Crítica do filme Moonfall - Ameaça Lunar | Seria trágico se não fosse engraçado

O que os filmes Independence Day, Godzilla, 2012 e O Dia Depois de Amanhã têm em comum? Bom, fora o fato de que todos tratam de possíveis catástrofes em nível global – muitas vezes com direito a sequências de tsunamis e cenas desenfreadas de surto coletivo –, todos esses filmes foram dirigidos e idealizados por um cineasta chamado Roland Emmerich.

Emmerich é especialista nesse tipo de obra que retrata o fim do mundo, algo que se provou uma receita de sucesso, haja visto o tanto de filmes que ele co-roteirizou nas últimas décadas e a recente investida dele em um longa-metragem que parece seguir uma premissa similar, talvez não tão exagerada quanto um lagarto gigante ou quanto uma invasão de aliens, mas quem sabe muito mais viajada.

Em “Moonfall – Ameaça Lunar”, como o próprio nome do filme sugere, o planeta Terra está prestes a presenciar a “Queda da Lua” (literalmente a tradução de Moonfall). Por razões que ninguém sabe explicar exatamente, a Lua começa a desviar de sua órbita e vem em direção à Terra, o que pode resultar em uma colisão e a extinção da humanidade.

Obviamente, como todo filme de ficção desse tipo, há uma possível solução para salvar o planeta, mas a NASA talvez seja a última a acreditar nessa história, uma vez que já duvidaram anteriormente dos relatos de um astronauta (Patrick Wilson) que presenciou eventos misteriosos na Lua uma década antes dos eventos atuais.

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Combinando uma overdose de teoria maluca com cenas eletrizantes de ação, que são obviamente recheadas de efeitos altamente mirabolantes, o filme “Moonfall – Ameaça Lunar” tenta fugir do óbvio, mas ele acaba tropeçando na gravidade de suas maluquices e abraçando sequências irrelevantes para uma trama de perigo tão iminente.

Trata-se de um filme que atrai pela curiosidade, mantém pelo exagero e cenas de desastres extremamente bem elaboradas, mas que pode decepcionar pelo rumo em direção ao vazio do espaço. Um bom filme para não se levar a sério, graças também ao humor fora de órbita, mas um longa-metragem muito longo para contar pouco do que realmente importa.

A vastidão do espaço desprezada pela trivialidade

Se você já viu qualquer um dos filmes de Roland Emmerich, é possível que você tenha tido a impressão de que obras sobre fins do mundo podem facilmente derivadas para sagas cinematográficas ou mesmo para séries televisivas, afinal é quase impossível retratar uma catástrofe de nível global em uma obra de duas ou três horas sem deixar pontas soltas.

No caso de “Moonfall”, o roteiro não faz questão de manter o foco em eventos importantes. Quer dizer, a história vai por um caminho dramático, que visa dar vez aos personagens, muitos dos quais sequer têm relevância para o roteiro, o que vai completamente na contramão de uma situação de eventos catastróficos que são justamente o cerne do filme.

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Essa é uma decisão funcional para um título que a gente classifica como “filme pipoca”, ou seja, um longa-metragem que não faz questão de ser levado tão a sério e que prefere caprichar nas cenas com efeitos especiais, do que focar em criar arcos dramáticos que realmente façam sentido dentro do contexto.

Felizmente, o filme não se perde em meio a galhofa (mas é por pouco), que, reforçando, funciona para alívios cômicos, mas é algo que pode ser exagerado numa obra que podia ter mais ficção científica. Sim, às vezes, o problema é a expectativa do público (ou deste crítico que vos escreve), afinal o que esperar do diretor que sempre fez filmes desse tipo, né?

Outro aspecto que merece ser altamente criticado são as propagandas, sim, eu estou falando de propagandas no meio do filme, encaixadas de certa forma no contexto. Há cenas em que fica claro que o filme dá voltas simplesmente para mostrar algum produto que não teria qualquer relevância no andamento da história.

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É o caso de uma perseguição com um Lexus — que pode ser um carro bonito e moderno, mas que não tem qualquer serventia para evitar que a Lua caia sobre o planeta Terra! Isto é tema para um longo debate, porém vale o adendo, porque o filme se alonga pelo simples fato de perder tempo com besteira. Ótimo para o anunciante, péssimo para o espectador pagante.

