Crítica do filme Gattaca | Contra os negacionismos cada vez mais atuais

Gattaca, produção de 1997, trata de um futuro não tão distante, no qual a ciência venceu, porém, a falta de humanidade também. Na mesma direção, o que o negacionismo científico de 2021 nos diz sobre essa produção, que está próxima dos seus 25 aninhos? A genética ou a capacidade representa nossa identidade?

"Gattaca" conta com direção de Andrew Niccol e com produção executiva do consagrado Danny DeVito (o Pinguim do Batman, de Tim Burton). Nessa produção, a ascensão social é exclusivamente marcada pelo DNA (Ácido Desoxirribonucleico), composto orgânico responsável pelo desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos, cuja combinação é única para cada ser celular. Não por acaso, o signo principal do filme provém dos quatro compostos de Base Nuclear do DNA (Guanina, Adenina, Timina, Citosina) formando três sílabas, portanto, o título do filme = GATTACA.

Lembram da ovelhinha Dolly e o sequenciamento genético do final dos anos 1990?

A configuração temática da impossibilidade de ascensão social está presente no signo da fita do DNA, inclusive o formato da escada da mansão do ator coadjuvante Eugene, de "Gattaca" (Jude Law – sacaram o nome dele? Eu [do grego = bom) gene]?). Ele é a exata representação teórica do DNA, tendo em vista que, por ser paraplégico, ele não concede subir literalmente a sua própria escada, o que o faz também, para além da sua prisão chamada lar, que não ascenda socialmente.

gattaca00 29ede

Assim, a estratificação social é garantida por um modelo, o qual chamamos sociedade estamental. Nesse sentido, o filme mostra que pouco após o nascimento, a partir de uma amostra de sangue, a criança já será sagrada ou condenada, pois o exame já mostra a probabilidade que terá de contrair doenças crônicas, prevendo até mesmo o possível tempo de vida.

No contexto de Gattaca, há o geneoísmo, o preconceito social por pessoas de base genética rejeitada pelas instituições. Nesse caso, os nascidos naturais, são chamados degenerados ou uterinos, filhos da fé, e até mesmo de inválidos, uma vez que se opõem aos bebês selecionados geneticamente, com sêmens de homens selecionados, em clínicas que disponibilizarão uma inseminação que produzira o feto mais perfeito possível.

São Uma Thurman e Jude Law os coadjuvantes que acompanham o destino de Vincent (Ethan Hawke), o qual terá como companheira a personagem de Uma Thurman, Irene, e seu fornecedor genético, Eugene, cujo excelente papel é feito por Jude Law. Este é um cadeirante que possui um DNA praticamente perfeito, mas sua ascensão foi interrompida por um acidente ainda jovem que o deixou deficiente quando era um atleta medalhista, que buscava o ouro na natação.

gattaca01 35ab8

Ele empresta seu nome verdadeiro, Jerome Morrow, a Vincent (Ethan Hawke), que, em virtude do péssimo DNA (de doença crônica no coração, ele é um filho da fé, uterino), ele aceita submeter-se a um duro processo de se passar por outra pessoa, a fim de ascender socialmente por meio do ingresso no projeto Gattaca. Embora não se explique no filme, está claro que é uma instalação de alta tecnologia, voltada para superdotados geneticamente, com o direito a fazer parte de um projeto espacial no final do curso.

Gattaca: um X-Men às avessas?

Se pensarmos bem, "Gattaca" seria um X-Men às avessas. A história de X-Men foca na mutação natural do gene, que torna o detentor da mutação menosprezado socialmente, mas ao mesmo tempo poderoso em alguma direção. Gattaca, por sua vez, não “tira com uma mão e dá com outra”, ou seja, ou se nasce geneticamente superdotado ou se vai para o baixo escalão social que esse tipo de seleção natural (ambientada em testes laboratoriais) destina aos seres “inferiores” geneticamente.

