anteriores é a consagrada “cena do Mercúrio (Evan Peters)”, onde o personagem desacelera o tempo e faz seu show, mas nem isso Kinberg entregou.

Mas justiça seja feita, Sophie Turner coloca todo seu talento no papel e eleva a qualidade a um patamar aceitável para uma personagem com diálogos rasos e motivação fraca. Também é preciso enaltecer o papel do Professor Xavier (James McAvoy), sempre visto como um herói mas agora pisando em áreas cada vez mais cinzentas da moralidade.

Todos os outros estão ali apenas para preencher espaço na tela e ter uma variação na demonstração de poderes. Fera (Nicholas Hoult), Mística (Jennifer Lawrence), Ciclope (Tye Sheridan) e Magneto (Michael Fassbender) parecem estar apenas cumprindo o contrato e torcendo para que o filme acabe.

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Noturno (Kodi Smit-McPhee) e Tempestade (Alexandra Shipp) são dois personagens legais inteiramente desperdiçados, ainda que seus atores tenham se esforçado, o tempo de tela não é o suficiente para fazer jus a suas presenças. Outro desperdício enorme é Jessica Chastain interpretando a vilã mais sem graça que poderia ter sido escolhida para a Saga da Fênix Negra.

“Fênix Negra” peca pela falta de ousadia e imaginação. O primeiro ato promete uma jornada interligada entre dois personagens com potencial para uma história riquíssima, uma mulher percebendo os abusos cometidos contra ela e um homem vendo as consequências dos erros que cometeu com as melhores intenções.

Contudo, as ideias apresentadas são bastante forçadas. Uma das personagens principais diz que Charles Xavier deveria mudar o nome para X-Women, já que as mulheres estão sempre fazendo o trabalho pesado. Por mais louvável que possa parecer, a temática dos abusos cometidos por Xavier em prol de um bem maior são abordadas de forma superficial demais.

Na metade do filme todas essas questões são abandonadas e por ser a conclusão de uma sequência enorme de filmes, provavelmente você nem se lembre do que aconteceu nos anteriores. Infelizmente Simon Kinberg parece ter esquecido também, mas é razoável deixar pra lá e tentar focar apenas no filme mais recente, afinal de contas a linha do tempo dos filmes não tem o menor compromisso em ser seguida.  

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É um filme bem fácil de ser esquecido, por sinal. Não há nenhuma trilha marcante (apesar do excelente trabalho de Hans Zimmer), nenhuma sequência de ação digna de nota, nem uma pequena dose de humor. Não chega a ser desagradável, apenas sem graça, mesmo com todo o esforço para tornar os efeitos visuais impressionantes. O único aspecto que merece ser mencionado são as cores aplicadas magistralmente, lembrando muito uma história em quadrinhos, trabalho muito bem executado pelo cinematógrafo Mauro Fiore.

Mas é tudo muito frustrante. Após uma cena incrível no espaço logo no início do filme, parece que o orçamento foi cortado e tiveram que improvisar.  Os cenários variam entre casas suburbanas, um hotel e trens. Apesar de nunca ser chamado por esse nome mas o contexto deixa claro, Genosha, o país cuja população é inteiramente composta por mutantes, o único lugar que poderia ser realmente interessante e que os fãs mais fiéis esperavam ver parece um banhado numa comunidade hippie baixo astral.

Por coincidência, ou não, além de ser um remake sem sentido de um filme da mesma franquia, “Fênix Negra” é muito parecido com “Capitã Marvel”, desde uma heroína que absorve energia cósmica e é perseguida por alienígenas que mudam de aparência, até o subtexto da mulher que é manipulada psicologicamente para suprimir suas emoções para neutralizar seu poder.

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Difícil dizer que “Fênix Negra” é o ápice de 19 anos de filmes dos X-Men. É bastante anticlimático e talvez não deixe ninguém com saudade, já que a despedida foi bastante morna. Apenas mais um filme mediano sobre pessoas com poderes estranhos, uma história repetida, atores desinteressados e muitas oportunidades boas perdidas.