Uma verdadeira viagem (na maionese)

Apesar de ficar claro que “Moonfall” não é um filme para ser levado tão a sério, a plateia está ali para entender o que está acontecendo e argumentos para causas minimamente factíveis são esperados. É claro que num mundo onde achamos perfeitamente normal um lagarto gigante sair do oceano e atacar as cidades ou que aceitamos os alienígenas sempre invadindo Nova York, quase toda história pode ser contada sem que a gente possa reclamar muito.

De certo modo, Emmerich consegue trazer algum ineditismo para a telona e, ainda que as decisões de roteiro sejam muito questionáveis, esta é a parte sólida do filme, que realmente vale a pena e conecta toda a trama. Se a explicação não convencer muito, ao menos ela serve para introduzir cenas que fazem a gente ficar no mundo da Lua.

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No fim das contas, “Moonfall – Ameaça Lunar” é um misto de sensações: cômico em várias ocasiões, tosco em algumas decisões, surpreendente pela ousadia da ideia central do filme, porém ele não consegue se decidir em que pretende focar. Os atores até bem gabaritados tentam dar seu melhor e ficam perdidos nesse amontado de ideias.

Portanto, se você vai ver o filme no cinema, esteja ciente que este é um filme pipoca, não dá para levar a sério e pode divertir se você não for pensar muito nas teorias. Contudo, se você é do tipo que ama obras como “Interestelar” e ficções de renome similares, então “Moonfall” não é para você – fora que é um filme bem longo.

Crítica do filme Titane | Body horror sugestivo e um mix de influências

Titane”, de 2021, é uma produção francesa chocante, não somente pelo body horror, mas pela mistura de Tarantino, com paletas de cor Cyberpunk, violência de Laranja Mecânica, influência Sci-Fi de Alien, tudo isso como se estivesse em um clipe exótico da Bjork.

A fusão entre máquina e corpo aparenta ser o tema central, mas, de fato, é menos relevante perante o drama do filme. Quer saber por que Titane é tão chocante e ao mesmo tempo o vencedor da Palma de Ouro de Cannes? Vamos falar um pouco sobre este filme de suspense que pende para o horror!

A sugestão do horror assusta mais?

Ganhador da Palma de Ouro (“Palme d´Or”) no Festival de Cannes de 2021, “Titane”, cuja tradução é titânio, é um filme muito diferente, que nasce da ousadia de misturar drama, com fantasia e body horror sugestivo. A diretora do filme, Julia Ducournau, responsável também pela direção de Grave (Raw nome original, de 2016) tem fascinação pelo body horror. Em Grave, assim como o significado em inglês, cru, o horror era visual.

titane01 f56b1Imagem: Divulgação / NEON

Em Titane, essa mesma faceta é diferente, mais sugestiva, pois é exatamente quando o “gore” e o body horror são pouco mostrados que nos causam mais incômodo. Isso se explica também pela atuação corporal inspiradíssima de Agathe Rousselle. Seu sofrimento, sensualidade e crueldade, em suma, necessitam de poucas palavras.

Sim, uma moça fica grávida de um Cadillac

A premissa inicial é simples e direta ao ponto, uma vez que já se passa no início do filme. Alexia, uma jovem que trabalha em eventos de Show Car na França é também uma psicopata (com uma placa de titânio no lado direito do crânio, em virtude de um acidente quando criança).

Ao ser assediada por um Cadillac no final de um evento de carros, ela se interessa sexualmente pelo carrão. Imaginem que após o ato ela fica grávida do veículo automotor, oh my God. Mas aos poucos vamos tolerando esse elemento fantástico, de forma a entender os motivos dessa atração.

titane02 f75cbImagem: Divulgação / NEON

Essa premissa, ao mesmo tempo realista e fantástica, irá construir também o lado dramático do filme. Uma vez procurada pelas forças de segurança locais, por assassinatos em série, Alexia consegue fugir da sua casa e construir a vida em outro local, mas com a identidade de um garoto. E isso vai se tornando interessante e complexo para a narrativa.

Além de um mix de influências, há espaço para o drama

O trabalho técnico da direção de fotografia nos revela um filme mais lento na segunda metade (a primeira parte é mais frenética), com planos-sequência e jogo de cores vivas contrastantes, com a intensidade de painéis de neon.