As entrevistas de emprego representadas no filme nem sequer pedem que o entrevistado fale, coloca-se um potinho na frente e pedem um fio de cabelo para teste. Assim, ao se deparar com essa situação, Vincent tenta ser um falso alpinista social, fato que o levará a procurar Jerome Morrow, Eugene, o cara do “bom gene”.

gattaca04 0491e

A trama tem duas camadas, além daquela camada social que foi apresentada anteriormente, ou seja, há uma trama relacionada aos coadjuvantes de Vincent (já citados acima) e uma outra completamente clichê. De fato, esse outro percurso narrativo poderia ser excluído do filme, mas a influência hollywoodiana da produção tornou necessário mostrar o drama familiar de Vincent, o qual acredito ser o único incômodo do filme.

Na mesma direção em que Vincent é o oposto de Eugene, Vincent também é o oposto de seu irmão Anton, que, após seu pai não gostar dos genes de Vincent, decide produzir um filho biologicamente perfeito e o batizar com seu nome, Anton. Não é necessário dizer que os dois irmãos criam rivalidade desde pequenos e que, apesar de Vincent ser uterino, ele vence o irmão perfeito em um dos desafios e por aí vai esse plot chato. Para mim, um plot completamente desnecessário e o único problema do filme.

Muito antes de Black Mirror...

Tecnicamente, o filme é interessante pois se passa em uma sociedade distópica sem necessariamente valer-se de efeitos especiais. Como foca no tema da manipulação genética e não nos encadeamentos narrativos em planos rápidos e de ação, o filme é muito utilizado, por exemplo, em escolas no Brasil, para discutir a importância da herança e da manipulação genética e seus percalços sociais.

gattaca02 3450e

O filme Gattaca serve de alerta sobre a questão de que o determinismo social pode fazer o ser mais perfeito geneticamente ser um inválido, enquanto a força de vontade (signo metafórico de Vincent) seria o motor para se vencer socialmente. Fica o mérito para a cena em que os alunos de Gattaca testemunham um pianista como o único ser que pode tocar aquela peça musical, pois ele tem polidactilia, por isso, os seis dedos o fazem executar com perfeição a arte.

Esse jogo de valores e outras camadas de interpretação é que importam no filme, por isso, o indico como um tipo de produção de arte mais lenta e de fruição sociocultural.

Confira essa crítica também em vídeo:

Crítica do filme Psicopata Americano | Atuação matadora de Christian Bale!

Há 20 anos, o filme “Psicopata Americano” (American Psycho, de 2000) nos apresentava em definitivo Christian Bale, ator ainda pouco conhecido que foi escalado para protagonista no lugar de Leonardo DiCaprio.

Gostaria de saber o motivo da preferência por Bale? Indicado inicialmente para protagonista de American Psycho, DiCaprio fora preterido pela diretora Mary Harron, em virtude do seu target, após Titanic (de 1997), ser muito voltado para garotas adolescentes. Assim, Bale foi a primeira opção de Harron.

Ninguém pôde imaginar que Christian Bale, apesar dos papéis nos anos seguintes, em Equilibrium (2002), The Machinist (2004) e Batman Begins (2005), já havia feito um papel brilhante, senão o seu melhor papel, na pele de Patrick Bateman, nesta adaptação da obra homônima de Bret Easton Ellis, American Psycho, romance de 1991.

psicopataamericano01 3ed6c

O Café com Filme já apresentou uma crítica de “Regras da Atração”, filme baseado em outro romance homônimo de Ellis e que, inclusive, se passa no mesmo universo de American Psycho, uma vez que retrata a vida universitária do irmão de Patrick Bateman, chamado Sean Bateman, e interpretado pelo inesquecível bom moço James Van Der Beek. A controvérsia nasceu, por Van Der Beek ser o bonzinho Dawson, da série “Dawson’s Creek” (iniciada em 1998) e em “The Rules of Attraction” ser um controverso “vampiro emocional”, como ele diz no filme: “an emotional vampire”.

Crítica social da vida dos Yuppies

De volta a Christian Bale, a crítica em torno dele ressalta a sua incrível versatilidade e suas qualidades no cinema, sobretudo em “O Operário” (papel o qual Christian Bale atua pesando pouco mais de 50kg, pois tinha que passar por um sujeito com insônia grave; imaginem que o peso aceitável de Bale, com 183 cm de altura, seria em torno de 75kg).

