Alguns universos marcaram o cinema ao longo da última década. É o caso dos títulos que compõem as franquias entrelaçadas de heróis da Marvel e das sagas um tanto desconexas da DC. Cada uma com seu estilo de abordagem e produção, ambas conquistaram seus respectivos fãs, mas é inegável que a Marvel obteve maior êxito (falando principalmente de retorno financeiro e de recepção do público) ao fazer uma linha costurada entre seus títulos.
Por se tratar de um segmento midiático que não tem regras, a DC seguiu um caminho muito diferente, que visava manter cada herói em sua respectiva bolha. Isso funcionou muito bem ao manter filmes do Batman separadamente (empreitada iniciada lá em 2005 com “Batman Begins”), os quais certamente ganharam prestígio antes mesmo de a Marvel começar a sua construção de um universo compartilhado com o primeiro filme do “Homem de Ferro”.
O ponto é que uma estratégia cinematográfica não dura para sempre, sendo que a DC levou um bom tempo para entender a importância de interligar os filmes e jogar o jogo da concorrente, que aos poucos foi conquistando o público e forçando os fãs a assistirem vários filmes para ter uma base do universo mais amplo. Tudo isso garantiu que a Marvel culminasse sua jornada nos Vingadores, enquanto a DC ainda patinava para entender que o público já não queria filmes solos dos personagens (ou se queria, não queria da forma como eles fizeram).
Após muito insistir em filmes separados e em decisões muito controversas (alô “Batman vs Superman”), a DC finalmente entendeu que a bagunça deveria acabar e um filme da Liga da Justiça seria necessário para mostrar ao mundo que ela também tinha seu time de Vingadores para o cinema. O único problema: a DC não formou uma base sólida (e coerente) de filmes que pudessem dar uma base de enredo ou mesmo de personagens para chegar no filme da Liga. Todavia, eles lançaram o filme mesmo assim.
O pior: o projeto que originalmente era de Zack Snyder foi transferido para Joss Whedon (que anteriormente trabalhava para os estúdios Marvel). A mudança repentina foi porque Snyder se afastou do projeto quando sofreu uma perda em sua família, de modo que os estúdios Warner optaram pela substituição do diretor, que foi ninguém menos do que Whedon, certamente um cineasta competente, mas que decidiu modificar o filme para ficar com sua cara, sendo que ele até modificou o roteiro e optou por refazer várias cenas.
Moral da história: o filme Liga da Justiça que chegou originalmente em 2017 aos cinemas não era nem de longe a visão de Zack Snyder, mas sim uma colcha de retalhes meia-boca, que, graças a ideia brilhante do estúdio em apressar o projeto e contratar um diretor de uma empresa concorrente (até agora ninguém entendeu isso), desagradou críticos e fãs.
Após a repercussão negativa, em que o primeiro Liga da Justiça amargou 40% de aprovação da crítica especializada no site Rotten Tomatoes e nota 6,2 pela audiência no IMDb, todos pensavam que a Warner deixaria o projeto de lado e seguiria a vida. Vez ou outra, algum site soltava rumor de que Zack Snyder faria sua própria versão do filme, uma vez que havia muito material de reserva que não entrou no corte de Whedon. Boato vai e boato vem, finalmente saiu a informação de que o filme existia.
Assim, chegamos no lançamento de “Liga da Justiça de Zack Snyder”, que como o nome sugere é a versão que traz a visão ampla do criador original do filme. A obra reeditada por Zack Snyder tem mais de 120 minutos de cenas novas (sendo que o filme de 2017 tinha apenas 120 minutos, logo temos aproximadamente 4 horas de duração nesta nova versão). Isso sem contar novos efeitos especiais, novos personagens, formato de tela diferente e nova trilha sonora, culminando assim em um projeto bem mais completo e até muito diferente (apesar de trazer uma história similar).
Vale a pena ver a Liga da Justiça de Zack Snyder?
A questão que fica: vale a pena assistir à Liga da Justiça de Zack Snyder? Os conteúdos novos e a reedição justificam investir quase 4 horas de vida em frente à televisão?
Como quase tudo na vida, ainda mais considerando gostos pessoais com relação a filmes, a resposta para essa pergunta é: depende!
Basicamente, se você gosta de filmes de ação, de obras baseadas em histórias em quadrinhos ou se você for um fã do universo DC, muito provavelmente a nova versão da Liga da Justiça vai te surpreender positivamente. Isso porque, além de quase 2 horas de filme adicionais, há um novo tratamento de cor que deixa o filme mais sombrio, como sempre foi o universo DC nos cinemas. Talvez a coisa mais esquisita é o formato da película mais quadrado, que quase parece um filme para Instagram.