A trilha sonora é imersiva, com batidas de efeito metálico, o que faz produzir a relação entre os signos da humanidade e da artificialidade, ou do homem versus a máquina. No entanto, esse não seria o foco do filme, que aparece na premissa mencionada (signos da placa de titânio, da relação sexual com um carro, do objeto de metal em seu cabelo usado para os assassinatos).

Como em Raw, 2016, a diretora Julia Ducournau irá trabalhar também com dramas familiares, em torno da busca pelo amor, como elemento para remediar a solidão da perda. Para mim, Titane é uma das melhores produções que misturam universo de horror, Sci-fi e fantasia já lançada nos últimos tempos, e que será distribuída mundo afora a partir de 2022.

Veja esta crítica também em vídeo:

Crítica do filme Cidade das Sombras | A Matrix antes do fenômeno Matrix

“Dark city” (1998), em português, “Cidade das Sombras”, é um thriller de ficção científica que prova haver vida antes do fenômeno Matrix, de 1999. Dirigido por Alex Proyas, “Dark city” segue na mesma temática inovadora de Matrix.

Mesmo sendo produção de custo mais baixo (27 milhões de dólares perante os 65 milhões do filme das irmãs Wachowski), “Dark City” nos envolve em sua atmosfera de jogo entre realidade e ilusão. Será que sua história também nos leva a tomar a pílula vermelha?

De forma aproximada ao despertar de Mr. Anderson (Keanu Reeves, em Matrix), John Murdoch (interpretado por Rufus Sewell) desperta em uma noite, dentro de uma banheira, em uma cena de crime claramente plantada para ele.

Antes de ser perseguido por sujeitos estranhos, Murdoch encontra o telefone de Dr. Schreber, o qual lhe explica que sua memória fora apagada e dá as coordenadas para a fuga do local. De forma caricata (um cientista tímido, justo e antissocial), Kiefer Sutherland é Daniel Schreber, um médico envolvido com alienígenas, os quais fazem daquela cidade escura um ambiente de experimento para seres humanos, por meio de um simulacro no qual todos acreditam ser a própria realidade.

Uma das bases conceituais de Matrix

Cidade das Sombras” pode nos levar a entender que possui referências a Matrix, mas a lógica é oposta. Por ser uma produção anterior, há momentos que pensamos referenciar Matrix, como a cabine telefônica por meio da qual o protagonista recebe a ajuda inicial do Dr. Schreber.

O mesmo acontece quando Trinity foge dos agentes da cena inicial de Matrix e recebe ajuda ao utilizar um telefone público; ou até mesmo quando Morpheus liga para Neo em seu trabalho, o guiando para fora do ambiente, no qual agentes o perseguem também. Essas tendências narrativas já aparecem, portanto, em Dark City.

cidadedasombras03 b5532Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Apesar de os méritos do tema “realidade simulada” estarem vinculados à superprodução Matrix, “Cidade das Sombras” dá o tom inicial de outras produções que viriam também a tratar da temática, como o filme “S1m0ne” (2002), “Simulation one”, mas com um tom dramático e cômico ao mesmo tempo, cuja atuação de Al Pacino brinda com um papel ora cômico ora dramático, ao simular a criação de uma atriz pop star, por meio de um programa de simulação.

Enfim, outros recursos técnicos, como o foco na noite e nas sombras presentes nos enquadramentos, bem como o ambiente mais lúgubre de “Cidade das Sombras” nos fazem imergir no ambiente de intrigas e nos fazem refletir que Matrix não foi uma novidade na época, mas uma produção que abriu as portas para filmes novos e para o conhecimento do grande público sobre autores que já trabalhavam essa temática da realidade e da ilusão na literatura, em relação com as distopias do futuro, como:

  • “Simulacres et simulation” (Simulacros e simulação, de Jean Beaudrillard);
  • I, robot (EU, robô), de Isaac Asimov;
  • Neuromancer, de William Gibson;
  • Do Androids Dream of Electric Sheep?, romance de Philip K. Dick, que originou Blade Runner.

Em suma, a série também Black Mirror aproveita todos esses temas, o que faz dela, hoje, a série como mais argumentos para esses assuntos de ficção especulativa.

cidadedassombras02 e1475Imagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Para fechar a questão sobre Dark City, o foco em ambientes fechados e muitos corredores com pouca luz, além dos planos fechados e contra-plongé, nos causam a sensação de pequenez e estranhamento, pois são recursos da expressão fílmica utilizados para produzirem o efeito de uma realidade estranha, possivelmente simulada, ou que simula que vivemos em um laboratório, um ambiente de constante experimentação.