No decorrer de sua carreira, Bale alterna entre papéis mais sérios, depressivos, sisudos ou heroicos, em direção a essa atuação controversa e brilhante de American Psycho, na pele do Yuppie de Wall Street e lunático Patrick Bateman. A partir da adaptação do livro homônimo de Bret Easton Ellis, Harron produz uma ironia ou uma crítica social em torno da vida dos Yuppies, jovens executivos de sucesso de Wall Street, que viviam de forma hedonista, consumista e fútil nos anos 1980

Bateman é retratado no filme basicamente se drogando, alugando VHS pornô, passando por caridoso social, surtando pela reserva do melhor restaurante, cometendo crimes (na mente ou na realidade, pois o charme da obra está na construção da ambiguidade), enfim, traindo sua namorada Evelyn, interpretada por Reese Whiterspoon, e odiando no íntimo seus amigos, dentre eles, Paul Allen, interpretado por Jared Leto. Aliás, o elenco de American Psycho é um show à parte: Willem Dafoe, Justin Theroux, Josh Lucas, Chloe Sevigny, entre outros.

Para além de Wall Street: ironia, terror e hedonismo

Em uma direção que me conquistou ao ver o filme, Harron opta por produzir o filme em duas camadas de signos, ou seja, há caminhos para a compreensão de assassinatos reais executados por Patrick Bateman, bem como uma outra construção argumentativa em direção mais metafórica. Nesta, os signos relativos ao ciclo de mortes, defuntos e execuções representam apenas uma mente enlouquecida na essência ou no plano da ilusão, mas que aparentemente não cometeu crime, tendo em vista que Bateman escondia um caderninho com desenhos macabros de mortes, o qual fora encontrado por sua secretária.

psicopataamericano03 c1686

Em suma, predominam cenas realistas de assassinatos cometidos por Bateman de diferentes pessoas do seu círculo social, desde mendigos e prostitutas a colegas de trabalho. Toda sua vida, enfim, é rodeada por signos que manifestam o tema da futilidade e do consumismo, por exemplo, em voz off, ele narra o que pensa sobre a cor ou a superfície do cartão de visitas do colega de trabalho, que produziu um cartão com muito mais gosto estético.

Os detalhes em “Psicopata Americano” são frívolos, isto é, o papel tem uma superfície mais delicada e com um tom de cor mais adequado, em que a aparência dos signos de sua profissão (seu traje, walkman, gravata, loção de banho, reservas nos melhores restaurantes, etc.) vão nessa mesma direção, pois configuram sua posição social de Yuppie.

A sua pseudo-noiva, Evelyn, o critica quando diz que seu emprego se deve a uma indicação do pai e que ele o odiava (“l don't see why you just don't quit” / Não entendo por que você não abandona essa vida), ao que ele responde: “I need to fit in”. Essa expressão equivale a encaixar-se socialmente ou a se conformar às regras sociais vigentes por aquela elite executiva de Wall Street, a qual vivia somente de aparências.

psicopataamericano04 624de

Para finalizar, a versatilidade de Bale em “Psicopata Americano” confirma-se nas gradações de humor, nos acessos de raiva explosiva ou mais contida, na malícia em parecer alguém superior em muitos momentos e, em outros, parecer um animalzinho assustado a correr de um inimigo que não existe. Filme recomendadíssimo, por mostrar como era a vida dos Yuppies, por tecer uma trama em torno dos signos da futilidade consumista e social e por revelar essa pérola do cinema, que mistura violência, sátira, humor e crítica social.

Confira essa crítica também em vídeo:

Critica do filme Magnatas do Crime | Se você não é o predador, você é a presa!

Dentre as muitas vítimas cinematográficas do proverbial “micróbio maldito” (ou mais precisamente a pandemia de Covid-19) está o excelente, Magnatas do Crime. Retorno às origens do britânico Guy Ritchie — depois do malfadado Rei Arthur: A Lenda da Espada e do genial, mas nada original, Alladin — o filme que até pode parecer um clichê dentro da cinematografia do diretor é, na realidade, uma grande análise de seu currículo.