No entanto, se você não gosta de filmes do gênero ou se você é fã exclusivamente de obras da Marvel, então este longa-metragem (e bota longa nisso) vai parecer mais do mesmo, porém com um tempo de projeção alongado. Neste caso, às vezes, é melhor poupar seu tempo.
Sem dar spoilers, a verdade é que a nova versão da Liga continua tendo diversos problemas com relação ao roteiro, até porque é impossível reparar todos os erros sem refazer o projeto completamente e, considerando que a Warner não toparia refazer o filme inteiro, o que temos é um remendo que tenta melhorar a narração da história e fazer tudo ter um pouco mais de sentido.
Só que não tem como uma segunda edição (mesmo com cenas extras) fazer milagres, porque o principal fator que limita este filme é a falta de material de background, ou seja, sem filmes dedicados do Flash e do Ciborgue, por exemplo, cabe ao filme da Liga incorporar algumas cenas que nos ajudem a compreender quem são os personagens e como eles se encaixam no contexto do grupo. Zack Snyder pensou nesse detalhe, mas o que temos aqui são pequenos enxertos, que dão uma pincelada nos personagens.
Com poucos minutos dedicados a cada personagem, é inevitável que o filme não consiga concluir a missão de garantir que o público se apegue aos heróis, já que são tantas histórias e poucas linhas de diálogo para cada uma, às vezes fica difícil ter empatia por um por outro, como é o caso do Ciborgue que, a meu ver, mais cria um peso dramático sem grande emoção, deixando o filme cansativo. Por outro lado, o alívio cômico mais exagerado no arco do Flash e algumas surpresas bem relevantes fazem o filme ganhar forças e até se aproximar muito do que deveria ser um filme de quadrinhos mesmo, com cenas inusitadas e impactantes.
Apesar de muitos acertos e algumas adições bem importantes, vale pontuar que ainda tem coisas que ficam soltas no filme (ou são conectadas apenas de forma superficial), inclusive, como exemplo, temos a introdução de personagens que poderiam mudar completamente o rumo do roteiro. No entanto, novamente Snyder cai no problema: sem poder refazer a obra por inteira, algumas cenas não fazem tanto sentido, mas ao menos elas ajudam a expandir o conceito do que poderia ser a Liga da Justiça se fosse pensada com cautela desde o começo.
E aqui a culpa é do estúdio, que sempre fez tudo na pressa e sem refletir como alguns filmes causariam impacto no futuro do universo DC. E, aliás, eles continuam fazendo, né? Temos aí vários exemplos de séries televisivas (como “Batwoman”) e também de filmes para o cinema (como o “Esquadrão Suicida”) que podem até dar retorno de audiência, mas não necessariamente de receptividade. Mas voltando ao tópico da Liga, ao menos nesse ponto a Warner/DC acertou em deixar Snyder fazer seu corte do filme.
E vale o recado para quem pensa que o filme é muito longo: a nova versão da Liga é dividida em várias partes, já que o projeto foi pensando para exibição em capítulos no serviço de streaming HBO MAX, ou seja, se você não quiser assistir tudo numa única sessão, pode fazer pausas sem perder o sentido da história. Além disso, com as novas cenas, nova edição e a trilha inédita, o filme ganhou um novo fôlego e passa rápido, pois a ação prende nossa atenção e faz a gente mergulhar muito na pancadaria.
Por fim, mas não menos importante, é muito legal o filme ter essa nova versão com um epílogo, que mesmo não sendo um gancho para uma continuação concreta, mostra que havia a intenção e boas ideias para ampliar o universo DC, criando uma versão cinematográfica do que antes a gente amava na animação televisiva da Liga da Justiça Sem limites.
Mesmo sem contar uma nova história, a “Liga da Justiça de Zack Snyder” consegue entreter e superar facilmente seu antecessor (até porque não era difícil, né?), sendo então uma boa pedida para os fãs dos personagens DC. Resta saber se o que a Warner vai fazer após o sucesso do filme (que tem aprovação de 71% da crítica e 95% do público no Rotten Tomatoes), pois já sabemos que tem novos filmes do “Batman”, do “Adão Negro” e de outros personagens vindo aí, mas com a mudança de atores e sem a unificação, o estúdio continua no problema que vem patinando há anos.