Veja também a crítica de Cidade das Sombras em vídeo:

Crítica do filme Simone | Realidade simulada com um tom mais leve

“S1m0ne”, produção de 2002, codinome para “Simulation One”, é um título sugestivo em um mundo binário, dominado pelas fronteiras entre essências e aparências, verdades e mentiras, um mundo real contra o digital. O que essa produção tem a nos dizer sobre as Fake News e pequenas mentiras que vão aos poucos se tornando verdade?

Projeção de efeitos de verdade e a massificação da mentira

“Simone”, com direção de Andrew Niccol, já em 2002 nos surpreenderia com uma temática tão atual para este ano de 2021: a projeção de efeitos de verdade na cultura, por meio da massificação da mentira.

Em suma, o filme nos conta como a insistência na divulgação de pequenas mentiras na sociedade pode causar um desastre quando a opinião pública passa a acreditar em signos forjados, mas que criam efeitos de verdade. São Al Pacino e Winona Ryder que nos brindam com boas atuações, em um universo simulado, como a temática de Matrix, mas dissimulado no âmbito da indústria cinematográfica.

No filme, esse tema cria a narrativa de um ícone pop (uma mulher perfeita, Simone), sem que o ídolo seja de carne e osso. Assim é “S1m0ne”, universo em que um famoso produtor de filmes, Viktor Taransky, cria uma simulação perfeita, interpretada por Rachel Roberts, para encantar multidões.

simone1 c2f8eImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Ao acontecer um fato inusitado com a celebridade criada por Viktor Taransky, sua projeção, que somente existia no seu computador e na sua mente doentia, agora passa a ser objeto de investigação, o que obriga Taransky a explicar o suposto desaparecimento da garota. Por mais que ele se esforce para explicar que ela não existe, agora é tarde, a mentira se tornou verdade.

Simulacro e o Mito da Caverna, de Platão

A melhor cena, sem dúvida, que remete ao mito da Caverna de Platão, refere-se a um momento no qual o criador da simulação, Taransky, é supostamente flagrado com a sua criatura, Simone, a simular uma cena de amantes. No contexto, as suas sombras reproduzem a imagem dos dois através das janelas de um hotel de luxo: hilário e perfeito momento em que somente vemos as sombras de um mundo simulado (parcial) por trás da verdade que o público fanático acredita que vê.

simone2 c5c4dImagem: Divulgação/Warner Bros. Pictures

Com temática e expressão que nos lembram “The Matrix” (1999) (paletas de verde e azul), mas com um andamento mais lento (parecido com a direção anterior de Andrew Niccol, “Gattaca”) e um tom de comédia e drama, “Simone” é uma produção que vale a pena pela reflexão social atualizada, apesar dos seus quase vinte anos.

Bom filme para refletir a respeito das Fake News contemporâneas e a maneira pela qual as massas podem ser manipuladas através de um apelo vindo da indústria cultural.

Confira a crítica de Simone também em vídeo:

Critica do filme Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa | Subindo pelas paredes

Desconsiderando suas participações em Capitão América: Guerra Civil, Vingadores Guerra Infinita e Vingadores: Ultimato, o teioso chega a sua nona iteração cinematográfica. Da trilogia original estrelada por Tobey Maguire e dirigida por Sam Raimi, passando pelas mal executadas produções de Marc Webb, que nos apresentaram o espetacular Homem-Aranha de Andrew Garfield, desviando para Homem-Aranha no Aranhaverso a uma animação sensacional (que nos introduziu o conceito do aranhaverso), até às reinvenções joviais de Jon Watts e seu novo Peter Parker, Tom Holland lá se vão quase duas décadas de escaladas.

Sem Volta Para Casa é a culminação não apenas do ciclo de Tom Holland, mas de toda uma jornada que começou lá no final do milênio passado e inicio dos anos 2000. Quando, muito antes de sequer existir a ideia de um MCU, Avi Arad manteve vivo o interesse do público em personagens que definhavam nas banquinhas, salvando uma editora falida e trazendo para as telas os heróis da “Casa de Ideias”. Não à toa, o filme presta homenagem ao controverso produtor responsável pela venda dos direitos de personagens icônicos da Marvel para diferentes estúdios de cinema — feito que paradoxalmente atravancou e impeliu o surgimento da Marvel Studios e do MCU.