Mesmo com nomes como Colin Farrell e Matthew McConaughey, é a dupla Hugh Grant e Charlie Hunnam quem comanda a película. Em um debate shakespeariano que desenrola toda a história do filme em um formato não linear e metalinguístico, a dupla mostra todo seu talento seja em longos monólogos expositivos ou em rápidas trocas bem humoradas de insultos.

Ritchie não se desculpa pelo estilo familiar, pelo contrário, parece se deleitar o que contribui para o desenrolar do filme e certamente mostra maturidade artística na capacidade de reciclar o próprio método, manipulando o seu estilo e conteúdo já característico para entregar um trabalho competente. Sem definir o que é autoindulgência ou assinatura artística, Guy Ritchie consegue lapidar Magnatas do Crime em um filme divertido e coerente.

A citação de um cavalheiro é a palavra de um cavalheiro...

Em Magnatas do Crime a história principal gira em torno de um chefão do tráfico que quer abandonar o negócio. Sem dilemas morais à lá Michael Corleone, Michael Pearson (Matthew McConaughey) é apenas um homem de negócios que faz uma “leitura do mercado” e percebe que está na hora de vender o seu lucrativo império de produção de maconha sediado no Reino Unido.

Entre a logística, análise financeira e outros riscos próprios da indústria em questão, Pearson precisa estudar com cuidado as ofertas para “passar o ponto, sem cair no conto”.  Como em outras obras de Guy Ritchie a história principal não é a única, e tudo o que acontece em cena é importante para o desfecho da trama. Até aqui, nenhuma novidade, mas a forma como o roteiro se desenvolve é inteligente, mesmo que confusa em alguns momentos.

magnatasdocrime01 9160c

Ray — Charlie Hunnam em uma das melhores atuações da sua carreira — é o principal capanga de Michael Person. Certa noite ele é surpreendido por Fletcher, um investigador particular/jornalista seboso que é deliciosamente interpretado por Hugh Grant. Fletcher assume o papel de narrador (nada confiável) que explica um roteiro de cinema escrito por ele para seu anfitrião relutante.

O roteiro em questão é baseado nas operações da gangue de Pearson e como o seu intricado esquema de subornos e violência criou o império que agora está a leilão. Essa ginástica metalinguística flexiona o roteiro de Fletcher, salta entre flashbacks, e alonga diálogos expositivos, criando uma dança elaborada que captura a atenção até o último movimento da coreografia.

magnatasdocrime02 60eb2

É mais do mesmo, mas mesmo assim eu quero mais

Erroneamente percebido como uma obra amiudada, Magnatas do Crime, é uma belo exercício de técnica do diretor. Mostrando um refinamento de suas habilidades, Ritchie, explora vários elementos próprios de sua filmografia com mais cuidado e equilíbrio, chegando inclusive a revisitar sua carreira dentro do filme em um momento metalinguístico que espreme as barreiras entre ficção e realidade, criador e criatura, personagem e ator...

Em um ano tão atípico como 2020, Magnatas do Crime pode sim ser considerado um dos melhores lançamentos do cinema. Com poucas exibições e um desdém precoce por conta do supracitado “cinema repetitivo” de Guy Ritchie, o filme acabou passando despercebido por muitos, mas certamente vale uma conferida; seja apenas por seus méritos próprios como uma boa comédia policial ou por ser um título que abriga tanto material conceitual por trás da tela.

Afinal, quando o estilo de um diretor deixa de ser uma muleta e passa a ser reconhecido como uma assinatura?

Sim, você pode ver como “mais do mesmo”, ou seja, um filme de comédia policial que se resume a gangster britânico, pitadas de humor e cenas em câmera lenta, mas um olhar mais minucioso revela todo um estudo sobre o estilo de um diretor. Guy Ritchie, pretenciosamente ou não, retorna às origens justamente para aparar as arestas e mostrar sua evolução artistica, entregando um filme inteligente e bem acabado. 