Com uma nova fase ainda em seus primeiros momentos, o MCU — que agora também se expande para a TV (ou mais precisamente para o streaming da Disney+) — ainda reserva muitas emoções para os “zumbis marvetes”. A conclusão da trilogia de Jon Watts não deixa de seguir os moldes do MCU e ao final percebemos que todo o arco é, na verdade, uma grande história de origem para o jovem Peter Parker/Homem-Aranha. Apostando forte nas ramificações do multiverso, Sem Volta Para Casa é essencial para os fãs da Marvel e destila a quintessência dos filmes de herói.

Onde se vê a árvore não se vê a floresta

Entre as inúmeras discussões insignificantes, próprias dos reconditos nerds, uma das mais recorrentes é a de quem é o melhor Homem-Aranha dos cinemas. Os mais nostálgicos celebram a personificação de Tobey Maguire como um Peter Parker mais "convincente", enquanto outros millenials afirmam categoricamente que o carisma inato de Andrew Garfield faz dele um "Cabeça de Teia" perfeito, mas para toda uma nova geração de fãs Tom Holland é o único Peter Parker/Homem-Aranha.

Desde a primeira parte da trilogia comandada por Jon Watts, Homem-Aranha: De Volta para Casa, muito se questionava sobre a imaturidade do teioso e sua dependencia de Tony Stark/Homem de Ferro. Mal sabiam eles que tudo fazia parte de um plano maior, ou pelo menos é o que parece agora que temos a visão geral da trilogia com aa chegada de Sem Volta Para Casa.

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Próximos de mais das árvores para ver a floresta inteira, as criticas quanto ao desenvolvimento do jovem Peter de Tom Holland não eram de todo injustas. Todavia, agora percebemos que os três filmes, em únissono, funcionam como uma grande história de origem. Peter Parker surge como um adolescente impetuoso, ansioso para mostrar seu valor, mas cuja própria puerilidade é sua maior fraqueza. Alheio aos verdadeiros riscos de ser um herói e facilmente seduzido pelo glamour da fama, personificadas pelo ídolo/mentor Tony Stark (o Homem de Ferro), o Homem-Aranha de Tom Holland é um garoto deslumbrado no meio de gênios, magos, monstros e alienígenas. Quando chegamos em Sem Volta para Casa, a conta já está na mesa e Peter não tem como pagar.

Pierre Bayard — psicanalista, escritor e professor da literatura na Universidade Paris-VIII — já explicava "Como falar dos livros que não lemos", assim, tangeando o entrecho aforista de grandes poderes e responsabilidades, Jon Watts mostra que há mais de um jeito de se contar uma história e entrega a sua versão do adágio "Dâmoclediano" com muita perspicácia. Com uma narrativa muito competente, Watts joga tudo em um violento redemoinho alimentado pelos ventos da nostalgia, que não apenas revira a mitologia do MCU como também promove a evolução dos personagens em vários aspectos, entregando no final um Homem-Aranha ainda mais interessante para o futuro cinematográfico da Marvel.

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Na teia dos Aranhas

Sem Volta para Casa promove o retorno de vilões iconicos das produções passadas — incluindo aqui o infame J. Jonah Jameson de J. K. Simmons, que já havia aparecido no final de Longe de Casa. Jamie Foxx (Electro), Willem Dafoe (Duende Verde), Alfred Molina (Doutor Octopus), Thomas Haden Church (Homem-Areia) e Rhys Ifans (Lagarto) são arremessados no MCU, e entregam performances melhores do que na primeira vez.

Mesmo que o destaque inegável fique com Willem Dafoe, que mesmo dividindo o protagonismo com pelo menos outros 10 atores de peso, entrega um Norman Osbourn / Duende Verde multifacetado e fascinante, também devemos apontar apontar o trabalho de Alfred Molina e Jamie Foxx. Molina, que já havia apresentado uma versão inteligente do Dr. Otto Octavius / Doutor Octopus em Homem-Aranha 2, segue explorando bem a elegância e as minúcias do personagem, enquanto Jamie Foxx encontra a redenção de Max Dillon / Electro, cuja versão de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro sofreu desde a concepção de seu design.

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Se a presença dos vilões dos filmes passados já era surpreendente, a grande revelação de Sem Volta Para Casa certamente foi o retorno de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Abrindo de vez as portas do multiverso no MCU, a reunião dos três "Aranhas" alavanca a trama, alimenta a história de toda a franquia, e proporciona o crescimento tanto dos personagens como dos atores que os encarnam. A química entre os três é excelente, e permite que as interações não se limitem a um amontoado de memes, trazendo momentos verdadeiramente emotivos que, além de contextualizar cada figura dentro da história, também oferecem merecidos desfechos para os heróis.

Enquanto a atuação de Tobey seja impulsionada puramente (e de maneira suficiente) pela nostalgia, Andrew Garfield faz um esforço real para entregar a sua melhor versão do "teioso". Criticado durante sua passagem pela franquia, muito mais pelas viúvas de Tobey do que por sua performance em si, Garfield vai do cômico ao dramático com muita facilidade apresentando o Peter Parker / Homem-Aranha mais humano dos três. Por fim, Tom Holland parece que finalmente encontrou a sua voz dentro da série. Se nos título anteriores o ator parecia se apoiar mais na fisicalidade do papel, em Sem Volta Para Casa o britânico não veste apenas o uniforme do Homem-Aranha, mas também entra na pele de Peter Parker. Navegando com destreza por toda a jornada do personagem, Holland aproveita bem seus momentos e não fica apagado em meio a tantas estrelas.

A verdadeira felicidade está na própria casa

Sem Volta Para Casa não é uma obra prima, tem seus defeitos e acertos e no final não foge em nada ao padrão Marvel. O que pode soar como algo negativo é, mais uma vez, um grande trunfo. Assim, considerando o sucesso consistente do estilo Marvel de se fazer filmes é estranho questionar a suposta falta de criatividade das produções, mas deixo essa discussão para os "apocalipticos e integrados" e a dialética do modelo de reprodução cultural no contexto neogramsciano... ou por um bando de fãs um forum qualquer do Reddit

Com mais de 25 títulos lançados e um grande universo compartilhado é inegável que a formula já apresente alguns sinais de fadiga, mesmo que a cada novo lançamento sejam alcançados novos recordes de bilheteria. Entretanto, se a forma do bolo é a mesma o recheio certamente não é, e Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa mostra que Kevin Feige ainda esconde alguns truques na manga, olhando mais para o macro do que para o micro, apostando nos grandes arcos e não apenas nas histórias individuas.

Sem se emaranhar na própria teia de nostalgia, Sem Volta Para Casa revisita o passado de olho no futuro.   

Em suma, Sem Volta para Casa, como qualquer outra produção da Marvel Studios, é essencial para os fãs do MCU, ao mesmo tempo em que ainda se mostra minimamente atraente até para os não iniciados no mundo dos filmes de super-heróis. No entanto, para realmente apreciar os arcos narrativos de cada personagem é necessário algum conhecimento prévio, pelo menos da franquia Homem-Aranha. 

Crítica Ghostbusters – Mais Além | Nostalgia e novidade de mãos dadas

Lançado originalmente lá em 1984, a franquia “Os Caça-Fantasmas” fez um sucesso tremendo na época, algo que reverberou por muitas décadas. Curiosamente, a Sony Pictures investiu em apenas dois filmes originais, com a continuação “Os Caça-Fantasmas 2” sendo lançada em 1989.

De lá para cá, a franquia ficou apenas na memória da galera, mas foi ressuscita de forma inusitada em 2016 com uma abordagem diferente em “As Caça-Fantasmas”, dando vez para um novo time de especialistas em paranormalidades, protagonizado exclusivamente por mulheres.

Esta investida de 2016 deu certo, mas também deu errado. Apesar do tom bem-humorado e uma boa receptividade por partes dos críticos, os fãs não parecem ter gostado dessa alteração brusca no protagonismo da série. Assim, chegamos a uma nova adaptação, que ignora a existência do filme de 2016 e faz um gancho direto com os títulos da década de 1980.

ghostbustersmaisalem01 49019Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Em “Ghostbusters – Mais Além”, a Sony não apenas ignorou o título tradicional em português, mas foi “mais além” com um subtítulo ruim. Bizarro, mas faz parte do show. O que importa é que o novo filme tem trama envolvente, que, apesar de se apoiar nos protagonistas clássicos, dá fôlego à franquia, com novos personagens, bom humor e muito mistério.