Crítica do filme Rosa e Momo | Um amor improvável

Uma das produções mais recentes da Netflix é uma combinação inusitada de reggaeton italiano com Laura Pausini em múltiplos idiomas, o retorno de Sophia Loren e a estreia surpreendente do talentoso Ibrahima Gueye.

"Rosa e Momo" é um filme italiano dirigido por Edoardo Ponti, com roteiro assinado em coautoria pelo próprio diretor, Ugo Chiti e Fabio Natale. Apesar de fazer todo sentido dentro do contexto da película, que se passa na Itália, o livro que deu origem ao filme se passa na França, no bairro Belleville, em Paris.

A obra "A Vida Pela Frente", de Romain Gary, trata de um assunto que é hoje uma questão urbana importante de direitos humanos, cultura e educação: a vida e a perspectiva das crianças filhas de imigrantes e refugiados na Europa.

rosaemomo1 02fb0

Por se tratar de uma situação que marca todo o continente é que a história encontra eco também na Itália, onde foi situada na cidade portuária de Bari, capital da região de Puglia, no sul italiano.

A geografia é importante na história, porque tanto a cidade quanto toda a região, que são costeiras, recebem uma grande quantidade de imigrantes de diferentes regiões africanas, asiáticas e do Oriente Médio. É de uma dessas áreas que vêm o protagonista Momo - apelido para Mohammed -, menino senegalês de origem muçulmana cuja mãe foi morta e que, por isso, está sob os cuidados do Estado.

O responsável por Momo é o Dr. Coen (Renato Carpentieri), que trabalha com assistência social, mas também é médico e acompanha a saúde de Madame Rosa, interpretada por Sophia Loren.

rosaemomo2 e14df

É graças ao doutor que as histórias de "Rosa e Momo" se encontram, de maneira que o médico consegue convencer uma já idosa ex-prostituta a cuidar de Momo por algumas semanas, até que ele encontre um lar para o menino. Embora esteja resistente à ideia no começo e ache o menino uma causa perdida, ela aceita a tarefa, acreditando que o dinheiro que o médico pretende lhe pagar por isso será útil.

Complementares

Imagine ser um menino de apenas 12 anos e ter a oportunidade de contracenar com uma verdadeira lenda do cinema mundial. "Rosa e Momo" é apenas o primeiro longa-metragem de Ibrahima Gueye, o que é uma grande surpresa, uma vez que a atuação do ator mirim é de uma perfeição impressionante.

rosaemomo3 5c886

O menino incorpora o personagem com um talento inquestionável, com tanta maestria que, em muitos momentos, rouba a cena e tira a atenção até mesmo da própria Sophia Loren. Por outro lado, a experiência da atriz, que estava há dez anos afastada das câmeras e, aos 86, retorna para esta joia de filme, não passa despercebida.

Embora o filme inteiro funcione muito bem e outros atores e personagens sejam interessantíssimos e muito bem construídos - como é o caso de Abril Zamora (Lola), Babak Karimi (Hamil) e Iosif Diego Pirvu (Iosif), é na dança entre "Rosa e Momo", na sintonia entre Sophia e Ibrahima, que a história acontece e envolve o espectador.

Simplicidade e sensibilidade

O roteiro de "Rosa e Momo" não tem nada de novo nem retrata uma situação muito surpreendente, já no trailer todo o plot fica bastante óbvio. É um daqueles títulos que nem os spoilers conseguem estragar a experiência, porque qualquer pessoa que leia a sinopse já sabe o que vai acontecer.

rosaemomo5 d9beb

Mas é justamente na simplicidade da história e na qualidade da narrativa em que se encontra o trunfo de um filme como esse. Ver pessoas tão diferentes encontrarem conforto e carinho no sofrimento de cada um, nas diferenças e nas dores compartilhadas é o que faz com que o público se sinta abraçado pela tela.

Embora a imigração seja o tema central da trama, "Rosa e Momo" consegue passar também por outros temas paralelos que dialogam com essa questão central, da marginalização e do tráfico de drogas à maternidade, ao preconceito, à religião e à velhice. Mas nada disso resume o filme. No centro de todo esse contexto, está a generosidade, que parece ser a essência de tudo.

Karatê Kid e Cobra Kai | Nostalgia never dies!

Terminei de assistir à terceira temporada de Cobra Kai. Confesso que me lembrou um pouco do insucesso do último Star Wars. No entanto, há muitos "no entantos". São direções diferentes: Star Wars quis agradar pouco os fãs da velha-guarda e muito os fãs recentes, que talvez nem chegaram a ver os episódios IV, V e VI da trilogia clássica. Assim, Star Wars se manteve sem decidir uma direção definitiva para a trama, sobretudo com soluções mirabolantes aos protagonistas no final, infelizmente.

Cobra Kai, por sua vez, arriscou também, mas na direção de agradar novos fãs, e o fez com moderação. Explico: na primeira e segunda temporadas, notei muitas micronarrativas do tema High School, que passaram da conta, com muito foco no staff juvenil. No entanto, o link com o seu antecessor fundamental, "Karatê Kid - A Hora da Verdade", necessitava dessa trama, pois muito dela foi criada no ambiente da escola.

Enfim, diferente de Star wars, o rumo que a série Cobra Kai foi tomando nas duas primeiras seasons foi me agradando à medida que se manteve fiel ao elenco e plot original de Karatê kid, de forma a incorporar também novos personagens e relacioná-los aos elenco original.

Cobra Kai Season 3: sucesso e relação profunda com Karatê Kid

Achei que a Season 3 de Cobra Kai, lançada pela Netflix na primeira semana de janeiro de 2021, iria focar mais naquele universo escolar, mas não, pois aprofundou os dramas do quarteto principal da série: Larusso (Daniel-san), Johnny Lawrence (o loirinho do Cobra Kai, ator principal da série, interpretado por William Zabka), Kreese (o brucutu Martin Kove) e Ali (com o suspense da volta da linda Elisabeth Shue).

Penso que a série correu riscos ao tentar agradar gregos e troianos e fez direito. O drama High School diminuiu (spoiler agora), o que deu espaço para Elisabeth Shue reaparecer. Nas cenas, a sua personagem, Ali, dá o seu recado, inclusive um recado social para aqueles que se reencontram e isso não precisar ser sempre sexualizado, como se todo encontro de amizades antigas (o termo inglês “reunion”) rendesse cenas “calientes”.

Como agradar gregos e troianos? Polemizando e aproveitando trechos do filme original? Correto!

Enfim, acho que os encaixes entre Lawrence, Larusso e Kreese, com respeito aos seus passados e trechos das antigas, inclusive com alguns atores das antigas, convidados a atuar de novo (das produções Karatê Kid 1 e Karatê Kid 2), agradaram-me bastante.

cobrakainostalgianeverends 10f50

Aos fãs das antigas, recomenda-se rever os dois primeiros filmes citados, pois há muitas situações inexplicadas resolvidas em Cobra Kai:

  • Seria o chute de água de Daniel-San válido naquela disputa do primeiro filme que lhe rendeu o título local?;
  • Johnny Lawrence é realmente o vilão do primeiro filme ou ele seria alvo de bullying do próprio Daniel-san, o coitadinho do primeiro filme?;
  • Alguns personagens de Karatê Kid 2 reaparecem na season 3 de Cobra Kai, assim, qual é a sua importância?

Enfim, são perguntas interessantes para os fãs nostálgicos, bem como uma abertura interessante para os novos fãs da série, que também são contemplados com atuações mirins muito boas, sobretudo nos dramas juvenis e nas cenas de ação. Karatê Kid e Cobra Kai: nostalgia never dies!!!

Crítica do filme Regras da Atração | Filme universitário sem sertanejo

Com a célebre frase “I am Peter, the freshman”, esse impostor (cujo nome verdadeiro é Sean Bateman) é interpretado por James Van deer Beek, que nos brinda com sua entrada no filme “Regras da Atração” (The Rules of Attraction - 2002). Há mais de vinte anos, vocês se lembram dele na série Dawson’s creek, de 1998? Lá, James Van deer Beek era Dawson, um adolescente inspirador, aspirante a diretor de cinema.