Uma coisa engraçada é que o título recente dos Caça-Fantasmas teve um efeito quase contrário, fazendo mais sucesso para o público geral do que para os críticos. Os acertos do filme são muitos e os tropeços são raros, muitas vezes devido à galhofa excessiva. De qualquer forma, o resultado geral está acima da média e as risadas são garantidas.

Muitas referências, mas poucas interferências

A história de “Ghostbusters – Mais Além” gira em torno de uma família que recebe a triste notícia do falecimento do patriarca da família, um senhor que não tinha laços de afeição com sua filha e seus netos. Apesar disso, Callie (Carrie Coon) e seus filhos, Trevor (Finn Wolfhard) e Phoebe (Mckeena Grace), resolvem ir atrás da herança: uma fazenda abandonada.

O trio é composto por personagens muito carismáticos, que conseguem roubar a cena em diferentes momentos da trama. Curiosamente, apesar de Finn Woflhard (que você certamente conhece de Stranger Things e IT) estar entre os protagonistas, o destaque do filme fica para Mckeena Grace e para dois coadjuvantes: Logam Kim (que interpreta Podcast, um colega de Phoebe) e Paul Rudd (professor das duas crianças).

ghostbustersmaisalem02 9dec7Imagem: Divulgação/Sony Pictures

Juntos, esse grupo vai atrás dos mistérios que cercam a fazenda da família (da qual sequer sabemos o sobrenome) e também da cidade que apresenta tremores frequentes. É claro que a plateia sabe muito bem do que se trata todo o suspense do filme, mas é muito legal ver como a história é desenrolada, principalmente porque há inimigos inusitados.

Para obter sucesso na missão, eles contam com os aparatos do antigo proprietário da fazenda, que detém uma série de instrumentos tecnológicos, incluindo objetos que você com certeza já conhece de tempos passados e um veículo que é único em seu estilo. É dessa forma que vemos o gancho com o passado, o qual vai se alongando até termos muitas surpresas.

Felizmente, o filme dirigido por Jason Reitman (que é mais conhecido por obras dramáticas) vai no caminho contrário de se manter preso ao passado, de modo que não adianta você ir esperando a trupe de velhinhos da década de 1980 em ação. Logo, a grande sacada aqui são as referências, mas não uma sequência direta (porque isso exigiria muitos efeitos computacionais).

Os Fantasmas se divertem

O grande trunfo de “Ghostbusters – Mais Além” não é seu elo com passado, mas sua trajetória única e inédita, que dá vez para à contemporaneidade, graças aos novos personagens que trazem humor pontual, personalidades atuais (com o uso de alguns exageros, é claro, mas ainda muito inventivos) e um ritmo bem acertado.

O roteiro de Jason Reitman e Gil Keinan transita num vai e vem, que revela a trama de forma inteligente. O importante é que o timing das piadas funciona e que elas não recaem sobre um único personagem, já que a história é contada de forma ampla, desenvolvendo diferentes frentes e nos levando a conhecer mais do universo dos fantasmas.

ghostbustersmaisalem03 63e6cImagem: Divulgação/Sony Pictures

Com a trilha clássica, mas a presença de novos hits, o filme é embalado num misto de antiguidade com novidade. Isso também fica claro na fotografia do filme, que tem um tom sépia reforçado, mas que inova ao fugir do cenário habitual da cidade e exagerar nos efeitos especiais fantasmagóricos.

Aliás, ponto para o time criativo, que apesar de usar alguns fantasmas clássicos (que com certeza ajudam a criar familiaridade com o universo da franquia), eles fizeram um bom trabalho em criar figuras caricatas. Algumas são esquisitas e talvez jamais serão usadas novamente, mas há uma inventividade.

Resumo da ópera: “Ghostbusters – Mais Além” é uma ótima pedida para assistir numa sessão de cinema ou mesmo para ver (e rever) em casa. Inteligente, respeitoso e bem humorado, o filme consegue unir passado e presente, bem como dar um respiro para o futuro da franquia. A questão que fica é: quem eles vão chamar para o próximo filme?