Já em “Regras da Atração”, o rapaz dócil da série adolescente transforma-se em Sean Bateman, ou como se autodenomina: um “emotional vampire”, um vampiro sociopata que vive das emoções alheias e, nas horas vagas, um traficante de drogas com tendências suicidas.

Na Candem College, ele conhece Lauren, interpretada por Shannyn Sossamon (estrela de “A Entidade 2”, lançado em setembro de 2015 no Brasil), uma jovem universitária que passava por uma separação complicada. No curso de suas vidas, eles se chocam com a história de Paul, interpretado por Ian Somerhalder (o Damon, de “The Vampire Diaries”).

regrasdaatracao01 66940

No filme, aparecem outros atores e atrizes “feios”, como Jessica Biel, Kip Pardue, Kate Bosworth, Colin Bain; e bota pessoal bonito no filme! Assim, o triângulo amoroso está composto: Paul gosta de Sean, que gosta de Lauren, que mantém uma queda pelo ex-namorado Victor, que não está nem aí para Lauren.

Sem clichês universitários e com humor ácido

O filme é baseado no livro homônimo (The Rules of Attraction) de Bret Easton Ellis, de 1987. Esse escritor também ficaria famoso pelo seu romance de 1991, “Psicopata Americano”, cuja adaptação fílmica (American Psycho, 2000) rendeu a interpretação mais inesquecível de Christian Bale.

O mais interessante é que “Regras da Atração” compartilha o mesmo universo das duas obras de Bret Easton Ellis, pois Sean Bateman, o suposto calouro vampiro de emoções, é o irmão mais novo de Patrick Bateman, o psicopata americano. Diferentemente de uma aventura clichê universitária da Sessão da tarde, “The Rules of Attraction” é ousado tanto na montagem (seu plano de expressão) quanto na temática abordada (seu plano de conteúdo).

regrasdaatracao02 c1a25

A expressão, na montagem, combina regras de flashback e de planos-sequência bem estruturados, que nos brindam com montagem contando histórias em paralelo, naquele esquema de “Cidade de Deus” (2002) e “Pulp Fiction” (1994), com a telinha dividida ao meio.

A respeito do plano de conteúdo, os percursos temáticos de cada personagem nos brindam com temas recorrentes nas narrativas de adolescentes universitários inconsequentes: tráfico de drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo. Inovador na narrativa nos parece a ironia presente na falta de atração dos personagens entre si e pelas outras pessoas, o que vai na contramão do título “Regras da Atração”, pois, há nessa autodestruição dos comportamentos a tematização da rejeição social e do “fit in” (encaixe social) de “American Psycho”.

Apesar da acidez, um verdadeiro drama universitário

Apesar de se encaixar no gênero drama, o filme caminha pela comédia, pelo humor negro e pelo sadismo de certas situações. Por exemplo, enquanto uma aluna bêbada é estuprada no campus, outro rapaz a filma. Ao final da cena, ela recebe um jato de vômito do estuprador e ela pouco se importa com o fato.

Em suma, as histórias frustradas de cada personagem mostram como funciona a mente adolescente universitária (tirando alguns excessos propositais aqui e acolá) e, sobretudo, como podem nascer certos distúrbios psicopáticos a partir de ilusões amorosas e das temáticas acima apresentadas (drogas, estupro, suicídio, bullying, sexualidade e voyeurismo).

regrasdaatracao03 d9b74

Regras da Atração” tem nota 6,7 no IMDB e foi ganhador de alguns prêmios, o que é mais raro observar em narrativas sobre a vida ilógica de universitários sedentos por comportamentos autodestrutivos. Já os números do site Rotten Tomatoes diferem muito: 43% de aprovação dos críticos contra uma nota alta do público que mostra 71% de notas positivas.

É um filme realista na temática, com montagem interessante para quem se interesse por fotografia, e elenco com uma boa química, cuja atuação de Van der Beek é interessante, sobretudo, para quem o viu em Dawson’s Creek, agora na pele de um vilão sugador de emoções alheias.

Confira essa crítica também em vídeo: